Empresa de picolé de Goiás vai entrar nos EUA e deve faturar R$ 13 milhões em 2015
Ismael Alves com o pai, Clóvis José. Empresa cresceu e se prepara para entrar no mercado americano | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção
“Não é vergonha para ninguém empurrar um carrinho de picolé.” Tendo esta frase como mantra, o empresário Clóvis José de Almeida, 61 anos, conseguiu construir uma empresa de sucesso e está prestes a ganhar um dos mais difíceis e exclusivos mercados do mundo, os Estados Unidos. Patriarca da família que é dona da marca Frutos do Brasil, que comercializa sorvetes e picolés de sabores de frutas típicas da flora brasileira, em especial do bioma Cerrado, ele deve dobrar seu faturamento, que poderá chegar a R$ 13 milhões neste ano, quando seus produtos passarão a ser revendidos no ensolarado Estado americano da Flórida.
Não é segredo para os homens de negócios que, se uma mercadoria tem a chancela americana, a expansão para outros mercados é apenas um passo. O grupo goiano JBS-Friboi, por exemplo, tem colecionado sucesso empresarial ao redor do mundo depois de conquistar o mercado americano por meio de fusão ou de aquisição de grandes frigoríficos. No caso dos picolés de frutas do Cerrado, o que parecia ser um negócio rudimentar e banal tem se transformado em um sofisticado empreendimento que acaba de acertar o primeiro movimento para quem sabe se tornar um player global do ramo alimentício.
A marca Frutos do Brasil tem se valorizado no decorrer dos anos e atualmente comercializa seus produtos por meio de lojas franqueadas em nove Estados brasileiros — Goiás, Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhã, Ceará e Pará — e o Distrito Federal. Na fábrica localizada no Setor Sudoeste, em Goiânia, são produzidos 15 mil picolés por dia — 360 mil mensais — e 1,2 mil litros de sorvete. Para dar conta da atual demanda do mercado brasileiro e da expansão rumo ao americano, Ismael Alves de Almeida, filho de Clóvis José, adquiriu recentemente uma nova máquina que vai proporcionar a produção de mais de 1 milhão de picolés por mês.
O novo maquinário que deve entrar em operação nesta semana vai produzir 4,5 mil picolés por hora, ou seja, cerca de 27 mil por dia. Armazenados numa câmara fria de 104 metros quadrados à temperatura de 34º C negativos, de lá, os gelados são encaixotados e levados para os caminhões-baú da frota da empresa, que saem diariamente da fábrica rumo às lojas franqueadas espalhadas pelo Brasil. Os picolés que em breve vão sair de Goiânia rumo à Flórida serão transportados em um contêiner especial, dotado de refrigeração. Esses produtos sairão do Estado em direção de Santos (SP), onde serão embarcados em um navio que fará o transporte até os Estados Unidos.
Sabores da natureza
Diante da nova realidade, cuja fabricação de picolés e sorvetes praticamente será dobrada, Ismael Alves diz que em breve parte da produção será transferida para uma área de 18 mil metros quadrados, localizada em Abadia de Goiás. O terreno, adquirido recentemente pelo empresário, tem sido utilizado apenas para a despolpa de frutas. Atualmente são 76 sabores, que vão desde o murici, araticum, araçá, buriti, goiaba, cajuzinho, cajá-manga, jaca, gabiroba, cagaita, abacate, araticum, brejaúba, araçá, graviola, jabuticaba, jatobá, mamacadela, mangaba, seriguela, pequi e graviola.
Mas, de que forma são selecionados os frutos e de que maneira são colhidos para a fabricação dos picolés? Ismael Alves informa que a empresa conta com uma cadeia de fornecedores e uma fazenda própria com um grande pomar. Quando eles recebem a notícia de que uma propriedade rural possui em sua área várias árvores frutíferas típicas do Cerrado, Clóvis José vai pessoalmente até o local atestar se os frutos são ideais para a fabricação de sorvetes e picolés. “Tem dia que meu pai entra na mata para colher as frutas às 8 horas da manhã e só retorna 6 horas da tarde”, conta Ismael Alves.
Preocupada com a questão de sustentabilidade, o Frutos do Brasil mantém uma política rígida de controle de resíduos voltada para a produção de sorvetes e picolés e, também, no trato direto com o consumidor desses produtos. Além da doação de sementes, as cascas descartadas no processo de fabricação dos gelados são aproveitadas como adubo orgânico. A empresa procura trabalhar com fornecedores que tenham a preocupação com o meio ambiente. Os palitos usados nos picolés, por exemplo, são feitos a partir de madeira proveniente de reflorestamento. Toda a água utilizada no processo industrial é tratada de forma que o resíduo bruto não chegue diretamente no descarte da rede de esgoto.
Atualmente, a empresa emprega 32 funcionários, entre trabalhadores que lidam diretamente na linha de produção, nutricionistas, engenheiros de alimentos, técnico de segurança do trabalho, publicitário e gestor de empresa. Em épocas passadas foram 140 colaboradores, sendo que boa parte deles saiu da empresa e abriu seus próprios negócios no mesmo ramo de gelados com sabores de frutas nativas.
Para conseguir uma franquia do Frutos do Brasil o processo não é fácil. Atualmente são 16 franqueados e 22 cessionários. O primeiro passo para abrir uma franquia é fazer um cadastro no site da empresa que, segundo Ismael Alves, é uma forma de triagem. Ao término do cadastro é gerado um código que acompanha o interessado até o final do processo de franqueamento.
Se o interessado estiver dentro do perfil estabelecido pela empresa, a Frutos do Brasil concede a franquia. Na etapa mais avançada, o candidato é convidado a conhecer pessoalmente as instalações da empresa e recebe um formulário circular de oferta de franquia que, após assinado, é estipulado o prazo de dez dias para se posicionar se topa ou não entrar no negócio.
Neste período, tanto a Frutos do Brasil quanto o aspirante a franquia pode desfazer o processo. Caso o sinal do candidato for positivo, ele deve em seguida efetuar o depósito da taxa da franquia ao mesmo tempo em que o pré-contrato é redigido. Por fim, a franquia é oficializada mediante a assinatura do contrato definitivo entre pessoas jurídicas. A partir daí a empresa destaca uma equipe de marketing e arquitetos para montagem de uma estrutura física e de estratégia adequada à região de atuação do novo franqueado.
Muitos se perguntam por que sorvetes e picolés de frutas nativas brasileiras fariam sucesso nos Estados Unidos. Seria puramente pelo sabor exótico ou pelo baixo teor calórico? Na realidade são as duas coisas. Os picolés e sorvetes goianos possuem até 80% de polpa, ou seja, a quantidade de caloria é consideravelmente menor do que os concorrentes. Praticamente não há gordura trans, segundo Ismael Alves. Com baixa quantidade de sódio e, por consequência, mais saudáveis e menos gordurosos, o produto goiano foi considerado por um grupo de investidores americanos, como potencialmente apto a entrar no mercado estadunidense.
Ganhando a América
Ismael Alves: “Nossos picolés e sorvetes não têm gordura trans” | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção
Tudo começou quando o Frutos do Brasil participou de uma feira de exposições de negócios, realizada em março de 2013 em Washington, a capital americana. Surpreendentemente, os picolés de frutas do Cerrado chamaram a atenção de investidores. Um grande número de visitantes começou a aglomerar em seu estande. Dentre os curiosos ávidos por conhecerem de perto a excêntrica novidade, havia um grupo de empresários americanos que detém uma rede de 50 postos de combustíveis e de 60 lojas de conveniência espalhadas pelos Estados Unidos. Será por meio deste grupo empresarial que os sorvetes e picolés “made in Goiás” vão adentrar a América a partir da Flórida.
Entretanto, essa não foi a única vez em que o negócio teve a oportunidade de se expandir para além das fronteiras nacionais. Em outubro do ano passado, o cônsul do Reino Unido esteve pessoalmente em Goiânia, interessado em montar uma fábrica da empresa em Londres. Porém, o plano de levar os sabores do Cerrado aos súditos de Vossa Majestade teve que ser abortado. Isso por conta do alto custo que o empreendimento demandaria para a montagem de uma linha de produção no coração da Inglaterra. Mas, Ismael Alves avisa que o mercado europeu, por enquanto, ainda não saiu do radar da empresa. Segundo ele o movimento do negócio para o outro lado do Atlântico vai ocorrer no momento certo e nas circunstâncias certas.
Do momento de desespero à ideia de um grande negócio
Tudo começou de maneira dramática para Clóvis José. Em 1993, quando teve suas economias sequestradas pelo Plano Collor, em março de 1990, o sorveteiro que era filho de uma família de dez filhos, nascido na fazenda Lagoa dos Patos no município de Goiatuba, se viu numa tremenda enrascada. Sem dinheiro e com mulher e filhos para cuidar, teve que vender a casa e uma caminhonete, pois seus três avalistas também tinham quebrado e não estavam em condições de pagá-lo. Com a situação complicada, Clóvis José não viu alternativa a não ser mudar-se de São Luís dos Montes Belos para Goiânia, juntamente com a família.
Com apenas o segundo ano do ensino básico completo, Clóvis teve extrema dificuldades de arranjar emprego. Na capital, ele ocupou um cômodo de um sobrado localizado no Setor Coimbra, de propriedade do sogro de um dos filhos, até que em um dia de calor extremo, apanhou um carrinho de picolé e começou a percorrer a cidade na esperança de vender alguns gelados que lhe rendessem uns trocados. Mesmo com o sol escaldante e com mais de 20 quilômetros percorridos, não conseguiu vender nenhum picolé.
Mensagem misteriosa
No dia seguinte, voltou às ruas com Ismael e percorreu o mesmo itinerário do dia anterior. Até que exausto e completamente desamparado, ao escorar junto às paredes do antigo Supermercado Passe Bem, um homem misterioso se aproximou e disse: “O senhor acredita em Deus? Se sim, tenho que dizer que Ele mandou lhe falar que o senhor é o dono da sabedoria e que já é abençoado e vai abençoar muita gente”. Com fome e em desespero, seus olhos se encheram de lágrimas. A partir daquele dia em diante ele jamais se esqueceria daquela misteriosa mensagem.
Passados 90 dias, Clóvis atendeu o telefonema de um amigo de Betim (MG) que lhe ofereceu empréstimo de uma máquina de fabricação de picolés e sorvetes para que pudesse trabalhar. Aceitada a oferta, começou a confeccionar sua própria mercadoria até receber uma encomenda de 15 mil picolés para uma festa infantil. Para dar conta do pedido teve de atravessar três dias ininterruptos trabalhando, pois a máquina possuía apenas cinco formas de 22 picolés, muito pouco para a demanda em um curto espaço de tempo.
Depois de ter honrado a encomenda, Clóvis se encontrava numa situação menos sufocante.
Desta forma resolveu confeccionar picolés de sabores diferentes, ou seja, de frutos típicos do Cerrado, como murici, guabiroba e mangaba, que eram colhidos por ele próprio nas matas próximas à cidade. Até que numa tarde, quando estava passando em frente a uma loja de móveis, uma repórter da TV Anhanguera o abordou, perguntando — em tom de brincadeira — se ele tinha picolé de pequi. Para sua surpresa e espanto, Clóvis não só tinha picolés do fruto solicitado, mas de muitas outras frutas do bioma Cerrado. Surpreendida pela novidade, a repórter marcou uma reportagem sobre seus produtos para o dia seguinte, cujo título era “O cerrado no palito”.
No dia da publicação, Clóvis não estava dando conta da demanda, tamanho o interesse que a reportagem provocou nas pessoas. A repercussão foi tão grande que um diplomata da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, que estava a passeio em Goiânia, foi até a sorveteria — que então funcionava numa sala de sua casa — conhecer a novidade. O americano ficou tão arrebatado com os picolés que propôs a Clóvis o envio de 70 toneladas de frutas típicas do Cerrado para América do Norte. A proposta não prosperou, mas seu negócio alavancou de forma meteórica e não parou de crescer até então.
Ao lado de Gates
Além de uma nova clientela cativa, Clóvis passou a ser constantemente convidado a ministrar palestras em universidades de Goiânia. Em 2002 seu negócio passou a ser conhecido nacionalmente graças ao programa “Fantástico”, da Rede Globo, que veio a Goiânia realizar uma filmagem com Clóvis e seus picolés de frutas exóticas. A reportagem, que teve seis minutos de duração, gerou uma repercussão tão forte que o “Jornal Nacional” do dia seguinte reservou três minutos para contar a mesma história do inventivo goiano.
Em 2013, com os negócios consolidados e em franca expansão, Clóvis foi convidado para dar uma palestra na Universidade de São Paulo (USP), ao lado de Bill Gates, um dos homens mais ricos do mundo, e de um dos diretores da Azul Linhas Aéreas Brasileiras. Enquanto Gates palestrou por 40 minutos, Clóvis falou por quase duas horas e foi aplaudido entusiasmadamente por uma plateia repleta de homens de negócios de todo o Brasil.
Mesmo passado todos esses anos, em que transformou o negócio numa grande empresa que pode movimentar neste ano cerca de R$ 13 milhões, Clóvis não perde a humildade e os costumes simples. Ele revela que aprendeu com o avô, o raizeiro Alonso Martins Almeida, as potencialidades nutricionais e de sabores agradáveis de dezenas de frutos que brotam no Cerrado goiano. “Ele dizia que toda fruta que os pássaros comem, nós humanos também podemos comer”, conta.
Atualmente, uma irmã de Clóvis dirige um negócio similar ao Frutos do Brasil em Cuiabá (MT), com o nome de Frutos da Terra. Um cunhado explora o mercado do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, por meio da empresa Delícias do Cerrado. A filha e um filho administram juntos o Frutos do Cerrado em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, e em cidades do interior de São Paulo. “Hoje minha missão é de proteger a natureza. Quero que os filhos dos meus netos também tenham o mesmo prazer que tive de comer as saborosas frutas da nossa rica flora brasileira.” l
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