Chefe da Câmara de Combate à Corrupção, o procurador da República Nicolao Dino
reconhece efeito de penas do mensalão sobre delações da Operação Lava Jato e defende
sanção de até 25 anos para grandes corruptos Por: Laryssa Borges, de Brasília
O procurador Regional da República
Nicolao Dino(VEJA.com/Divulgação)
Nos
últimos dois anos, o Ministério Público Federal apresentou 5.445 ações de
improbidade administrativa para tentar reaver bilhões de reais desviados dos
cofres públicos por corruptos.
Mas a enxurrada de ações judiciais esbarra em
uma lenta recuperação efetiva do montante roubado em escândalos de corrupção.
Dez anos depois da descoberta do mensalão, nenhum centavo foi devolvido aos
cofres públicos.
No petrolão, onde investigadores estimam que 6,2 bilhões de
reais foram movimentados de fraudes na Petrobras, pouco mais de 500 milhões
foram repatriados - graças a acordos de delação premiada celebrados pelos
criminosos. Em entrevista ao site de VEJA, o subprocurador-geral da República
Nicolao Dino, coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do MP, defende penas
altas para grandes corruptos e corruptores, com sanções de até 25 anos, mas
admite que boa parte do sucesso da Lava Jato está vinculado ao inédito número
de delações premiadas.
"É difícil imaginar como seria a investigação da
Lava Jato sem uma informação importante a partir de instituto da colaboração
premiada", diz. Leia a entrevista:
As
condenações do mensalão deixaram a sensação do fim da impunidade, mas parte dos
personagens aparece agora no petrolão. Pode-se dizer que temos corruptos
profissionais?
Sem citar nomes, não apenas no
Brasil, mas no mundo todo a corrupção tem um caráter de permanência. Há uma
frase do sociólogo José Pastore muito interessante: 'Corrupção é como diabetes,
não tem cura e tem que ser tratada todo tempo'. Isso evidencia na prática que a
corrupção é um fenômeno social, transnacional e não é algo típico do Brasil. É
algo que se faz presente infelizmente nas sociedades de uma forma geral desde
que o mundo é mundo. É algo com que os Estados devem ter uma relação muito
detida para que não se alastre.
Nas
investigações, qual a sensação quando o Ministério Público se depara com os
velhos personagens em novos escândalos?
O
papel do Ministério Público é atuar, independentemente de perceber se os
personagens se repetem ou não em situações de corrupção. Estamos diante de um
momento histórico, muito importante para o Brasil porque os casos hoje se
tornam mais visíveis e mais perceptíveis. Não podemos falar em recrudescimento
da corrupção. O que há é mais visibilidade em relação aos casos de corrupção. O
que importa é que os casos sejam detectados, submetidos à rigorosa investigação
e a um julgamento justo. O importante é que o Estado tem que se equipar, se
preparar e se aparelhar para atuar para enfrentar a corrupção e dar respostas
de punição que a sociedade exige. O Brasil não está só nisso. É só ver o
exemplo recente de corrupção na Fifa.
Qual
o papel da delação premiada em grandes escândalos de corrupção?
A colaboração premiada é um instituto que vem
sendo utilizado nos ordenamentos jurídicos mais modernos. Nos Estados Unidos e
na Itália, há casos muito exitosos desvendados a partir de delações. No Brasil,
ainda é muito recente. A vantagem da colaboração premiada é obter informações
que são fundamentais para detecção de uma grande organização criminosa. Há
situações nas quais o crime se estabelece de uma forma tão organizada que só é
possível desvendá-lo a partir de uma colaboração, de uma informação
privilegiada de alguém que se insere na organização. O caso da Lava Jato,
parece ser bem emblemático em relação à colaboração premiada. Não fosse esse
instituto, provavelmente as informações necessárias à plena elucidação do caso
não teriam chegado ao conhecimento do Ministério Público Federal. É difícil
imaginar como seria a investigação da Lava Jato sem uma informação importante a
partir de instituto da colaboração premiada.
O
empresário Marcos Valério não fez delação premiada no mensalão e foi condenado
a 37 anos de prisão. Esse cenário motiva os empreiteiros da Lava Jato a
colaborarem com a Justiça?
Acho que
nesse caso estamos diante da certeza da punição. O infrator tem que ter certeza
e a sociedade tem que ter a percepção de que o Estado vai atuar, agir e punir.
É essa certeza da punição que inibe a prática criminosa. Temos casos em que o
Judiciário responde de uma forma incisiva em relação a determinado esquema de
corrupção. Houve uma sanção elevada em relação a pessoas submetidas à ação
penal 470. Nessa perspectiva, o infrator pode pensar que o Estado está
funcionando e a certeza da punição atua como um fator inibidor.
No
Brasil, a sensação de combate à impunidade arrefece com descoberta de um
escândalo ainda maior, como o petrolão.
O
Brasil tem dado saltos bem largos em relação a romper com o cenário de
impunidade. O reaparelhamento do ordenamento jurídico, com a criação dos
institutos da leniência e da colaboração premiada, o fortalecimento das
instâncias investigatórias, a independência do Ministério Público e do
Judiciário, tudo isso são sinais de que melhoramos muito no combate à
impunidade.
O
MP defende transformar corrupção em crime hediondo. Analistas contestam a
relação entre aumento da pena e combate efetivo à criminalidade.
O aumento da pena por si só não inibe o
crime. Propomos o aumento de sanções a corrupções de valores elevados, mas
precisamos implementar também outras medidas, como a simplificação do processo
judicial e da cadeia recursal para tornar o processo mais célere e efetivo.
Desde
o início da Lava Jato, o MP tem replicado um discurso sobre os efeitos
destrutivos da corrupção na sociedade.
Quantas
milhares de vidas poderiam ser preservadas se esse recurso fosse encaminhado
para o reforço do sistema de saúde? Quantos milhares de analfabetos poderiam
melhorar seu nível de escolaridade se o dinheiro desviado fosse encaminhado
para a área de educação? A lesão em larga escala requer respostas estatais
também em larga mais rigorosa. Por isso defendemos altas penas para o crime de
corrupção.
Partidos
políticos mergulhados em esquemas de desvios de recursos públicos deveriam ser
extintos?
A legislação prevê algumas
situações de decretação da extinção do partido político. Basta olhar a Lei
Orgânica dos Partidos Políticos. O que está se propondo aqui são situações de
grande repercussão e maior gravidade. A solução defendida pelo Ministério
Público é de que se há uma estrutura, seja qual for a pessoa jurídica, uma
sociedade empresarial ou mesmo um partido político que funcione apenas para
viabilizar atividades ilícitas, essa pessoa jurídica não pode sobreviver dentro
de um Estado democrático. No caso de uso de recursos oriundos de atividades
ilícitas e irregulares, há uma medida sugerida ao Congresso Nacional de que o
Judiciário poderá, mediante representação e assegurada ampla defesa, aplicar
várias sanções. A penalidade máxima seria a extinção da pessoa jurídica. Seria
como aplicar a Lei Anticorrupção aos partidos políticos.
É
factível acreditar que o Judiciário seria capaz de extinguir um partido
político histórico?
O Judiciário brasileiro está
bem maduro. Acredito que em uma democracia o Judiciário age com independência e
tem que ter a coragem de tomar as medidas que forem previstas em lei. Quem faz
as regras do jogo é o Legislativo. Se ele considerar que é o caso de
estabelecer sanções severas para pessoas jurídicas que se valem de atividades
ilícitas, o Legislativo vai prever e o Judiciário terá maturidade para aplicar
se e quando for o caso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário