LUXO SEM FIM ► NOVO MUSEU DOS COCHES ABRIU AO PÚBLICO



Novo Museu dos Coches abriu ao público

O novo Museu dos Coches abriu finalmente as portas este sábado. 

É um irmão, minimalista no estilo e maximalista na ambição, do museu antigo que albergou a melhor coleção de coches do mundo. 

Mas o novo ex libris arquitetónico da capital, assinado por um prémio Pritzker, ainda não está completo para a fotografia

Subitamente, depois de muitos adiamentos, temos um novo enquadramento da cidade: lá ao fundo as copas das árvores do jardim da Praça do Império, pressente-se a silhueta do Mosteiro dos Jerónimos, o rio faz-se corredor, o Padrão dos Descobrimentos ergue-se no canto esquerdo, e, à direita, o presidencial Palácio de Belém abre-se à curiosidade alheia, deixando ver fileiras de janelas quadriculadas, estátuas graciosas, arbustos cuidados, a coreografia vigilante da ronda dos guardas.
Este panorama inesperado é oferecido por um rasgão amplo na arquitetura aparentemente fechada, à maneira de uma caixa forte, do novo Museu dos Coches, concebido pelo arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, em parceria com os ateliês dos portugueses Ricardo Bak Gordon e Nuno Sampaio. 

Não é a única surpresa aninhada entre as paredes brancas e geométricas. 

Com inauguração marcada para este sábado, 23, este espaço museológico resolutamente contemporâneo, com ecos modernistas e brutalistas, linhas direitas e estrutura assente em colunas, com praça aberta por baixo e em redor, quer "fazer cidade a partir da arquitetura". 

Palavras do arquiteto Ricardo Bak Gordon que, com passada e gesto largos, numa visita de reconhecimento, não se poupa a explicar as linhas e fluxos do projeto: o "ponto de vista urbano" proporcionado pelo edifício; o "diálogo entre a cidade e o museu", possibilitado pela criação de "praças e espaços que vão ser atravessados todos os dias pelas pessoas"; o esforço de engenharia patente nas lajes únicas de betão, sem juntas, das duas salas, onde estão patentes os coches; as varandas sobre as salas, pensadas para uma visão abrangente da coleção; o auditório com palco ao nível térreo e assentos corridos à semelhança dos vulgares bancos de jardim, diluindo fronteiras entre exterior e interior, e onde um automóvel poderia entrar - o exemplo é do próprio Bak Gordon.

O edifício é uma união de dois blocos, com transparências num lado e casulo protetor do outro, e a sua mais-valia passa também pela espetacularidade arquitetónica - apanágio de toda a metrópole contemporânea. É uma caixa "fora da caixa" para o acontecimento cultural e museológico mais marcante da década.  

'E pur si muove!'

Aberta a caixa, o tesouro ainda está por etiquetar. 

A obra não está totalmente acabada mas o museu vai abrir assim mesmo. 

Do papel para a rua, fica ainda por completar a ponte pedonal que liga o novo museu à margem ribeirinha, por cima da Avenida da Índia e da linha de comboio (dizem os responsáveis que ficará concluída até meados de 2016). 

Por agora, só uma língua metálica branca, suspensa. Sob a estrutura, estende-se um amplo espaço público, ritmado pelos pilares, à maneira de casa apoiada em estacas palafíticas. Ainda não há lojas, mas, espera-se, estas surgirão (a gelataria Santini já marcou lugar e abrirá ali já no início de junho). 

Ainda não há calendário de outros eventos ou até exposições temporárias, mas, deseja-se, estes acontecerão um dia. Os coches, esses, estão já dispostos em duas alas imponentes, nuas, numa lógica minimalista, contrastante com o dispositivo de época praticado no antigo Picadeiro Real. Haverá, ao todo, 78 peças - coches, berlindas,  carruagens, cadeirinhas, carrinhos, liteiras, seges... - em exposição, contra 55 no velho museu (que se manterá aberto, exibindo agora quatro coches e quatro berlindas).

Silvana Bessone, atual diretora do Museu dos Coches, enaltece a possibilidade de, agora, podermos observar estas peças num ângulo de 360 graus, que, diz, permite até a descoberta de detalhes que até agora passavam despercebidos. Mas o projeto museográfico completo ainda estará em falta: prevê-se, por exemplo, que a informação total sobre cada viatura esteja disponível só no final do ano.

Antes de voltarem à estrada e empreenderem a breve viagem para uma nova morada, estas invenções de outros tempos foram restauradas pelas mãos de uma equipa em contra-relógio, trabalhando ao som de música clássica. "Foi um privilégio estar neste grupo que reúne os melhores especialistas para trabalhar neste projeto. 

Gostaríamos quase que este trabalho não terminasse nunca, por tão gratificante que tem sido", confidencia à VISÃO Rita Dargent, especialista de restauro. Foi ela que, na visita de imprensa, mostrou orgulhosamente o novo espaço das reservas e oficinas: fileiras e corredores de arreios, chapéus, borlas, fardas, atavios equestres, acessórios anacrónicos e românticos, arrumados impecavelmente e monitorizados rigorosamente por sistemas de controlo de temperatura.

No andar superior, os valiosos coches mostram-se organizados cronologicamente, a começar pelo coche de Filipe II, datado do final do século XVI - antes guardado no museu de Vila Viçosa, de onde vieram 25 hipomóveis - e a terminar com um símbolo de progresso na forma de uma carruagem postal. "Uma viagem pela evolução dos transportes reais em Portugal desde o século XVI até ao início do século XX", sintetiza Silvana Bessone.

David e Golias

Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da cultura, explicou aos jornalistas que, apesar desta incompletude, "o museu tem de abrir e ser usufruído", ser um organismo vivo. Também assumindo o papel de trunfo institucional, percebe-se. 

A data de inauguração do Museu dos Coches não foi escolhida ao acaso, sendo sublinhada a carga simbólica deste 23 de maio que, há 110 anos, marcou outra inauguração: a do então Museo dos Coches Reaes no Picadeiro Real, pela mão de D. Amélia de Orleães e Bragança, esposa do rei D. Carlos I, que reuniu um acervo de carros oriundos de várias cortes. 

Só em 1910, com a implantação da República, o espaço assumiria a designação de Museu Nacional dos Coches, cuja coleção é considerada a mais importante a nível mundial. 

É talvez desconcertante que, depois de tanta ansiedade em torno da envergadura desta obra nova, se perceba que, afinal, o bonito Picadeiro Real vai continuar a funcionar com as mesmas funções para "evocar a sua memória" - irmão agora apequenado da grande caixa debruçada sobre Belém.

As paredes brancas por estrear, o cheiro a novo, os vidros polidos até à invisibilidade, a expectativa de um novo elemento arquitetónico na paisagem já se desvaneceram um pouco... Afinal, as obras foram, em grande parte, concluídas em 2012. 

Habituámo-nos a passar por aquele volume encaixado ao lado do semáforo e da estação de comboios de Belém. Um bicho adormecido na paisagem. 

"Os anos de crise vividos a partir de 2011 impediram uma abertura mais célere", recorda Barreto Xavier. À VISÃO, sublinha: "Tivemos que gerir um ativo relevante em condições de excepcionalidade." Defende que o edifício "não sofreu deterioriação pela não utilização, mas todos os edifícios novos podem ter problemas, e foram, de facto, detectados problemas que ainda estão cobertos pela garantia da obra". 

Tendo verbalizado, em várias ocasiões, a sua preferência por um investimento no Museu Nacional de Arte Antiga ou num novo pólo dedicado à História de Portugal, o secretário de Estado sintetiza: 

"Quando temos uma obra feita, é nossa obrigação fazer o melhor possível com ela." 

E admite que o atual boom do turismo em Portugal "é uma boa coincidência" que, juntamente com a valorização do eixo Belém-Ajuda, pode ajudar a valorizar investimento feito. 

Objetivo: mais de 350 mil visitantes por ano, numa "perspetiva conservadora e sóbria", sublinha este responsável. 

O Estado, esse, irá manter um apoio de €500 mil anuais, confiando que as restantes contas possam ser equilibradas pelo mecenato, receitas de bilheteira, boa vontade de privados.

Questionado sobre o enorme adiamento da inauguração da sua obra, o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha responde com diplomacia e elegância, preferindo sublinhar a "festa" que é a abertura de um equipamento desta envergadura, e que simboliza, diz, a união entre os dois países de língua portuguesa. 

Será bonita a festa, pá?


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