Da era de ouro dos automóveis fora-de-série
brasileiros, na década de 1970, restaram algumas obras-primas quase
desconhecidas até mesmo entre aficionados do antigomobilismo. Menos famoso do
que os bem-sucedidos Puma, Miura ou MP Lafer, que tiveram grandes tiragens e
ainda possuem legiões de fãs, o Concorde é uma dessas joias raras. Projeto do
colecionador de automóveis paulista João Storani, o Concorde ainda hoje
impressiona pelas linhas elegantes dos anos 1920/30, inspiradas em clássicos
como Duesenberg, Cord, Packard Phaeton ou Pierce Arrow, e pela potente mecânica
do Ford Galaxie.
Diferentemente da maioria dos fora-de-série nacionais, que
usavam motores Volkswagen boxer air cooled, o Concorde utilizou o propulsor
Ford V8 292 nos primeiros dois exemplares construídos e depois passou a ser
equipado com o prestigiado V8 302. O câmbio podia ser o automático de três
marchas, do Galaxie, ou o manual Clark de quatro velocidades, do Maverick GT. A
suspensão dianteira e o eixo traseiro vinham do Galaxie. Contudo, o chassi de
3m40 era exclusivo: construído em longarinas de aço, com reforço em X, superava
o do Galaxie em comprimento. A vistosa carroceria de dois (C2) ou quatro
lugares (C4) era moldada em plástico e fibra de vidro, com reforço em aço no
cockpit. O projeto foi homologado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT) e contou com a simpatia da Ford do Brasil.
Segundo Renato Storani, neto de João, o Concorde nasceu de um
sonho antigo de seu avô, em 1974. O primeiro exemplar foi exibido no Salão do
Automóvel de 1976 – mesmo ano em que o governo proibiu a importação de
automóveis. O modelo fez tanto sucesso entre milionários e celebridades que
João se animou a criar a Concorde Indústria de Automóveis Especiais Ltda, já de
olho no mercado norte-americano. O veiculo era caro para os padrões brasileiros
– custava o dobro de um Galaxie, então o automóvel mais luxuoso do país. “O
desempenho do modelo C2 é muito bom. Havia a opção de um carburador Holley
bijet de 500 cfm, que melhorava consideravelmente a performance, gerando em
torno de 215 cv. Nunca fizemos um teste preciso de velocidade final. Mas, em
pista, conseguimos alcançar os 220 km/h ‘no painel’”, conta Renato.
Os carros foram fabricados em Jundiaí e Vinhedo, no interior
de São Paulo. Três exemplares chegaram a ser exportados para os Estados Unidos.
A fábrica foi vendida mais tarde para um empresário chinês, que manteve o
Concorde em produção (à razão de um exemplar por semestre, conforme
especificações do comprador) até dezembro de 1985. Ao todo, foram construídos
apenas 17 Concorde. O visionário João Storani faleceu em 1996, aos 72 anos. Um
dos veículos exportados para os EUA foi encontrado por um neto de Storani na
internet, e repatriado. A família conserva quatro exemplares sobreviventes.
Com nome de avião supersônico e cara vintage, o Concorde
antecipou em quase três décadas a onda retrô que movimentaria a indústria
automobilística mundial no início dos anos 2000, com o lançamento de remakes
como o New Beetle, o PT Cruiser, o Mini e o Cinquecento. Era um carro de design
antigo mas equipado com a mais moderna tecnologia de sua época. O melhor de
dois mundos para entusiastas de clássicos dos anos 1930 que preferissem a
funcionalidade dos automóveis mais modernos.
Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Comoantigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.
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