OS PARLAMENTARES
ELEITOS PELO POVO, QUEREM LEGISLAR EM CAUSA PRÓPRIA, E CONTRA O POVO.
Alexandre Camanho: “A aprovação da PEC 37 criará o caos nas investigações”
Segundo presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), proposta para limitar os poderes do Ministério Público pode comprometer as investigações em curso
Uma comissão especial da Câmara aprovou em novembro um polêmico projeto para emendar a Constituição. A PEC 37 modifica a Constituição para definir que apenas as polícias podem iniciar uma investigação. Na prática, o projeto tira o poder do Ministério Público, que atualmente se destaca como um dos principais órgãos de combate à corrupção no Brasil.
Para ser aprovado, o texto ainda precisa passar por duas votações na Câmara e duas no Senado. Mas a aprovação em comissão especial no mesmo mês em que o Supremo Tribunal Federal encerrava o julgamento de um dos principais escândalos do país, o mensalão, foi o suficiente para iniciar a polêmica. A PEC foi rapidamente apelidada pela associação dos procuradores da República como “PEC da Impunidade”, enquando os delegados de polícia, favoráveis a mudança na Constituição, a chamam de “PEC da legalidade”.
Para entender melhor o caso, ÉPOCA entrevistou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, e o presidente da associação de delegados de polícia, Paulo Roberto D’Almeida.
Segundo Camanho, se o Congresso retirar o poder de investigação do MP, mais processos ficarão incompletos, contribuindo para a impunidade.
ÉPOCA – O Ministério Público apelidou a PEC 37 de “PEC da Impunidade”. O projeto gera mesmo impunidade?
Alexandre Camanho – Essa é uma realidade inegável, até por uma questão quantitativa. Mesmo com a atual cooperação do Ministério Público, existe uma cifra negra assustadora de investigações que não chegam ao fim – por conta de deficiências estruturais das polícias. Se você retira o poder de investigação do Ministério Público, e deixa tudo nas mãos da polícia, evidentemente você está aumentando essa cifra e contribuindo para a impunidade.
ÉPOCA – Qual a motivação dessa PEC?
Camanho - O problema é o nosso modelo de investigação. Com a modernização da polícia, ficou cada vez mais evidente que o modelo do inquérito policial caminha para um arcaísmo inexorável. Na medida em que nós avançamos com técnicas de investigação mais modernas, ajustadas a critérios de eficiência e que acabe de vez com o inquérito policial, os delegados perderão o grande trunfo que têm em mãos hoje. A carreira específica de delegado de polícia passa a sofrer um questionamento natural: para que delegado de polícia? É nesse sentido que eu vejo a PEC 37. Uma reação, uma queixa confinada a um gueto corporativo da carreira de delegado de polícia. Não é um clamor de toda a polícia, mas apenas desse gueto.
ÉPOCA – Quer dizer que inquérito policial é um método arcaico?
Camanho - Sim, o inquérito é uma modalidade fóssil de investigação. Há excelentes estudos de outras corporações policiais mostrando a necessidade de interação maior entre investigadores e Ministério Público, com uma partilha de atribuições bem definida. Acima de tudo, esses estudos questionaram a necessidade de a condução formal de uma investigação ser feita por um bacharel de direito, quando crimes ocorrem em áreas diferentes e poderiam ser melhor elucidados com outro tipo de profissional conduzindo a investigação. Por exemplo, crimes cibernéticos.
O que é que um bacharel em direito sabe sobre isso? Crimes financeiros, com manipulação contábil. O que um bacharel de direito sabe sobre isso? É importante que haja um debate nacional sobre um novo formato de investigação que seja fundamentado não na manutenção do status de um segmento corporativo, mas no princípio da eficiência. Uma investigação criminal existe para elucidar um crime e seus autores, não para ficar perpetuando tolices e arcaísmos e presunções e feudos.
ÉPOCA – Podemos falar então que a PEC é uma reação, uma disputa de poder por parte dos delegados?
Camanho - Não é uma disputa de poder com o Ministério Público. Na verdade é uma busca desesperada de manter em mãos a única coisa que é a sua razão de existir, que é a condução de uma investigação por um método arcaico que é o inquérito policial.
ÉPOCA - Para os defensores da PEC, o Ministério Público está ultrapassando sua competência definida na Constitução.
Camanho – Esse argumento é inacreditável. A Constituição de 1988 deu ao Ministério Público poderes extensos na firme convicção de que o MP seria não só o grande guardião da cidadania, mas também o orgão com fiscalização idônea, imparcial e isenta, que deve estar presente em todas as áreas onde há a máquina pública. É natural a atribuição do Ministério Público de investigar e propor ações civis e penais, e ele faz isso para conseguir resultados bons para a sociedade, como a condenação de criminosos.
ÉPOCA - Se a PEC for aprovada, o que acontece com as investigações que estão em curso atualmente?
Camanho – Antes, eu preciso fazer uma profissão de fé com o Congresso Nacional. A PEC 37 não espelha em nada a ideia da sociedade brasileira contemporânea em relação ao que ela acha da polícia e do Ministério Público. Eu tenho a convicção de que, nos plenários da Câmara e do Senado, essa tese não vai prosperar. Se isso acontecer, é uma espécie de certidão do descompromisso do Congresso Nacional com a sociedade brasileira.
ÉPOCA – Mas o projeto já foi aprovado em uma comissão especial.
Camanho – A votação na comissão especial não foi nem um pouco representativa. A proposta foi aprovada em um comissão formada por vários delegados de polícia e políticos que têm suas diferenças com o Ministério Público. Mesmo nesse ambiente propício, essa PEC demorou um tempo extraordinário para ser aprovada, sofreu vários revezes, está em questionamento por não observar formalidades regimentais, e só conseguiu passar com 15 ou 16 votos.
Eu tenho certeza de que a sociedade brasileira quer que o Estado se empenhe cada vez mais no combate à criminalidade e no aprimoramento do Estado como um todo. Como é possível que isso aconteça retirando o Ministério Público das investigações? Por isso acredito que a PEC não será aprovada. Mas se nós tivermos uma compreensão do Congresso de que essa PEC precisa ser aprovada, se isso se transformar em norma, haverá um caos na investigação, uma redução evidente da qualidade e da legalidade da produção probatória, além da perspectiva de que questionem todas aquelas investigações em que o Ministério Público atuou, junto com a polícia, com o melhor dos aproveitamentos. Evidente que essa perspectiva sombria não é desejada pela integralidade da sociedade brasileira e, penso eu, representantes do povo que são, os parlamentares não vão se levar pela ideia. Essa proposta é apenas uma aventura.
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