VEJA SP levou aeronave não tripulada para passear nas alturas pela avenida mais famosa da cidade
Reportagem de Angela Pinho, publicada em edição impressa de VEJA São Paulo
Cada vez mais baratos e fáceis de operar, os robozinhos voadores equipados com câmeras já são usados em vídeos profissionais,projetos de engenharia e, claro, para bisbilhotar o quintal alheio
Com ao menos 1,5 milhão de câmeras de vigilância espalhadas por São Paulo, circular anônimo pela multidão da metrópole há tempos é um privilégio em extinção. Na década passada, as imagens de satélite disponíveis no Google Earth revelaram as dimensões dos imóveis de qualquer bairro, com suas piscinas e jardins, e logo o Google Street View começou a flagrar nossas idas de moletom à padaria.
Eis que, quando a expressão “big brother” parecia surrada, um novo tipo de olhar eletrônico está se disseminando pela capital. São os drones, robozinhos voadores, quase sempre dotados de filmadoras, que conseguem chegar a palmos de distância das janelas mais altas da Avenida Paulista e, segundos depois, dar rasantes pela mesma via, mirando os joelhos dos pedestres.
Eles têm preços cada vez menores, são fáceis de operar e sobrevoam desde ruas movimentadas até recantos mais pacatos. Em breve poderão entrar em sua casa para vasculhar o seu quintal — ou será que isso já aconteceu?
O termo drone, ou “zangão” em inglês (ouça o zumbido chatinho da máquina e você vai entender), designa equipamentos aéreos comandados por um piloto a distância.
Os maiores, que pesam mais de 30 quilos e decolam carregados de armamentos, viraram objeto de uma grande polêmica ao ser usados em missões militares para atacar inimigos sem pôr em risco a vida dos soldados. Nos últimos tempos, foram levados com esse objetivo ao Afeganistão e ao Iêmen pelo governo americano.
Na versão civil, pesam por vezes menos de 1 quilo.
Em São Paulo, estão à venda tanto em redes como Ponto Frio e Walmart quanto em lojinhas da Rua Santa Ifigênia, no centro, com preços que vão de 380 reais a mais de 10.000 reais. Os modelos mais em conta são dotados de estrutura simples: em geral, uma bateria, um sensor no miolo e no mínimo quatro hélices nas pontas.
Essas engenhocas viraram presença comum nas mãos de amadores no Parque do Ibirapuera, tornaram-se trunfo de corretores de imóveis que os utilizam para exibir aos clientes a vista que teriam em determinado andar, sobrevoam cartões-postais como a Sala São Paulo para a realização de vídeos institucionais e fazem tomadas cinematográficas em casamentos (o do jogador Paulo Henrique Ganso, em maio, na cidade de Caraguatatuba, no Litoral Norte, contou com o efeito especial).
Na mídia, são o recurso da vez.
O Fantástico, da Rede Globo, lançou mão do aparelho para retratar o quintal da família Pesseghini, morta no início de agosto em chacina na Vila Brasilândia, na Zona Norte.
O jornal Folha de S.Paulo sobrevoou milhares de manifestantes em rotas como o Largo da Batata na cobertura dos protestos que tomaram a capital em junho.
No humorístico Pânico na Band, transformaram-se em ferramenta de piadas. No último dia 18, um deles “invadiu” a casa do apresentador Otavio Mesquita, no Morumbi. Para mostrar do que a parafernália é capaz, a produção do programa filmou uma modelo de seu elenco de lingerie pelas janelas de um apartamento. “Olhe o que pode acontecer com você que está em um momento íntimo”, avisou o apresentador Daniel Peixoto, que pilotou a brincadeira.
A traquinagem de maior repercussão, porém, foi levada ao ar no dia 11, mostrando o aviãozinho da trupe, dotado de câmera e alto-falante, sobre a zona rural de Itu, onde é gravado o reality show A Fazenda, da concorrente Rede Record.
Objetivo: fazer imagens e dedurar para a então confinada Scheila Carvalho que ela havia sido traída pelo marido, o que iniciou uma disputa entre as emissoras. Ao completar a espionagem, o equipamento caiu no local. Os apelos para sua devolução rendem até hoje mais assunto para o Pânico.
Reduzir a geringonça, no entanto, a mera bisbilhoteira ou produtora de cenas hollywoodianas seria subestimar uma revolução em curso. Fruto de uma tecnologia que se aperfeiçoou bastante nas últimas décadas, ela atua hoje a serviço de órgãos como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), do governo do Estado de São Paulo. Ali, a meta é a elaboração de mapas detalhados.
Os primeiros trabalhos estão sendo feitos desde julho em Embu-Guaçu e Itapevi, na região metropolitana. “Se derem certo, poderemos usar os drones para vistoriar rios sem ter de levar equipes completas em barcos”, exemplifica o engenheiro Caio Cavalhieri.
Na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), está em estudo sua implantação para monitorar reservatórios.
É só o começo. No exterior, os propósitos são mais criativos.
Os drones espantam gansos que emporcalham as praias de rio de Ottawa, no Canadá, e entregam roupas da lavanderia Manayunk Cleaners, na Filadélfia, nos Estados Unidos. Nesse último caso, trata-se de uma peça de marketing: apenas um cliente escolhido por sorteio a cada mês tem direito à mordomia, e a peça não pode ultrapassar 2,3 quilos.
No setor de segurança urbana, a tecnologia se tornou realidade em cidades como a inglesa Liverpool. No estado do Rio de Janeiro, um desses mini-helicópteros ajudou policiais a localizar, e depois prender, criminosos em um manguezal de Macaé. A caçada tecnológica ocorreu em 5 de agosto.
Em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública não estuda, por ora, alçar voo nesse sistema, mas a novidade já chama a atenção do segmento privado. “Estamos pensando em desenvolver algumas versões terrestres dos drones, em carrinhos, para condomínios fechados”, diz Rafael Durante, diretor técnico da empresa Haganá.
Com a demanda, profissionais especializados surgem na capital. Luís Neto Guimarães, de 24 anos, importou o primeiro exemplar em 2009. Estreou o negócio registrando um campeonato de skate para um fabricante de energéticos, mediante permuta (no caso, 24 latinhas do produto). Atualmente, seu principal filão é a publicidade, pois pode produzir tomadas antes inacessíveis para helicópteros, que nem sempre conseguem chegar perto do solo e cujo aluguel dificilmente fica abaixo de 1.000 reais por hora. Guimarães acumulou oito drones, ganhou um ajudante e está prestes a trocar o escritório de 16 metros quadrados por um cinco vezes maior.
Outro dos pioneiros na área foi o francês Eric Bergeri, que fundou a idrone.tv em 2010 na cidade. Hoje, administra uma frota com sete modelos. A principal demanda é audiovisual — a empresa já fez, por exemplo, gravações institucionais em lugares como a Estação Júlio Prestes e videoclipes como o da canção Reza, de Rita Lee. “Evitamos apenas filmar sobre aglomerações, por questão de segurança”, conta Regis Mendonça, diretor comercial da idrone.tv.
O fotógrafo Edmilson Mendonça, especializado em publicidade, é outro que vem ganhando dinheiro com a máquina. “Até 2009, usava um balão movido a gás hélio para conseguir cliques aéreos, mas o custo era maior”, explica. Ele mesmo monta seus drones, juntando com cola de alta fixação as peças vindas separadamente do exterior.
Na região da Rua Santa Ifigênia, o aparelho tem causado burburinho. No estande Pinguim (entrada pela Rua Vitória, 244), o modelo chinês V959 custa 380 reais, com câmera incluída. Há, nas proximidades, uma loja batizada de Drone Mania, de Marcos Rodrigues Júnior. Ele comercializa equipamentos da marca francesa Parrot, que estão entre os mais populares no mundo para uso pessoal e pesam menos de meio quilo.
Esses aparelhos são comandados pelo celular e saem por 1.800 reais em dezoito prestações. Em média, Rodrigues vende dez unidades e conserta trinta a cada mês. “A procura aumentou depois dos protestos de rua, quando ganharam notoriedade”, constata. O técnico de celular Kleiton Pena Pereira, de 29 anos, comprou o seu no início do ano. Já o manobrou no Pico do Jaraguá e no centro da cidade, por lazer. “O pessoal fica louco para saber o que é.”
Com tal facilidade de aquisição, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Aeronáutica trabalham em uma proposta de regulamentação que deverá ficar pronta neste ano. O objetivo é evitar que os zangões eletrônicos ponham aviões em risco – no Aeroporto JFK, em Nova York, o FBI abriu investigação em março depois que um piloto da Alitalia relatou a presença de um drone perto de sua rota.
A Anac terá de definir se os robôs que flutuam por aí serão considerados aeronaves ou brinquedos. Essa diferença é importante porque, para a Aeronáutica, aeromodelos recreativos não precisam de autorização, desde que fiquem longe do pouso e da decolagem das aeronaves.
A discussão sobre privacidade e propriedade privada, enquanto isso, está só no começo. “Especialmente quando os aparelhos são conjugados com tecnologias de reconhecimento facial, é muito fácil que sejam utilizados tanto para vigilância estatal quanto para interesses particulares, como por paparazzi ou bisbilhoteiros de forma geral”, afirma Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, que prevê muita confusão no horizonte com a tecnologia. A era dos drones, como se vê, está apenas começando.
ONDE A IDEIA DECOLOU
As áreas em que a engenhoca já foi adotada
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POR DENTRO DA MÁQUINA
Como é o modelo Phantom, um dos mais cobiçados, que custa na faixa de 3.000 reais, sem a câmera
V959
AR.DRONE 2.0
DJI S800
ELES ESTÃO EM TODAS
Exemplos de uso do aparelho pelo mundo
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