Desocupe-se
Ficar sobrecarregado e não ter tempo para nada virou obrigação, mas não deveria ser motivo de orgulho.
Um novo livro reúne dicas para fugir dessa armadilha e acabar com a cultura da pressa
NATÁLIA SPINACÉ
Estar ocupado virou moda. Repare. Quantas vezes, nos últimos dias, você ouviu alguém reclamar sobre como a vida anda corrida? Todos adoramos falar sobre isso. Exaltamos para amigos e conhecidos o número de reuniões que tivemos na semana, quanto estudamos ou trabalhamos. E como não sobrou tempo para encontrar os amigos, para ler ou dormir. Ter tempo para essas banalidades é coisa de desocupados e perdedores. Ninguém quer ser um deles. Ser ocupado traz prestígio social, e é em busca desse prestígio que muitos exageram. Pior: até quem não tem tarefas suficientes para se sobrecarregar acaba enrolando, só para se juntar ao time dos desesperados e reclamar nas redes sociais sobre a quantidade de trabalho.
Hoje em dia, ser (ou parecer) assoberbado é ter status – e essa pode ser uma moda perigosa. É essa a tese central do livro Overwhelmed (Sobrecarregado), recém-lançado nos Estados Unidos. A autora, a jornalista americana Brigid Schulte, escreve sobre a epidemia de ocupação em que vivemos e sobre como ela nos afeta. Ela também dá dicas para fugir da cultura da pressa e organizar melhor o cotidiano em vários aspectos da vida.
Nem sempre foi assim. Ter tempo livre de sobra já foi sinal de nobreza, e o trabalho era tido como uma tarefa inferior. Na Roma Antiga, o ócio era visto como uma condição fundamental para a erudição, e o trabalho era desprezado. Hans-Joachim Voth, um historiador da Universidade de Zurique, afirma que, no século XIX, poderia se dizer quão pobre era uma pessoa analisando o tanto de horas que trabalhava. Quanto mais horas gastas no trabalho, mais pobre. Uma cena da série Downton Abbey, que retrata a vida da aristocracia britânica no início do século XX, deixa isso claro. Confusa com as conversas de seus parentes sobre trabalho, uma velha condessa interrompe a discussão e pergunta a eles o significado da expressão “fim de semana”. Para quem preenchia todos os dias com lazer, era difícil entender esse conceito.
No século XX, muitos intelectuais alimentaram o sonho de que o luxo de uma vida de pouco trabalho seria possível para todos. Num ensaio escrito em 1930, o economista John Maynard Keynes fez previsões de que, em 2030, uma semana de trabalho teria 15 horas. Nada disso aconteceu. As incertezas econômicas e o apetite insaciável pelo consumo nos levaram a trabalhar cada vez mais, e esse comportamento nunca foi condenado. “O trabalho passou a ser visto como algo nobre, edificante”, diz Brigid. “Não importa se, para isso, você sacrifica seu tempo com a família ou sua saúde.”
Hoje, quem tem tempo livre é tido como inútil ou desinteressante. Seguindo a lógica calvinista, segundo a qual o trabalho dignifica o homem, quanto mais tempo passamos na labuta, mais admirados somos. Um estudo divulgado no mês passado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, constatou que, até a década de 1960, homens mais instruídos passavam menos horas por dia no trabalho que trabalhadores braçais. Hoje, quanto maior o nível de instrução, maior o tempo no trabalho. Muitos dos entrevistados afirmaram preferir o tempo no escritório aos momentos de lazer.
A tecnologia contribuiu para consagrar o trabalho. As empresas dão a seus funcionários computadores e smartphones – e esperam deles produtividade em tempo integral. “Nenhuma empresa mostra isso abertamente, mas existe uma pressão psicológica velada para que o funcionário esteja disponível o tempo todo”, afirma o consultor Christian Barbosa, autor de A tríade do tempo, um popular manual sobre produtividade. Esse perfil é chamado pelos especialistas de “trabalhador ideal”. Aquele que trabalha mais horas que as estipuladas vai ao escritório mesmo doente, está sempre disponível, não reclama de nada e coloca o trabalho sempre em primeiro lugar. “As empresas, hoje, sonham com esse tipo de funcionário”, diz Brigid. “Mas essa expectativa é desumana.”
Essa dedicação extrema ao trabalho, é claro, traz dividendos financeiros. Uma pesquisa feita por Peter Kuhn, da Universidade da Califórnia, e Fernando Lozano, do Pomona College, nos Estados Unidos, mostrou que, entre trabalhadores com alta qualificação, uma pessoa que trabalhava 55 horas por semana, na década de 1980, ganhava, em média, 11% mais do que uma que trabalhava 40 horas por semana na mesma atividade. Na virada do milênio, essa diferença aumentara para 25%. Mas a obsessão pelo trabalho traz também consequências negativas. Uma delas é a desvalorização do lazer. Pedir férias tornou-se constrangedor. Passar dias sem checar e-mails é considerado uma irresponsabilidade por muitas pessoas.
“O lazer passou a ser visto como algo errado e desnecessário”, afirma Karla Henderson, psicóloga que estuda os benefícios do lazer na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Pesquisas sobre o assunto mostram que a crença na desimportância do lazer não tem nenhuma fundamentação. Um estudo feito por cientistas do Centro de Estresse da Universidade Yale concluiu que pessoas submetidas a situações de estresse constantemente sofrem alterações cerebrais que comprometem funções como a memória e a capacidade de fazer planos, tomar decisões e aprender. Tirar férias, fazer pausas e evitar o acúmulo de tarefas está, portanto, longe de ser algo supérfluo.
Se os superocupados tivessem tempo para analisar seus hábitos, perceberiam que ser ocupado demais é improdutivo. Uma pesquisa feita pela Harvard Business School comparou o desempenho de dois grupos de trabalhadores de uma mesma empresa. O primeiro grupo era formado por funcionários que não tiravam férias e trabalhavam em torno de 50 horas por semana. O segundo grupo não tinha férias atrasadas e trabalhava em média 40 horas semanais. O resultado mostrou que o grupo que trabalhava menos horas era mais eficiente e produtivo que o primeiro. Numa pesquisa feita na Microsoft, o resultado mostrou que, numa semana de 45 horas de trabalho, a maioria dos funcionários só é produtiva durante 28 horas.
Alguns países e empresas resistem à cultura da ocupação. Na Dinamarca, o horário de trabalho tradicional é das 9 às 16 horas. Quem precisa de muitas horas extras não é visto como bom funcionário, mas como incompetente. Na França, um novo acordo trabalhista feito em abril proíbe trabalhadores de responder a e-mails após as 18 horas. A nova regra foi criada pelos sindicatos franceses, e as empresas não devem exercer nenhum tipo de pressão para que seus funcionários trabalhem após o horário estipulado pela legislação trabalhista francesa, que prevê jornadas semanais de 35 horas. A Menlo, uma empresa de software nos Estados Unidos, adotou um esquema rígido com seus funcionários. Lá, é proibido trabalhar após as 18 horas. Quem insiste se arrisca a ser mandado embora. As reuniões não devem durar mais de dez minutos. “As empresas não nos permitem ser humanos”, diz Rich Sheridan, um dos fundadores da Menlo. “Precisamos negar que temos filhos, que temos pais envelhecendo e que precisam de cuidados. Isso não faz sentido.” O resultado dessas iniciativas beneficia não só os funcionários, que ganham tempo para o lazer e a família sem sentimento de culpa, mas também as empresas, que garantem mão de obra motivada e mais produtiva. Numa pesquisa feita na Dinamarca pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 84% da população respondeu ter mais experiências positivas que negativas durante um dia de trabalho.
Mudar-se para a Dinamarca não é uma opção para todos. Mas reclamar menos, impor limites à própria rotina de trabalho e aproveitar melhor os momentos de lazer são metas que qualquer um pode atingir. Em seu livro, Brigid reúne dicas para quem quer fugir da cultura da pressa e aproveitar melhor o tempo livre no trabalho, no lazer e na família. Várias dessas dicas estão nos quadros que acompanham esta reportagem. Da próxima vez que sentir vontade de dizer quanto está cansado, estressado ou ocupado, pense bem. Será que isso é uma razão para se gabar? Quem deveria ter orgulho são os franceses ou os dinamarqueses, que conseguem sair do trabalho a tempo para relaxar e curtir a vida. Isso, sim, é ter status.
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