Entrevista com o denunciante do Petrolão
Leia a entrevista publicada em 03/02/2015 por Cristina Ferreira e Paulo Pena.
Hermes Freitas Magnus é a testemunha-chave do caso Lava Jato, que deu origem a várias investigações da justiça brasileira, levou para a prisão alguns responsáveis de grandes empresas e tem na mira mais de uma dezena de políticos. Contou ao PÚBLICO como tentaram fazer com que transportasse ilegalmente dinheiro de contas no banco Espirito Santo (BES).
Hermes Freitas Magnus é um “gaúcho”, descendente de alemães e portugueses. “Inventor”, como gosta de se definir, e empresário, envolveu-se num dos casos mais complexos da história política brasileira. Em 2008, depois de ter feito uma sociedade com um conhecido político do Paraná José Janene, resolveu denunciar à justiça um esquema de corrupção que, seis anos depois, se transformaria no maior escândalo político-empresarial do Brasil.
De passagem por Lisboa, onde fez uma curta escala a caminho do Brasil (onde se encontra para depor no processo judicial), contou ao PÚBLICO que há uma ligação entre os três casos que marcaram os últimos anos no Brasil – “mensalão, lava jato e petrolão”. E que há um elo português nesta história: “José Janene tinha dinheiro aqui, no BES.” Dinheiro que, alega, se destinava a ser “lavado” e regressar, depois, ao Brasil. No final de 2008, pouco antes de começar a denunciar o caso à Polícia Federal, Hermes Magnus foi contactado para servir de “mula”: “Queriam que eu levasse para o Brasil dinheiro de contas do BES, no Porto. As contas eram dele [Janene], para lavar dinheiro em Portugal, mas ouvi dizer que estavam associadas a sociedades off-shore .”
Magnus recusou, e o seu substituto nessa operação acabaria por ser preso, num aeroporto brasileiro, com mais de 600 mil euros escondidos na roupa interior. Todos estes factos, incluindo a utilização do banco português, foram transmitidos por Magnus às autoridades brasileiras.
O empresário teve de “fugir do Brasil”, onde foi ameaçado, vítima de perseguição, chegaram a incendiar sua casa. Só seis anos depois de ter denunciado o caso, viu, “pela televisão”, que os homens que referira à justiça estavam a ser presos. Entre eles está o “doleiro” (cambista ilegal) Alberto Youssef, parceiro de José Janene, e principal elo de ligação entre os vários casos de corrupção entre dirigentes políticos, grandes empresas e sociedades de fachada. Uma destas propôs sociedade à empresa de Magnus, a Dunel, e foi assim que tudo começou. Hermes Magnus, assumiu-se como vítima do processo Lava-Jato e pediu ao juiz federal, o brasileiro Sérgio Moro, que proteja os seus interesses. O PÚBLICO teve acesso em primeira-mão à denúncia entregue a justiça no passado dia 30 de Janeiro e onde o empresário relata o seu papel como denunciante e os prejuízos que alega ter sofrido de reputação, morais e financeiros.
As suas denuncias demoraram seis anos a produzir efeitos. Sabe porquê?
A ficha caiu, como se diz, este ano. No início de 2014, estava eu vendo TV, passa Alberto Youssef algemado [o “doleiro”, cambista ilegal, envolvido no “mensalão” e na operação Lava Jato, é um dos principais “arrependidos” do processo]. Eu conheço esse aí! Comemos churrasco juntos. Nessa mesma hora mandei um e-mail para o juiz que investiga o caso. E ele me respondeu: ‘As informações que nos enviou foram fundamentais para esse processo.’ Foram as minhas informações que deram origem à Lava Jato.
Mas as suas primeiras denúncias foram feitas em 2008. Na altura ninguém percebeu o que estava a denunciar?
Diziam: “Mais um caso…” Diziam que era uma briga comercial minha com o José Janene [político brasileiro, líder do Partido Progressista na câmara dos deputados em Brasília, e dirigente do Estado do Paraná, acusado no caso “mensalão”]. Com todas as provas que juntei, como vi que não adiantava de nada, fugi do Brasil, no final de 2008. Fui para a Suécia. E em Abril de 2009 fui para os Estados Unidos. Onde fui perseguido também. Não aguentei a pressão no Brasil. Puseram fogo em minha casa, assaltaram o meu carro, esvaziaram minhas contas no banco. Em Fevereiro comecei a dar depoimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal. Mas fiquei brigando sozinho. Foi uma sensação horrível. Fui recomeçar a minha vida numa garagem nos EUA. Fui começar do zero. Produzir equipamentos de teste para certificação eléctrica.
Mas antes disso contactou o juiz Sérgio Fernando Moro, que conduziu as investigações na operação Lava Jato?
A conselho de um delegado que eu conhecia, que estava prestes a entrar na reforma, juntei todas as provas e entreguei para o juiz Sérgio Moro. Foi no início de 2009. Ele me deu o e-mail do juiz e eu enviei. O juiz me respondeu, agradecendo. Eu já vinha falando com a Polícia Federal desde 2008, mas o caso não andava… José Janene era “dono” daquela parte do Estado do Paraná.
E quando se apercebeu de que estava a ser envolvido num esquema de corrupção?
Foi logo na segunda semana. Andava à procura de um investidor. E eles apareceram, dizendo: vamos investir na sua empresa e pode ser via bancos do Governo ou com dinheiro nosso, de empresas de construção, o que dispensa burocracias. Como eu e a minha sócia éramos inexperientes, não levámos o projecto a um advogado. Até porque eles nos disseram: é pegar ou largar. E aceitámos. A partir de certa altura, eles começaram a colocar gente da família deles na empresa e começaram a fazer compras estranhas. Por exemplo: precisávamos de um quilo de alumínio e eles compravam cem quilos. E depois transferiam para as empresas deles ou vendiam. O Alberto Youssef sempre esteve ligado ao Governo. Ele levava negócios ao Governo para que este desse garantia de que os aceitava. Havia uma extorsão de dinheiro ao Governo. Eles investiam um milhão e ficavam com 50% da minha empresa.
A ligação com o “doleiro” – que dá origem aos escândalos Lava Jato e “petrolão” – era uma empresa fictícia, chamada CSA Project Finance, que servia para “lavar” dinheiro?
Essa empresa é que fez sociedade com a minha. E foi essa informação que passei para a justiça. Mas a teia era tão grande, que havia um funcionário da Camargo Correa [construtora envolvida no caso “petrolão”] colocado como consultor na minha empresa. E já estavam criando uma off-shore nas Bahamas para a minha empresa…
E qual era o objectivo de usar a sua empresa?
A minha empresa estava licenciada para vender produtos ao Governo. Eles precisavam de empresas que pudessem fazer negócios com o Governo, para poderem faturar. Ou melhor, superfaturar. Eu tinha lançado instrumentos para a área petrolífera. Faziam contratos absurdos, proibitivos.
Porque, depois do “mensalão”, tiveram de mudar a forma de extorquir dinheiro?
Sim. Passaram a pedir comissão por cada compra no sector energético, ou obras.
Três por cento, segundo a justiça, não é?
Nalguns casos muito mais… As termoeléctricas, por exemplo. Financiavam a concessão de uma termoeléctrica só como fachada, nem precisava de produzir energia.
Como era Janene?
Era um sedutor, um político que fazia churrascadas todos os fins-de-semana.
O que o levou a denunciá-lo?
Sou um empresário que tinha um projeto de vida e um projeto de vanguarda. E sempre combati a corrupção. É da minha natureza. Atuei como ativista e cidadão.
Está arrependido?
Não. Mas o fato importante é que o processo demorou. E quando rebenta a operação Lava Jato eu já tinha recomeçado a minha vida profissional do zero e tinha clientes. E estes ficaram com medo, pois o meu nome começou a aparecer como denunciante. E voltou a cair a ficha, com reflexos na minha vida.
Além do processo principal, existe também um processo seu, em que procura ser indemnizado pelos danos que a situação causou à sua empresa?
A justiça brasileira, em situação criminal, funciona no sentido em que as vitimas possam assumir o papel de assistentes de acusação. Então, eu apresentei um relatório de síntese de fatos que o Ministério Público não explicitou, como seja o montante de danos e qual o impacto financeiro, reputacional e moral. O que deixei de receber por conta de ter sido forçado em 2008 a interromper a atividade da empresa.
Neste turbilhão de “incidentes” em que momento tropeçou no BES?
Janene tinha dinheiro no BES. E a última “mula” dele foi Enivaldo Quadrado. Como é que eu sei disso? Era para ser eu. Em Outubro de 2008 quiseram fazer de mim “mula” da Europa para o Brasil. Eu tinha que vir à Suécia e a Inglaterra falar com clientes. O Alberto Youssef, providenciou a passagem aérea através da agência de viagens dele e o José Janene providenciou o dinheiro. Então, entregaram-me um telefone de uma companhia a que estavam ligados, a Vox Telecom, para que, ao chegar à Europa, os contactasse, pois precisavam de um favor de Portugal. Andava já desconfiado e percebi que alguma coisa estava errada. Mal aterrei em Inglaterra desliguei o telefone e fiquei incontactável. Volto para o Brasil e ninguém me perguntou nada.
O que pretendiam?
Queriam que eu levasse para o Brasil dinheiro de contas do BES, no Porto. As contas eram dele [Janene], para lavar dinheiro em Portugal, mas ouvi dizer que estavam associadas a sociedades off-shore. Como não lhes levei a encomenda, eles pediram ao Enivaldo Quadrado [empresário brasileiro, condenado a três anos de prisão no caso “mensalão” e de novo detido, em 2014, no caso Lava Jato]. Ele acabou detido no Aeroporto de Cumbica, a 8 de Dezembro de 2008, com dinheiro não declarado escondido debaixo das roupas.
Informou a justiça brasileira do recurso a contas no BES para lavar dinheiro?
Sim. Dei conta da informação a um agente da polícia federal. Eles usavam também um banco libanês com sede em França, o Banque de La Mediterranée France.
Naquela altura havia grande aproximação entre governos de Portugal e do Brasil….
Sim estava a correr o negócio entre a Oi e a PT. Ouvi o grupo do Janene dizer que a operação Oi/PT e Vivo/Telefonica tinha movimentado dinheiro…
Do conhecimento que tem, em que medida é que o caso BES-GES pode estar interligado com o grupo ligado ao “mensalão-petrolão”?
Como já disse tentaram usar-me, em 2008, para trazer dinheiro da Europa. Depois descobri que seria do Porto. Também descobri que o grupo operava com o BES e com um banco árabe, o Mediterranée. Estes bancos eram as fontes de recurso do Janene. O cruzamento de nomes de pessoas ligadas ao BES com passaporte brasileiro e os envolvidos no “petrolão” e “mensalão” pode dar pistas. Tenho certeza que encontrarão um elo.
Foi depois destes incidentes que decidiu denunciar?
Depois de perceber que a turma do José Janene estava a usar a minha empresa para lavar dinheiro, disse-lhes: ‘Não aceito, pois estão a mexer com dinheiro sujo ligado ao Governo’. E fui denunciar. Em 2010 o Janene morre. E em 2011 houve o julgamento do “mensalão”. Eu sabia que a operação era transpartidária, não era só o PT. O esquema já estava montado. Janene falava com muita convicção sobre tudo. Ele montava os “currais eleitorais” e vendia. Quando José Dirceu [chefe da Casa Civil do Presidente Lula da Silva] chegou ao poder, percebeu que Janene tinha o maior número de redutos. E Alberto Youssef pagava tudo aquilo que Janene pedia, mas não tinha muita importância política. Depois de 2010, Youssef tomou o lugar de Janene.
E o senhor regressou ao Brasil?
Sim. Entre 2012 e 2013 estive no Brasil. E em 2014 estoura a Lava Jato. E os meus clientes se assustaram. Quando eu vi essas pessoas sendo presas, comuniquei com o juiz. Poucas horas depois estou a ser entrevistado pelos repórteres. Foi quando li todo o processo. E aí tive de sair de novo. Agora estou voltando para depor.
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