☼ No quarto 1106, com José Alencar ☼

O ex-vice-presidente recebe ÉPOCA para uma entrevista exclusiva no hospital. E diz que pensou em desistir do tratamento.
CRISTIANE SEGATTO


CONECTADO
Alencar lê no iPad um e-mail de uma pessoa que diz ter a cura para sua doença: "uma poção de graviola"
CRISTIANE SEGATTO Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo.com.br
Nas últimas semanas, a saúde do ex-vice-presidente José Alencar passou por altos e baixos. Ele sofreu sucessivos sangramentos digestivos, enfrentou arriscadas cirurgias, entrou e saiu da UTI várias vezes.

Nesta quinta-feira (13), ele estava num de seus bons momentos. Foi quando me recebeu para uma entrevista exclusiva no quarto 1106 do Hospital Sírio-Libanês. Apesar da hemodiálise e da transfusão de sangue realizadas no dia anterior, ele estava relativamente bem-disposto. Aparentava cansaço, mas conversou generosamente. Foram duas conversas - antes e depois do almoço.

Alencar comeu arroz, cará e frango a passarinho, trazidos de casa por Dona Mariza. Nossa primeira conversa durou 15 minutos. A segunda, mais 25. Quando entrei no quarto pela primeira vez, ele pediu desculpas por não conseguir se levantar da cadeira para me cumprimentar. Nos momentos em que não tem visitas para receber, Alencar procura se manter bem informado. Lê as notícias no IPad do secretário particular Adriano Silva. Nas fotos desta página, Alencar aparece lendo um dos muitos emails que pessoas do Brasil todo encaminham à família.

Desta vez, alguém dizia ter a cura do sarcoma contra o qual Alencar luta, com todas as armas, desde 2006. A mágica sugerida era uma tal poção de graviola. Alencar correu os olhos pela mensagem, mas não se impressionou. Em tantos anos de batalha pública contra o câncer, acostumou-se a ler de tudo.

ÉPOCA – Hoje o sr. parece estar melhor do que ontem. Em algum momento, sentiu que estava próximo do fim?
Alencar – Tive uma crise muito séria em setembro. Foi um edema pulmonar agudo. Tive um problema de retenção de líquido na pleura que acabou se transformando num edema pulmonar agudo. Digo pra você que aquilo me deixou ultrapreocupado. Não queira nunca que isso aconteça com uma pessoa de quem você gosta. O sofrimento é enorme.

ÉPOCA – Como é?
Alencar – É a sensação de estar indo mesmo. Sem saída. Fica como se estivesse afogando. É a sensação de que não existe mais nada. De que acabou. Se deitar piora. Não sabia que tinha que ficar de pé.

(Entra o cardiologista Roberto Kalil Filho)

Alencar – Ô, Kalil. Aquele edema pulmonar é uma coisa perigosa também, né? E eu passei por aquilo.
Kalil – Você escapa de tudo. A sensação provocada pelo edema pulmonar é a mesma de colocar a cabeça numa piscina e ficar lá. É afogamento. Não entra ar no pulmão.
Alencar – Foi uma crise terrível.
ÉPOCA – O sr. queria tanto ir à posse da presidenta Dilma e não pôde...
Alencar – Nunca pude estar em nenhuma ocasião em que se comemorava uma vitória nessa campanha. Há muitas vitórias numa campanha. Quantos encontros houve à noite no Palácio para comemorar? Para conversar, trocar ideia, bater um papo a respeito do que aconteceu? Nunca pude comparecer.

No final da campanha, há determinados momentos que representam vitórias parciais. Eu não pude participar de nenhuma dessas reuniões e curtir uma vitória dessas.

ÉPOCA – O que é uma vitória parcial? É a divulgação do resultado de uma pesquisa favorável?
Alencar – A eleição é no dia 3 de outubro, mas se antes disso algum prócer político nos apoiou em determinado Estado aquilo é motivo de trocar ideias, curtir, aproveitar aquela informação para dar continuidade ao trabalho.

ÉPOCA – A doença sempre o impediu de participar?
Alencar – Por força disso e de outras circunstâncias não pude participar. Queria muito estar na posse da Dilma. O presidente Lula fazia questão absoluta que eu estivesse presente. Ele fazia questão absoluta que nós descêssemos juntos a rampa.

(A entrevista é interrompida para Alencar receber o filho Josué e outros parentes que vieram visitá-lo. Dona Mariza sai da sala ao lado e dá um recado a ele)
Dona Mariza – Estou entregando ao Adriano (secretário particular de Alencar) uma porção de correspondências como entreguei outro dia. Mas essas duas eu faço questão que você leia primeiro.
Alencar – Por quê, hein, bem?
Dona Mariza – Por que são muito bonitas. A pessoa falando sobre a força que ela adquiriu para lutar contra a doença. Falando sobre as dificuldades que ela enfrenta assim como você.
Alencar – Leia um pedacinho, leia um pedacinho.
Dona Mariza – Mas a carta é enorme. Eu teria que achar aqui o lugarzinho. A gente fica impressionada de ver como a sua imagem está dando força a tanta gente mesmo a pessoa sabendo que está em estado terminal. E ainda assim a pessoa reza para que você fique bom.
(As visitas entram. Dona Mariza relembra Alencar):

Dona Mariza – Eu tenho que te dar almoço antes de você voltar a falar com a Cristiane, hein?

(Depois da visita e do almoço de Alencar, volto ao quarto 1106) 
ÉPOCA – O sr. estava falando sobre a posse da presidenta Dilma. Como se sentiu por não estar lá?
Alencar – Queria muito estar lá. Era um momento em que estávamos chegando ao objetivo daquela campanha histórica e maravilhosa. Tanto a Dilma quanto o presidente Lula faziam absoluta questão que eu estivesse presente. Assim que terminou a cerimônia em Brasília, o Lula viajou e veio aqui me visitar. Foi a primeira coisa que ele fez. Tenho que dar graças a Deus pela consideração que eles têm por mim. Fico muito honrado com isso.

ÉPOCA – Como os médicos convenceram o sr. de que não dava para ir?
Alencar – Eles disseram que não podiam concordar com uma aventura. Tinha o problema da altitude e várias outras coisas. Quem realmente me convenceu a não ir foi a Mariza. Ela discordou. Ela encrencou. Ameaçou o casamento de 53 anos (abre um largo sorriso). Eu dizia que não teria nenhum problema, mas, de fato, tinha. Estava numa situação muito mais difícil do que a de hoje. Se hoje ainda não é aconselhável, imagine naquele dia.

ÉPOCA – O sr. pretendia descer a rampa numa cadeira de rodas?
Alencar – Sim. Não podia andar. Mas isso não seria problema. Era apenas a simbologia de ter subido e descido. De qualquer maneira eu participei. Concedi uma entrevista coletiva que foi levada ao ar no momento em que era transmitida a posse.

ÉPOCA – O sr. pensou em parar com isso tudo? Pensou em dizer: "não quero mais quimioterapia, não quero mais hemodiálise, não quero mais transfusão; chega de tanta coisa agressiva"?
Alencar – Às vezes isso vem à cabeça sim. Mas a gente tem que ter fé em Deus porque você não pode fazer isso. Está errado. Tem que fazer a sua parte. O dia que você vai morrer quem sabe é Deus não é você. Isso não significa que você não tenha que lutar pela vida.

Por outro lado, peço a Deus que não me dê nem um dia a mais de vida do qual eu não possa me orgulhar. E peço também que me dê humildade para que tudo isso que está acontecendo não me suba à cabeça. Todo mundo faz manifestações de apreço, orações, uma coisa maravilhosa. Tenho que enxergar isso com muita humildade. Não posso achar que sou o tal. Não sabemos nada. Absolutamente nada.

ÉPOCA – Decidir qual é a hora de parar com todos esses tratamentos é uma questão muito pessoal. Cada paciente enxerga isso de uma forma. Qual é a visão do sr.?
Alencar – Cada um reage de uma maneira. Isso é natural. Mas acho bom que a pessoa tenha fé e resignação para compreender que nós não somos donos da nossa vontade.

(A enfermeira entra)
Enfermeira – Quer que eu volte depois?
Alencar – Não. Vai fazer o quê?

Enfermeira – Vou colher o sangue.
Alencar – Tudo bem. A repórter está aqui colhendo informações e você colhe o sangue.
ÉPOCA – Nós duas estamos colhendo informações. Só que de tipos diferentes.
 (A enfermeira introduz a seringa no port-a-cath instalado no lado direito do peito de Alencar. O port-a-cath é um cateter implantável para evitar que o paciente leve uma picada a cada nova coleta)

Alencar – Como estava dizendo, só Deus é que sabe o dia de amanhã. Podemos estar pensando que estamos nas últimas, desenganados, mas isso pode não significar nada.

ÉPOCA – Por que não?
Alencar – De repente, um cara que está são vai embora. Lá em Minas houve o caso de uma família de Carangola, amiga minha. Dois irmãos muito ricos. Um deles estava muito doente. O outro, que era são e dez anos mais novo, foi encontrado morto na cabine de um navio. Como posso decidir deixar o câncer como está e não fazer mais nada?

ÉPOCA – Algumas pessoas decidem fazer isso.
Alencar – Decidem, mas não está certo.

ÉPOCA – O sr. ainda pede para voltar para casa?
Alencar – Já pedi muito aos médicos para voltar para casa. Agora não peço mais. Todas as outras vezes tive que voltar para o hospital dois dias depois de chegar em casa. Agora devo esperar a decisão deles. Eles é que sabem. Mais uma semana ou menos ou mais não muda nada. Quem dera todas as minhas dificuldades fossem essas.

ÉPOCA – Quais são elas?
Alencar – A grande dificuldade é o câncer. A malignidade desse câncer. Nós também temos esperança. As pesquisas estão avançando. Pode acontecer que em determinado momento surja algo capaz de debelar esse mal.

ÉPOCA – O sr. acha que será beneficiado por uma dessas descobertas?
Alencar – Sim. Só Deus é que sabe. Por isso é que Jesus Cristo quando nos ensinou o Pai Nosso, disse "seja feita a vossa vontade assim na Terra como no Céu". Que seja feita a vontade de Deus em qualquer circunstância, em qualquer tempo, em qualquer lugar, em qualquer pessoa. Jesus Cristo falou. Não tem que discutir. Aqui ou alhures, seja feita a vontade dele. Tem que ter fé.

Tem que acreditar. Não adianta.Uma das formas mais didáticas de fé é dizer que a vontade será a vontade de Deus. Portanto, não nos cabe ficar fazendo julgamentos sobre se está tudo bem ou se não está. Não sabemos. Pode ser que tudo isso que esteja acontecendo seja uma dádiva divina. Talvez isso seja uma oportunidade para que a gente amadureça, reflita e diga: "Meu Deus, eu devo ter cometido muitos pecados".

ÉPOCA – Quais foram os seus pecados?
Alencar – Devo ter cometido muitos pecados. Isso pode ser uma provação.

ÉPOCA – Se o sr. pudesse voltar no tempo, faria alguma coisa diferente?
Alencar – Dentro das circunstâncias em que vivi, penso que não posso me arrepender muito das coisas. Acho que conduzi minha vida bem. Claro que poderia conduzi-la melhor. Mas dentro do possível acho que a conduzi bem.

ÉPOCA – O que poderia ter sido melhor?
Alencar – Na vida, tudo pode ser aperfeiçoado. Eu poderia ter estudado. Ainda que fosse um sacrifício maior, eu poderia ter ido à escola à noite. Mas sempre tive a preocupação de fazer o trabalho bem feito. Em Muriaé, não havia nada além do ginásio. Quando me mudei para Caratinga, havia ginásio à noite.

Eu poderia ter dado prosseguimento aos meus estudos. Poderia ter concluído o ginásio em Caratinga. E depois fazer o científico e o vestibular. Mas acabei me dedicando à empresa. Mas devo dizer para você que nunca parei de estudar. Eu sempre estudei. Como autodidata, eu sempre estudei. Vou continuar fazendo isso por toda a minha vida. Porém, isso não substitui, de forma alguma, a base que uma formação escolar teria me dado.

ÉPOCA – O que o sr. faria exatamente igual se tivesse que recomeçar a vida hoje?
Alencar – A gente nunca faz esse tipo de reflexão. Deveria parar para pensar nisso. Aí não sabe responder de pronto. Fiz tudo para cumprir com meu dever em relação aos meus pais e meus irmãos. E alguns outros amigos e parentes que precisaram de mim. É uma coisa que me agrada ter feito.

ÉPOCA – O que o sr. sente quando recebe essas cartas de apoio do Brasil todo?
Alencar – Fico lisonjeado, mas ao mesmo tempo peço a Deus humildade para que eu não acredite naquilo. Acredito que as pessoas estão dizendo a verdade. Mas não acredito que eu mereça isso tudo.

ÉPOCA – No carinho das pessoas o sr. acredita?
Alencar – Ah, nisso eu acredito.

(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)

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