A universidade muda a vida daqueles que por ela passam. Alguns ganhos são tão valiosos quanto intangíveis, como fazer amigos para sempre ou formar uma visão de mundo. Outros ganhos são objetivos: segundo o IBGE, um trabalhador com diploma de nível superior ganha em média 219% mais que seus pares. A contrapartida por essa transformação raramente vai além da gratidão pessoal e da nostalgia, cultivada em festas de aniversário de formatura. Há dois anos, um grupo de ex-alunos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo começou a transformar a gratidão em retribuição. Eles criaram o grupo Amigos da Poli, o primeiro fundo patrimonial brasileiro formado por ex-alunos e dedicado a apoiar projetos de professores, alunos e funcionários de uma escola. Os resultados começam a aparecer. O fundo liberou recentemente a primeira parcela de um incentivo de R$ 200 mil para projetos acadêmicos.
Os Amigos da Poli tentam implantar no país a cultura de retribuição à instituição de ensino, em geral ignorada no Brasil, mas questão de honra em alguns países. Há mais de um século, ex-alunos da Europa e dos Estados Unidos doam dinheiro para fundos universitários sem fins lucrativos. Esses fundos investem o dinheiro dos doadores em aplicações diversas. Projetos da escola, sem fins lucrativos, são financiados com os rendimentos das aplicações desses fundos. A Universidade Harvard tem o maior fundo de incentivo universitário dos Estados Unidos, com patrimônio de US$ 32,7 bilhões. A Universidade Yale vem em segundo, com US$ 20 bilhões. O anúncio do balanço financeiro anual desses fundos é acompanhado com a expectativa de uma final do torneio de basquete universitário. A riqueza do fundo é indicador de prestígio da universidade. O patrimônio reflete o sucesso de seus ex-alunos e assegura que os próximos terão ótimas condições de ensino. Além de doar dinheiro, os ex-alunos compõem uma rede de contatos que facilita o sucesso profissional dos egressos das universidades. Não por acaso, Yale e Harvard competem pela supremacia em outras frentes. Presidente dos Estados Unidos desde 2009,Barack Obama saiu de Harvard. Bill Clinton (presidente de 1993 a 2001) e sua mulher, Hillary, se conheceram em Yale. George W. Bush (presidente de 2001 a 2009) estudou nas duas.
Fundada em 1893, a Poli-USP também produziu seu quinhão de líderes. Lá estudaram governadores, como Mário Covas, José Serra e Paulo Maluf. Banqueiros, como Henrique Meirelles. E executivos, como Laércio Cosentino (Totvs), Rubens Ometto (Cosan) e Roberto Setubal (Itaú). “Nomes como esses eram lendas dentro da faculdade, mas poucos participavam do seu dia a dia”, diz o ex-aluno Marcos Matsutani, formado há dois anos. Matsutani e seis colegas, todos com menos de 30 anos, decidiram pedir ajuda aos lendários – e bem-sucedidos – egressos da Poli. Montaram um modelo de negócio e bateram de porta em porta, em busca de dinheiro e credibilidade. “Pedro Moreira Salles, então presidente do Unibanco, que nem é politécnico, nos apresentou a Jayme Garfinkel, da Porto Seguro”, diz. “Garfinkel adorou a ideia. Além de dar dinheiro, escreveu uma carta de recomendações.” Em dois anos, sem publicidade, os sete estudantes conseguiram R$ 5,5 milhões. Agora, com o fundo atuando, contam com a generosidade de pequenos doadores para chegar a R$ 20 milhões.
Parte do sucesso dos Amigos da Poli na captação de recursos se explica pela transparência. “Ao doar diretamente para a escola, não sei onde o dinheiro vai parar. Ela poderia gastar na reforma dos banheiros, algo claramente importante, mas que não interessa”, diz Pedro Wongtchowski, ex-presidente do grupo Ultra e presidente do conselho deliberativo dos Amigos da Poli. “Está definido no estatuto qual aplicação pode e qual não pode. Queremos dar dinheiro para projetos que melhorem a qualidade do ensino.” A gestão financeira e a escolha dos projetos são feitas por comitês e explicadas em relatórios. Além de regras, existe a credibilidade dos nomes. O comitê de investimentos reúne Cássio Casseb (ex-presidente do Banco do Brasil), Everaldo França (fundador da PPS Portfolio) e Luis Stuhlberger (gestor do banco Credit Suisse Hedging Griffo). Todos ex-politécnicos.
O comitê decidiu distribuir R$ 200 mil entre oito projetos, de um total de 31 candidatos. É pouquíssimo dinheiro, se comparado ao orçamento anual da Politécnica, de R$ 100 milhões. Mas pode fazer diferença. “Nossa expectativa é receber um dinheiro fácil de usar”, diz Antonio Mariani, professor responsável pela equipe de aeromodelismo Keep Flying, contemplada com R$ 30 mil. “Não posso pedir à universidade um computador avançado, porque, pela licitação, sempre há um similar mais barato, mesmo que inferior.” Os recursos do fundo ajudarão também a contornar a lentidão na liberação de recursos públicos. “O dinheiro pedido em janeiro começa a ser autorizado em junho”, diz o estudante Victor Rosa. “Agora, começaremos o projeto de 2014 com recursos desde o início.”
Fundos de incentivo a pesquisas podem diminuir a desistência de alunos do ensino superior. Dos cerca de 350 mil estudantes que ingressam por ano nas faculdades de engenharia do país, apenas 70 mil se formam. A maioria desiste. “Você sempre gostou de mexer em tudo e ver como funciona, então resolve fazer engenharia”, diz Arthur Lazzarini, integrante da equipe Keep Flying. “Daí entra na faculdade e, por dois anos, só vê cálculo, cálculo e cálculo. Isso desestimula.” Matsutani sabe o que é isso. Filho de engenheiro, estudou engenharia mecânica e tornou-se... analista financeiro. “O único motor que vi funcionando na Poli foi de um Opala velho, dentro de uma sala”, diz. Como ex-aluno, ele está agora tentando mudar sua escola.
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