Jornalista diz ter ficado na mesma cela de Dilma Rousseff na “ditadura” e afirma: EU MENTI 23 de setembro de 2015
Ao confessar ter mentido sobre torturas que eu inventei eu não quero fazer de conta que ninguém foi torturado no Brasil.
Ao contrário.
Mentir, neste caso, é escarnecer de quem padeceu e experimentou na própria carne o horror do suplício.
E foram muitos.
Mas não foram tantos e nem foram todos.
Mirían Machedo / Deborah Albuquerque Deborah Albuquerque – Gazeta
Eu, de minha parte, vou dar uma contribuição à Comissão da Verdade, e contar tudo: eu era uma subversivazinha medíocre e, tão logo fui aliciada, já caí (jargão entre militantes para quem foi preso), com as mãos cheias de material comprometedor.
Despreparada e festiva, eu não tivera nem o cuidado de esconder os exemplares d’A Classe Operária, o jornal da organização clandestina a que eu pertencia (PC do B/AP-ML/, linha maoísta, a mesma que fazia a Guerrilha do Araguaia, no Pará).
Não houve filiação formal, mas eu estava dentro, era assim que eu sentia.
Os jornais estavam enfiados no meio dos meus livros numa estante, daquelas improvisadas, de tijolos e tábuas, que existiam em todas as repúblicas de estudantes, em Brasília naquele ano de 1973.
Já relatei o que eu fazia como militante. Quase nada.
A minha verdadeira ação revolucionária foi outra, esta sim, competente, profícua, sistemática: MENTI DESCARADAMENTE DURANTE QUASE 40 ANOS!*.
O primeiro texto fala em 30 anos. Eu fui fazer as contas, são quase 40 anos, desde que comecei a mentir sobre os ‘maus tratos’. Façam as contas, fui presa em 20 de junho de 73. Em 2013, terão se passado 40 anos.)
Eu também menti dizendo que meus algozes, diversas vezes, se divertiam jogando-me escada abaixo, e, quando eu achava que ia rolar pelos degraus, alguém me amparava (inventei um ‘trauma de escadas”, imagina).
A verdade: certa vez, ao descer as escadas até a garagem no subsolo do Ministério do Exército, na Esplanada dos Ministérios, onde éramos interrogados, alguém me desequilibrou e outro me segurou, antes que eu caísse.
Quanto aos ‘socos e empurrões‘ de que eu dizia ter sido alvo durante os dias de prisão, não houve violência que chegasse a machucar; nada mais que um gesto irritado de qualquer dos inquisidores; afinal, eu os levava à loucura, com meu enrolation.
Eu sou rápida no raciocínio, sei manipular as palavras, domino a arte de florear o discurso.
Um deles repetia sempre: “Você é muito inteligente. Já contou o pré-primário.
Agora, senta e escreve o resto”.
Quem, durante todos estes anos, tenha me ouvido relatar aqueles 10 dias em que estive presa, tinha o dever de carimbar a minha testa com a marca de “vítima da repressão”.
A impressão, pelo relato, é de que aquilo deve ter sido um calvário tão doloroso que valeria uma nota pretahoje, os beneficiados com as indenizações da Comissão da Anistia sabem do que eu estou falando.
Havia, sim, ameaças, gritos, interrogatórios intermináveis e, principalmente, muito medo (meu, claro).
Torturada?! Eu?! Ma va! As palmadas que dei em meus filhos podem ser consideradas ‘tortura inumana’ se comparadas ao que (não) sofri nas mãos dos agentes do DOI-CODI.
Que teve gente que padeceu, é claro que teve. Mas alguém acha que todos nós – a raia miúda – que saíamos da cadeia contando que tínhamos sido ‘barbaramente torturados’ falávamos a verdade?
Não, não é verdade. A maioria destas ‘barbaridades e torturas’ era pura mentira! Por Deus, nós sabemos disto! Ninguém apresentava a marca de um beliscão no corpo.
Éramos ‘barbaramente torturados’ e ninguém tinha uma única mancha roxa para mostrar! Sei, técnica de torturadores. Não, técnica de ‘torturado’, ou seja, mentira. Mário Lago, comunista até a morte, ensinava: “quando sair da cadeia, diga que foi torturado. Sempre.”
A frase de Mário Lago é citada pelo coronel Brilhante Ustra, em entrevista à Rede Genesis (NET/Canal 26, em 2008)**, e num artigo do ex-ministro, governador e senador Jarbas Passarinho, publicado no Correio Braziliense, em 2006. ***
Na verdade, a pior coisa que podia nos acontecer naqueles “anos de chumbo” era não ser preso(sic).
Como assim todo mundo ia preso e nós não? Ser preso dava currículo, demonstrava que éramos da pesada, revolucionários perigosos, ameaça ao regime, comunistas de verdade!Sair dizendo que tínhamos apanhado, então! Mártires, heróis, cabras bons.
Vaidade e mau-caratismo puros, só isto. Nós saíamos com a aura de hérois e a ditadura com a marca da violência e arbítrio.
Era mentira? Era, mas, para um revolucionário comunista, a verdade é um conceito burguês, Lênin já tinha nos ensinado o que fazer.
E o que era melhor: dizer que tínhamos sido torturados escondia as patifarias e ‘amarelões’ que nos acometiam quando ficávamos cara a cara com os “ômi”.
Com esta raia miúda que nós éramos, não precisava bater. Era só ameaçar, a gente abria o bico rapidinho.
Quando um dia, durante um interrogatório, perguntaram-me se eu queria conhecer a ‘marieta’, pensei que fosse uma torturadora braba.
Mas era choque elétrico (parece que ‘marieta’ era uma corruptela de ‘maritaca’, nome que se dava à maquininha usada para dar choque elétrico). Eu não a quis conhecer.
Abri o bico, de novo.
Relembrar estes fatos está sendo frutífero. Criei coragem e comecei a ler um livro que tenho desde 2009 (é mais um que eu ainda não tinha lido):
“A Verdade Sufocada –
A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça”, escrito pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Editora Ser, publicado em 2007.
Serão quase 600 páginas de ‘verdade sufocada”? Vou conferir.
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