POR EDGAR FREITAS
Longos anos se passaram até que os cavalos passassem definitivamente de meio de transporte a unidade de potência. Nesse intervalo, a hegemonia da tracção animal foi constantemente desafiada pelas sociedades cada vez mais industriais e cosmopolitas. Uma das alternativas mais promissoras no último quartel dos século XIX foi a tracção eléctrica.
Numa
época em que o automóvel dava os seus primeiros passos, estes não passavam de
rudes adaptações de carroças e charretes anteriormente puxadas por animais,
agora propulsionadas mecanicamente.
Os então designados «automóveis eléctricos»
eram uma grande novidade na época, e o seu desenvolvimento levou um avanço
considerável quando comparamos com o desenvolvimento dos automóveis de
combustão interna. A designação de combustão interna nunca tomou maior
importância, na medida em que quem liderava o mercado automóvel americano
no virar do século XIX eram precisamente os de combustão externa. Estes últimos
baseavam-se numa tecnologia com provas de fiabilidade e robustez difíceis de
superar. O uso da combustão permitia a produção de vapor em ordem de fazer
accionar pistões, e consequentemente o veículo. Falando em números concretos dos
EUA, em 1900 circulavam 38% de carros eléctricos, 40% a vapor e por último, 22%
de combustão interna (gasolina, gás etc).
Exemplo de um automóvel a vapor da Marca White, de 1909
O veículo eléctrico tinha muitas
vantagens, e muitas delas motivaram o seu desenvolvimento e aprimoramento quase
instantâneo. Um motor a gasolina da altura tinha cerca de 400 partes móveis,
que necessitavam de lubrificação, que estavam expostas a desgaste, e que
poderiam simplesmente avariar. Em contrapartida, um motor eléctrico tinha
apenas uma, o rotor, e facilmente durava mais de uma década sem avariar.
Toda a facilidade de uso pendia para os
argumentos de um automóvel eléctrico, sendo este cómodo, fácil e intuitivo. O
automóvel eléctrico foi durante cerca de duas décadas a escolha de eleição. Por
um lado, as cidades acolhiam com agrado um veículo capaz de substituir os
animais, maioritariamente cavalos, que deixavam naturalmente as ruas repletas
de dejectos e maus odores. Por outro, o automóvel eléctrico era uma vantagem
enorme em conforto de uso, na medida em que dispensava o uso óleos, era
silencioso e suave.
Automóvel eléctrico Detroit Electric modelo de 1914
O seu concorrente a gasolina, era barulhento,
precisava de arranque manual (à manivela), largava óleos e era ainda limitado
por caixas de velocidade primitivas não sincronizadas que afectavam a suavidade
da viagem. Tudo isto era ainda acrescido de uma baixa produção de combustível
que ditava a sua escassez na América, e ainda pela baixa fiabilidade deste
motor que ainda nos dias hoje, volvido mais de um século continua em constante
evolução.
Ilustração do processo de arrancar o motor
Os veículos eléctricos do virar do século
correspondiam às necessidades das esposas com os modelos de dois lugares, dos
seus maridos com modelos mais luxuosos como o Studebaker Model L e ainda às
necessidade dos pequenos e grandes comerciantes com os seus modelos de furgões
e camiões de mercadorias. Estes últimos, os veículos comerciais viram a ser,
com altos e baixos, o esplendor latente da tracção eléctrica durante décadas de
letargia.
Exemplo da gama oferecida pela companhia Studebaker
Grandes empreendimentos, como a ECV – Electric Vehicle Company -, usaram e
abusaram de todas as potencialidades destes automóveis, quando testaram ao
limite os seus táxis eléctricos em grandes centros cosmopolitas. Um elaborado
sistema de organização permitia uma disponibilidade de baterias sempre
carregadas e prontas a montar, permitindo um uso quase ininterrupto do táxi.
Falar de automóveis eléctricos e não falar de baterias
é impensável. Um pouco como falar de Aquiles sem comentar o seu famoso
calcanhar. As baterias sofreram uma evolução exponencial quando em 1882, foram
produzidas em massa as primeiras baterias recarregáveis. Esta foi possivelmente
o primeiro pontapé de partida que possibilitou a arquitectura de um automóvel
eléctrico. Durante grande parte dos anos áureos da electricidade sobre rodas
dominaram as baterias de chumbo-acido. Constantes evoluções permitiram diminuir
substancialmente o seu tamanho, no entanto, uma bateria vulgar pesaria na ordem
dos 200 quilogramas.
Um Taxi da Electric Vehicle Company
Um dos grandes nomes da história, Tomas Edison,
foi pioneiro na investigação e desenvolvimento das baterias de níquel-ferro, e
até se juntou numa aventura com o seu bom amigo Henry Ford para o
desenvolvimento de um veículo eléctrico barato e acessível às massas. Pelo anos
de 1910 a concepção social seria o uso de veículos eléctricos nas cidades, e de
combustão para viagens de maior distância. Não estariam longe da realidade
utópica que implicaria a maioria das famílias terem dois veículos. O preço dos
automóveis era, no entanto, proibitório para a esmagadora maioria das pessoas,
factor apenas mitigado pela campanha brilhante de Ford contra os preços, que permitiu
tornar o seu Model T uma realidade constante e acessível na sociedade
americana, e mundial.
Exemplar de um Model T coupé
Em 1917, a Steinmetz
Electric Motor Car Corporation fez uma tentativa ousada de destronar o Model T como
carro acessível, mas eléctrico. Nesta altura, o Model T tinha 9 anos de
produção, e o seu preço tinha caído estavelmente para os 360$ enquanto esta
proposta eléctrica mais acessível rondava uns 985$, o que era um feito
incrível, dado que o marcado eléctrico consideravelmente mais caro e
francamente elitista.
Um facto curioso remete-nos para a ideia constante no tempo
de que uma revolução nas baterias estará ao virar da esquina. Atentando à
literatura e imprensa da especialidade, desde há um século que a revolução das
baterias é como um Dom Sebastião numa manhã de nevoeiro, trazendo a autonomia
que vai elevar o automóvel eléctrico ao seu merecido pedestal.
Para um jovem engenheiro automóvel nascido em 1875, a solução
não passava pelo eléctrico unicamente, e cedo iniciou trabalhos no que hoje é
conhecido como o híbrido. Ferdinand Porsche foi pioneiro em instalar motores
eléctricos directamente nas rodas, a aplicar regeneradores de energia, e entre
outras, a conceber em parceria com Ludwig Lohner os primeiros automóveis
híbridos. Esta noção de híbrido é questionável aos dias de hoje, na medida em
que um motor convencional era acoplado a um gerador, e permitia, esgotada a
capacidade eléctrica do automóvel, retomar a marcha com o fluxo constante de
corrente vinda do gerador. Deste modo, este engenho muito elaborado permitia
circular muito mais tempo que um eléctrico, e valeu-lhe o baptismo de Semper Vivus, sendo que dada a
origem latina do termo, não considero necessário traduzir.
Semper Vivus, o hibrido projetado pela equipa Lohner-Porsche
Este automóvel era tudo menos simples, custando
uma fortuna, e tendo como o seu passageiro mais importante, o arquiduque da
Áustria Franz Ferdinand, posteriormente assassinado em Serajevo, com
consequências desastrosas para a Europa. Foi o próprio Ferdinand Porsche que
conduziu sua excelência, numa demonstração das capacidades deste automóvel,
durante manobras do exército.
Porsche viria a aperfeiçoar sem grande visibilidade o seu
conhecimento sobre estes sistemas híbridos, sendo uma das suas mais famosas
tentativas de implementação, foi o seu protótipo destinado a responder ao
concurso de produção do famoso Panzerkampfwagen VI, mais
conhecido por Tiger. A quantidade colossal de cobre necessária para dotar estes
magníficos felinos de metal foi sempre dissuasora numa perspectiva económica,
pese embora as suas vantagens teóricas.
Um VK 45.01 (P) em teste, na Alemanha
Quando pensamos em clássicos, dificilmente nos
vem um eléctrico à cabeça. Nem tão pouco conseguimos identificar com facilidade
a sua presença em museus e/ou exposições. Por este mundo fora ainda se
encontram poucos destes delicados automóveis, dificilmente com as baterias de
origem. Vários factores contribuíram para o declínio do automóvel eléctrico, o
que os torna clássicos raros e exóticos. A invenção do motor de arranque em
1912 e a democratização do acesso ao Model T, foram certamente os pregos finais
no caixão figurativo do automóvel eléctrico ligeiro.
Henry Ford posa junto do Model T
Dedico este parágrafo final a uma reflexão
curiosa sobre os altos e baixos da tracção eléctrica. Aquando da sua invenção,
ouve um forte interesse em promover os automóveis eléctricos com vista em
libertar as cidade dos excrementos animais e odores que infestavam as grandes
ruas e avenidas dominadas pela tracção animal. Após o seu apogeu na primeira
décadas do séc. XX, apenas a escassez de combustível motivada por guerras
bélicas e políticas, guerras mundiais e crises no Médio Oriente
respectivamente, permitiram uma mudança ligeira no status quo a favor dos
automóveis eléctricos.
CGE- Tudor, um carro eléctrico criado na segunda guerra mundial
Com a poluição das cidades em níveis históricos
e o aquecimento global a aumentar, foram feitos esforços Pírricos no
sentido de apresentar o eléctrico como a única alternativa. Um primeiro EV-1 de
General Motors aparentava ser uma vitoria rápida. Quase em jeito deste se
tornar pela lei um clássico, ou veículo de interesse histórico, o puramente
eléctrico deu lugar aos híbridos e aos plug-in na procura pela solução perfeita
para o uso da electricidade na sua melhor extensão. A pergunta evidente a fazer
será: daqui a 100 anos, veremos mais carros eléctricos nos museus e nas
colecções privadas?
EV-1, da General Motors
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