"Lula esconde a
sujeira"
O jurista Hélio
Bicudo, de 83 anos, tem uma longa militância em favor dos direitos
humanos, na qual se destaca o combate à ação do Esquadrão da Morte
paulista, no fim dos anos 60. Relutou muito antes de decidir
manifestar sua opinião sobre o governo Lula e o PT, ao qual é
filiado há 25
anos. Decidiu falar incentivado
pela família e por alguns amigos,inclusive da base petista.
"Não posso admitir que dentro da história que venho
construindo, muitas vezes penosamente, eu possa ser considerado
partícipe do que está acontecendo", disse Bicudo à editora de
VEJA Lucila Soares, a quem concedeu a seguinte entrevista.
O SENHOR ACREDITA QUE O
PRESIDENTE LULA SABIA DOS FATOS QUE ESTÃO VINDO A PÚBLICO?
Lula é um homem
centralizador. Sempre foi presidente de fato do partido. É
impossível que ele não soubesse como os fundos estavam sendo
angariados e gastos e quem era o responsável. Não é porque o
sujeito é candidato a presidente que não precisa saber de dinheiro.
Pelo contrário. É aí que começa a corrupção.
POR QUE O PRESIDENTE NÃO
TOMOU NENHUMA ATITUDE PARA IMPEDIR QUE A SITUAÇÃO CHEGASSE AONDE
CHEGOU?
Ele é mestre em
esconder a sujeira embaixo do tapete. Sempre agiu dessa forma. Seu
pronunciamento de sexta-feira confirma. Lula manteve a postura de
que não faz parte disso e não abre espaço para uma discussão
pública.
HÁ OUTROS EXEMPLOS DESSA
CARACTERÍSTICA?
Há um muito claro. Em
1997, presidi uma comissão de sindicância do PT para apurar
denúncias contra o empresário Roberto Teixeira, que estava usando o
nome de Lula para obter contratos de prefeituras em São Paulo. A
responsabilidade dele ficou claríssima. Foi pedida a instalação de
uma comissão de ética, e isso foi deixado de lado por determinação
de Lula, porque o Roberto Teixeira é compadre dele. O único punido
foi o Paulo de Tarso Venceslau, autor da denúncia. Ainda que não
existisse necessariamente um crime, havia um problema sério, ético,
político, que tinha de ter sido discutido e não foi. Essas coisas
todas vão se acumulando e, no final, acontece o que se vê hoje.
ESSES MESMOS SINAIS ESTÃO
PRESENTES NO ASSASSINATO DO PREFEITO DE SANTO ANDRÉ, CELSO DANIEL?
A história de Santo
André ainda não está clara. Houve uma intervenção do próprio
partido para caracterizar o crime como crime comum, do que eu
discordo. Houve a eliminação do Celso, ou porque ele não concordava
com a corrupção ou porque ele quis interromper o processo num
determinado ponto.
O SENHOR FOI VICE-PREFEITO DE
MARTA SUPLICY. COMO FOI PARTICIPAR DE UM GOVERNO PETISTA?
O que me realizou na
prefeitura foi constituir a Comissão de Direitos Humanos do
município. Fora isso, tudo passou ao largo do meu gabinete, por
opção de Marta.
E, em dezembro de
2004, já no fim do governo, quando assumi interinamente a
prefeitura e houve uma chuva muito forte, com graves prejuízos à
população, pude verificar que os serviços públicos estavam
totalmente omissos. Convoquei uma reunião do secretariado e
apareceram dois ou três. Para mim foi uma experiência extremamente
negativa.
EM QUE MOMENTO O SENHOR
COMEÇOU A PERCEBER QUE O PARTIDO ESTAVA NO CAMINHO ERRADO?
Quando a direção
passou a tomar a frente das campanhas políticas. No início a
militância era a grande força eleitoral. Isso foi mudando na medida
em que o partido começou a abandonar os princípios éticos. A partir
da campanha eleitoral de 1998, instalou-se definitivamente a
política de atingir o poder a qualquer preço.
O PRESIDENTE LULA TAMBÉM
QUERIA CHEGAR AO PODER A QUALQUER PREÇO?
Sim. Mas ele quer a
representatividade, sem o ônus do poder. Ele dividiu o governo como
se estivéssemos num sistema parlamentarista. É o chefe do Estado,
mas não do governo. Nisso há, aliás, uma clara violação da
Constituição, que é presidencialista. A conseqüência foi o
aparelhamento do Estado, um governo sem projeto e essa tática de
alcançar resultados pela corrupção do Congresso Nacional.
O EX-MINISTRO JOSÉ DIRCEU ERA
O PRINCIPAL NOME DESSE GRUPO A QUEM LULA DELEGOU O PODER. QUAL SUA
AVALIAÇÃO SOBRE ELE?
Dirceu é um trator.
Ele é um homem que luta, sem restrição a meios, pelo poder. Está
impregnado desse objetivo. Ele é o melhor representante de um grupo
que aspirava ao poder pelo poder, não para fazer as reformas que
sempre defendemos. O PT chegou ao governo sem projeto. Se Lula
quisesse transformar o sonho petista em realidade, poderia ter se
cercado de gente que o ajudaria nisso. Pessoas como Celso Furtado,
Maria da Conceição Tavares, Fábio Konder Comparato, Maria Victoria
Benevides, Paulo Nogueira Batista Junior trabalharam no programa e
foram depois pura e simplesmente deixadas de lado. Foi uma escolha.
Que continua. Em vez de buscar as pessoas autênticas, que comungam
do ideal que acho que ainda é dele também, Lula se reúne com o
Chávez (Hugo Chávez, presidente da Venezuela). Para
quê?
O SENHOR TAMBÉM SE CONSIDERA
DEIXADO DE LADO?
Eu entrei no PT
porque achei que devia entrar, ajudei o Lula em vários momentos
porque achei que devia ajudar e nunca pedi nada em troca. Ele é
que, espontaneamente, me disse que eu assumiria uma posição. Um
dia, o ministro Celso Amorim mandou seu chefe-de-gabinete me
oferecer um lugar de conselheiro da Unesco. Eu pedi que me
explicasse o que representava exatamente essa posição. A resposta
foi: "É formidável. Três viagens por ano a Paris". Ou
seja, estavam me oferecendo uma mordomia. Eu não aceitei.
EM ALGUM OUTRO MOMENTO O
SENHOR FOI CHAMADO A COLABORAR COM O GOVERNO?
Sim. O então
presidente do PT, José Genoíno, me pediu ajuda para convencer meus
amigos deputados federais do PT a retirar seu apoio à formação da
CPI dos Correios.
EXISTEM ELEMENTOS PARA QUE SE
PEÇA O IMPEACHMENT DO PRESIDENTE?
Os fatos podem vir a
caracterizar crime de responsabilidade e, portanto, motivar um
pedido de impeachment. Mas eu gostaria de lembrar que as primeiras
pessoas que pediram o impeachment de Fernando Collor foram o Lula e
eu. O pedido foi engavetado. Só quando houve pressão popular é que
se concretizou um processo. Se você não tem apoio popular, isso cai
numa discussão de juristas que não leva a nada, a não ser ao
prejuízo da democracia.
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