(por Elio Gáspari)
Senhora,
Eu perdi a Presidência dos Estados Unidos em 1974 por causa da minha paranoia, de meia dúzia de áulicos que se julgavam deuses e da raça desprezível dos repórteres, mas quero lhe dizer que quem me fritou foi a Polícia Federal.
É por isso que lhe escrevo: não se meta com ela.
Sei que naquele tempo a senhora estava no esplendor da juventude.
Saída da cadeia, retomava sua vida torcendo pela minha desgraça.
Vi quando a senhora, já sexagenária, tietou o general Giap durante sua visita ao Vietnã, em 2008.
Aquele anãozinho era festejado como o gênio da guerra contra os Estados Unidos.
Hoje, nossos investimentos no Vietnã já ultrapassaram os US$ 11 bilhões, e eles querem mais.
Eu me danei no escândalo conhecido como Watergate.
Uns bestalhões ligados à Casa Branca quiseram grampear o escritório do Partido Democrata em Washington.
Estavam atrás do caixa dois dos meus adversários e foram apanhados.
Criou-se a lenda de que foi a imprensa que me fritou. Isso é inexato.
O tal "Garganta Profunda" que deu algumas pistas a um repórter era o segundo homem do Federal Bureau of Investigation.
Muito antes dessa traição, o próprio diretor do FBI chamou um jornalista do "The New York Times" e contou-lhe que a Casa Branca estava metida no caso.
Eu havia mandado o general Vernon Walters, vice-diretor da CIA, travar a investigação dos federais. Piorou.
A senhora deve se lembrar do Walters. Em 1964, ele estava no Brasil e ajudou a livrar o país do comunismo.
Fiz muitas bobagens. Uma delas foi demitir o equivalente ao ministro da Justiça brasileiro.
Como a senhora livrou-se do seu, estou preocupado.
Alarmei-me ao saber que o novo ministro insinuou a possibilidade de trocar o chefe da Polícia Federal.
Depois recuou, refletindo o grau de desorientação de seu palácio.
O Walters não gosta da senhora, continua conversando com brasileiros e fala bastante com um levantino de bigodes que já dirigiu a Polícia Federal.
Seu nome é Romeu, creio que o sobrenome é Tuma.
Ele acha que o seu ministro foi ingênuo ao dizer que punirá sumariamente os agentes que estão em equipes de onde saem vazamentos.
Essa arrogância revolta qualquer corporação.
Não entendi direito uma história que o Walters me contou:
"Todo governo acha que a polícia vaza informações contra ele. (Eu continuo achando.)
As coisas são mais complexas, imagine um caso de um agente que vazou informações que beneficiavam uma grande empreiteira?
E se nesse vazamento houve dinheiro?
Mais: como crucificar o intermediário se tiver sido um advogado?"
É óbvio que deveria haver punição, mas o vazamento interessava a gente do governo.
Permita-me uma impropriedade, vazamento é como decote feminino.
Pode ser indecência aos olhos do marido, mas na mulher dos outros é espetáculo.
A senhora gostou do gesto do Garganta Profunda.
O grampo do Watergate era um crime menor, minhas mentiras não seriam suficientes para me tirar da Presidência.
O que me destruiu foi o momento em que acreditei na possibilidade de obstruir as investigações.
Eu e a senhora cometemos o mesmo erro inicial, sabíamos mais do que dizíamos e acreditávamos que o palácio prevaleceria.
Eu cometi o engano seguinte, fatal.
Não faça como Nixon.
Espero ter sido útil e despeço-me, mas não torço pela senhora.
Atenciosamente,
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