Médica que critica defesa que mãe do
ex-governador fez do filho diz que ele é criminoso comum e que viu seus
pacientes morrerem por falta de condições
Por Alessandra Balles access_time27
jan 2018
Como
faz com frequência, a reumatologista Francinne Machado Ribeiro saiu
para pedalar com os dois filhos no domingo (21), no Rio. Ao voltar, teve um
susto. Um post do dia anterior em seu Facebook havia
tido mais de 10.000 compartilhamentos.
Na rede
social, a médica havia criticado a defesa que Magaly Cabral,
a mãe do ex-governador Sérgio Cabral Filho,
havia feito dele, afirmando que “cometeu erros”, mas que “não é um bandido
perigoso”.
Francinne é uma mulher de 51 anos que trabalha até 15 horas
por dia, entre hospital público e clínica particular, gosta de andar de
bicicleta (percorreu de bike o trecho português do Caminho de Santiago), correr
e fazer stand up paddle. Divorciada, sustenta os filhos de 19 e 16 anos, e foi
como mãe que resolveu escrever sobre Cabral.
“Também
sou mãe. E nas horas vagas sou médica. Trabalho em um hospital público. De uma
universidade. Estadual. No Rio de Janeiro. Como tal, assisti, impotente, a uma
enxurrada de solicitações de medicações essenciais para a vida de milhares de
pessoas ser negada por falta de compra… E tive, desesperada, que negar
internações.… Descobri,
perplexa, que o dinheiro de merenda escolar e remédio era desviado para que o
governador do Estado e sua esposa advogada esbanjassem em iate, quadros,
viagens com fotos cafonas, joias e privada automatizada… Seu filho não ‘cometeu
erros’… Ele matou muita gente com sua caneta”, escreveu a
médica em sua página com pouco mais de 1.000 seguidores, em resposta a Magaly
Cabral, mãe do ex-governador Sérgio Cabral Filho.
Em jornais cariocas, a mensagem da mãe de Cabral dizia que
“meu filho não é um bandido perigoso para sair algemado nos pés e nas mãos. Não
estou dizendo que não cometeu erros”, em referência ao uso de algemas nas mãos
e correntes nos tornozelos do ex-governador ao sair da prisão para fazer
exames.
“Tento criar os meus filhos com os mesmos valores que tive.
Minha mãe não me deixava voltar para casa com uma borracha de coleguinha sem
que ela perguntasse de quem era e mandasse devolver. Quando vi a dona Magaly,
que não conheço, passando a mão na cabeça do Cabral, vitimizando o filho…
Porque ele é um criminoso comum, ou melhor, pior, porque ele teve boas
oportunidades, cresceu em uma família próxima de intelectuais, do samba. Ele
teve a chance de não ser criminoso”, afirma Francinne, que conta ter votado
duas vezes em Cabral, do PMDB.
Agora, a médica diz que tem medo de ser processada, mas que
ser cidadão é obrigação e que acha fofo o orgulho dos filhos. Na tarde de
sábado (27), seu post já ultrapassava os 40.000 compartilhamentos.
Leia trechos da entrevista a CLAUDIA:
CLAUDIA – Por que a senhora
resolveu escrever?
Francinne Machado Ribeiro –
Eu sou mãe, tenho dois filhos. E eles cometem erros, erros normais de
adolescentes, e eu não passo a mão na cabeça. Quando vi a dona Magaly, que não
conheço, vitimizando o Cabral, com toda a quantidade de provas contra ele, com
a quantidade de anos de condenação que ele tem, dizendo que ele cometeu erros e
que ele não é bandido…
Não vejo diferença alguma entre ele e um traficante e um
assassino de morro. No caso dele é até pior, porque o traficante talvez não
tenha tido na vida a oportunidade de ser uma pessoa de bem como ele teve. Esse
homem, com a caneta, fez mal a muita gente.
Eu
trabalho no Pedro Ernesto [hospital
universitário ligado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro], e lá nós
passamos 2017 com ameaça de fechamento. Se fechasse o hospital, milhares de
pacientes com doenças graves e raras ficariam sem atendimento. Havia
funcionários que não tinham dinheiro sequer para pagar a passagem de ônibus
para ir trabalhar, que não tinham para comer, que pediram empréstimo de agiota,
que foram despejados de casa.
Dona Magaly diz que Cabral cometeu erros. Isso não são
erros. Ele matou muita gente e está matando muita gente por conta das
atrocidades que ele fez contra o sistema de saúde. Estou na linha de frente,
adoraria que ela fosse passar um dia comigo no hospital para ver o estrago que
o filho dela provocou. Queria ver se ela teria coragem de dizer que o que ele
fez foram erros. Foram crimes e graves.
Esperava a repercussão do post?
Não esperava, de jeito nenhum, levei um susto. Postei no
sábado de manhã, tomando café, e liberei para compartilhamento no sábado à
noite. Fiquei surpresa quando várias pessoas me avisaram que receberam em
grupos de WhatsApp. Fiquei bem assustada e impressionada com o tamanho da coisa.
Como os seus filhos reagiram?
O Felipe, que é o mais velho, que fica mais no computador,
fica monitorando e toda hora me manda links do que já foi falado. Ele até fez
um compartilhamento, até com um termo meio chulo: “A minha mãe é foda? É foda
pra c.”. Eles estão bem orgulhosos. O mais novo, que é mais desligado, está
superorgulhoso. É bonitinho porque os amigos deles vieram me parabenizar, achei
muito fofo.
Alguém próximo achou que a
senhora não deveria ter se metido nisso?
Ninguém. Não vou dizer para você que não tenho medo de ser
processada, por isso tive o cuidado de usar palavras que mostrassem mais a
minha vivência. Mesmo porque não é nada contra ela [Magaly], eu tenho contra o
que ela falou. Ele é um criminoso comum, como qualquer outro. Não acho razoável
que um homem como ele tenha direito a queijo importado, presunto Parma ou
qualquer outro tipo de regalia. Para mim, não faz sentido ele não ser algemado,
porque na gestão dele os bandidos presos eram mostrados para a imprensa
algemados. Por que ele não pode, qual a diferença?
A senhora escreveu que teve que
negar medicação, internação. Falou em tese?
O hospital tem 500 leitos. Houve dois momentos do final de
2016 para cá que ficamos com uma quantidade mínima de leitos, só para manter o
hospital aberto, porque não tinha enfermagem suficiente nem para 200.
Funcionamos com 100 leitos. E o diretor não deixava internar porque
simplesmente não tinha enfermagem. E os médicos foram se demitindo. Você
imagina um paciente que está passando mal, com uma septicemia, com uma embolia
pulmonar, e dizer para ele procurar outro hospital com uma cartinha sua porque
não tem como internar. Isso para um médico é muito ruim.
Tem algum caso nesse período
que foi mais marcante?
Isso aconteceu várias vezes. Eu me lembro do rosto de
vários deles, do nome. Eu conheço a história das pessoas. As pessoas que eu vi
morrer são pacientes há quatro, cinco anos no ambulatório. Eu acompanho a
história de vida, sei a carinha dos filhos, onde moram, a situação financeira.
Essas pessoas foram saindo da minha vida pelo pior caminho possível. Não porque
eu errei como médica, que já seria ruim o suficiente, mas porque não tive a
chance de fazer o meu trabalho. Não tinha antibiótico, não tinha cirurgia, não
tinha material, o paciente morreu porque não operou.
A senhora vê alguma
possibilidade de melhora daqui para a frente?
Vejo
sim. Uma coisa que chama a atenção na Uerj é o
amor das pessoas pela instituição. Não sou concursada do Estado, sou médica do
Ministério da Saúde cedida para lá desde 2008 e aprendi a amá-la. Se eu pudesse
pagar as minhas contas só com o que eu ganho lá, eu passaria os meus dias
inteiros naquele lugar.
Agora, como houve regularização dos pagamentos, as pessoas
voltaram a ter dinheiro para ir ao hospital, aumentou a quantidade de
plantonistas, da enfermagem, conseguimos abrir leitos. Tenho muita esperança
que as coisas comecem a melhorar.
Sou médica há 27 anos, acredito do fundo da minha alma em
um sistema de saúde público de qualidade. Em algumas situações, temos mais
qualidade no público do que no privado. Eu faço os dois. Vejo os dois lados.
Acho que as pessoas merecem um serviço de qualidade. Eu sou médica por absoluta
convicção. Não acho que eu tenha sido melhor ou pior. Ser cidadão, ser honesto,
ser correto, não é mérito nenhum. É uma questão de obrigação, só isso.
Leia, abaixo, a mensagem da museóloga Magaly Cabral, mãe do
ex-governador Sérgio Cabral Filho, publicada em jornais cariocas:
“O desabafo é uma mãe indignada com a Justiça deste país.
Meu filho não é um bandido perigoso para sair algemado nos pés e nas mãos. Não
estou dizendo que não cometeu erros mas ontem (quinta) foi um exagero. Que a
Justiça vá resolver o que se passa com os bandidos que da cadeia dão ordens de
matar, invadir etc.”
A íntegra do post da médica Francinne Machado Ribeiro, que foi
compartilhado mais de 40.000 vezes.
“Dona Magaly Cabral,
também sou mãe. E nas horas vagas sou médica.Trabalho em um
hospital público. De uma universidade. Estadual. No Rio de Janeiro. Como tal,
assisti, impotente, a uma enxurrada de solicitações de medicações essenciais
para a vida de milhares de pessoas ser negada por falta de compra.
Vi,
aterrorizada, centenas de leitos serem fechados no HUPE por falta de repasse de
verba. E tive, desesperada, que negar admissões e internações justamente por
falta de leitos. O que durante algum tempo parecia ocorrer pela crise financeira
se mostrou uma farsa. Descobri, perplexa, que o dinheiro de merenda escolar e remédio
era desviado para que o governador do Estado e sua esposa advogada esbanjassem
em iate, quadros, viagens com fotos cafonas, joias e privada automatizada. E, não por
acaso, este senhor era seu filho.
Desculpe a minha falta de
empatia, mas discordo categoricamente da sua afirmação. Seu filho não “cometeu
erros”. Ele fez algo mais grave. Ele cometeu crimes. C-r-i-m-e-S. No plural. É
fato que ele não deu ordens de matar, a partir da cadeia. Por um motivo muito
simples: ele matou muita gente com sua caneta. Que lhe foi concedida para
cuidar deste estado e não para se esbaldar em Paris com guardanapos na cabeça e
Loubotin nos pés.
Abre parênteses para update: Da cadeia ele
não “mandou invadir”. No entanto, os lares dos cidadãos do estado foram
invadidos com as imagens das mordomias concedidas ao seu filho. Enquanto
milhares de presos semianalfabetos, negros e pobres apodrecem na cadeia
superlotada, onde adquirem, entre outras coisas, tuberculose e sarna. E de sua
nora desfrutando do conforto do seu apartamento no Leblon, ao passo que outras
milhares de mães presidiárias são afastadas dos seus filhos. E não, não
compartilho da máxima que as mães podem tudo. Caso não tenha percebido, vou lhe
contar um segredo: seu filho lhe deu presentes caros nos últimos anos? Saiba
que eles custaram os rins, corações e fígados de pessoas doentes. Fecha parênteses.
Humilhação é mendigar remédios
e salários que lhe são devidos por direito. É ser achincalhado publicamente
pelo seu patrão, como nós médicos fomos. É assistir inúmeros pacientes morrerem
por falta de antibiótico e perderem seus transplantes por falta de imunossupressores. Dona Magaly, me
desculpe se não sinto compaixão e se acho que as algemas são um castigo leve
demais. Ao contrário da senhora, que tem acesso à coluna, sou mais uma
médica tentando enxugar gelo todos os dias, além de tentar reconstruir, com
muito trabalho, o hospital que seu filho quebrou. Infelizmente, o
meu lamento não desfaz a desgraça das inúmeras famílias que seu filho provocou.
Isso sim faz sentido, minha senhora.”
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