◘ O QUE ACONTECERIA SE A TERRA FOSSE PLANA?


–Bem-vindos a 2018. A Terra voltou a completar uma volta ao Sol. Mas não tão depressa. Se concorda com a ideia de uma Terra plana, então acreditará que tal não aconteceu, porque o Sol gira num círculo à volta do céu.

Os humanos sabem há muito tempo que o planeta é redondo, mas a crença numa Terra plana recusa-se a morrer. Há até uma organização dedicada a este tema. Vamos examinar, então, como os princípios bem conhecidos da física e da ciência funcionariam (ou não) numa Terra plana.

A Gravidade Falha

Em primeiro lugar, um planeta com a forma de uma panqueca não teria gravidade. “Não está claro como é que a gravidade funcionaria neste mundo”, afirma James Davis, geofísico do Observatório Lamont-Doherty da Universidade de Columbia. Isto é muito importante, já que a gravidade explica uma ampla gama de observações terrestres e cósmicas. A mesma força mensurável que faz com que uma maçã caia de uma árvore também faz com que a Lua orbite a Terra e que todos os planetas orbitem o Sol.

As pessoas que acreditam numa Terra plana assumem que a gravidade puxaria para baixo, mas não há evidências que sugerem que isso funcionasse assim. O que sabemos sobre a gravidade sugere que puxaria para o centro do disco.

Isto significa que só puxaria para baixo num ponto – no centro do disco. À medida que nos afastamos do centro, a gravidade puxaria cada vez mais horizontalmente. Isto teria alguns impactos estranhos, como: “chupava” toda a água para o centro do mundo e faria com que as árvores e as plantas crescessem diagonalmente, pois desenvolvem-se na direção oposta à atração da gravidade.

Problemas Solares

Depois temos o Sol. No modelo cientificamente suportado do Sistema Solar, a Terra gira em torno do Sol porque este último astro é muito mais massivo e tem mais gravidade. No entanto, a Terra não cai para o Sol porque viaja numa órbita. Por outras palavras, a gravidade do Sol não está a agir sozinha.

O planeta também viaja numa direção perpendicular ao puxo gravitacional da estrela; se fosse possível desligar essa gravidade, a Terra seria disparada em linha reta e sairia do Sistema Solar. Ao invés, o momento linear e a gravidade do Sol combinam-se, resultando numa órbita quási-circular em redor do Sol.

O modelo da Terra plana coloca o nosso planeta no centro do Universo, mas não sugere que o Sol orbita a Terra. Em vez disso, o Sol circula no topo do mundo como um carrossel, iluminando e aquecendo-nos como um candeeiro de mesa. Sem o momento linear e perpendicular que ajuda a gerar uma órbita, não está claro que força manteria o Sol e a Lua a pairar sobre a Terra, em vez de bater nela.

Da mesma forma, num mundo plano, os satélites provavelmente não seriam possíveis. Como é que orbitariam um plano? “Existem inúmeros satélites dos quais a sociedade depende que simplesmente não funcionariam,” explica Davis. Por esta razão, acrescenta, “não consigo perceber como é que o sistema GPS funcionaria numa Terra plana.”

Se o Sol e a Lua apenas se deslocassem num dos lados da Terra plana, presumivelmente podia haver uma precessão de dias e noites. Mas tal não explicaria as estações, os eclipses e muitos outros fenómenos.

O Sol também, presumivelmente, teria que ser mais pequeno que a Terra, de modo a não queimar ou colidir com o nosso planeta ou com a Lua. No entanto, nós sabemos que o Sol tem um diâmetro mais de 100 vezes superior ao da Terra.

Removendo o Céu e a Terra

Nas profundezas do interior terrestre, o núcleo sólido gera o campo magnético do planeta. Mas num planeta plano, isso teria que ser substituído por outra coisa. Talvez uma folha plana de metal líquido. Tal, no entanto, não giraria de forma a produzir um campo magnético. Sem um campo magnético, as partículas carregadas do Sol fritariam o planeta. Podem destruir a atmosfera, como aconteceu com Marte depois de perder o seu campo magnético, e o ar e os oceanos escapariam para o espaço.

O movimento das placas tectónicas e a sismicidade dependem de uma Terra redonda, porque somente numa esfera todas as placas encaixam de maneira sensata, realça Davis.

Os movimentos das placas num lado da Terra afetam os movimentos no outro. As áreas da Terra que fabricam crosta, como por exemplo a dorsal mesoatlântica, são contrabalançadas por locais que consomem crosta, como por exemplos as zonas de subducção.

Numa Terra plana, nada disto pode ser explicado adequadamente. Teria também que haver uma explicação para o que acontece às placas na orla do mundo. Pode-se imaginar que caem, mas isso provavelmente prejudicaria a proposta “parede” que impede as pessoas de caírem do mundo em forma de disco.

Talvez uma das estranhezas mais flagrantes é que o mapa proposto da Terra plana é totalmente diferente. Coloca o Ártico no centro enquanto a Antártica forma uma “parede de gelo” em redor da borda.

Nesse mundo, as viagens seriam muito diferentes. Voar da Austrália até certas partes da Antártica, por exemplo, levaria muito tempo – teríamos que viajar por cima do Ártico e de ambas as Américas para lá chegar. Além disso, certas façanhas do mundo real, como percorrer a Antártica (o que já foi feito muitas vezes), seriam impossíveis.

Esbatendo no Chão

Contrariamente à crença popular, é um equívoco pensar que muitas sociedades de pessoas sérias e educadas realmente alguma vez acreditaram na ideia da Terra plana.

“Com extraordinárias exceções, nenhuma pessoa educada na história da civilização ocidental, a partir do século III AC em diante, acreditava que a Terra era plana,” comentou o historiador Jeffrey Burton Russell em 1997. “Uma Terra redonda aparece, pelo menos, tão cedo quanto o século VI AC com Pitágoras, que foi seguido por Aristóteles, Euclides e Aristarco, entre outros, na observação de que a Terra era uma esfera.”

Como escreveu o cientista e autor Stephen Jay Gould, a ideia de que muitas pessoas – incluindo espanhóis e Cristóvão Colombo – acreditavam que a Terra era plana foi inventada em grande parte por escritores no século XIX como Washington Irvin, Jean Letronne e outros.

Letronne era um “académico de fortes preconceitos antirreligiosos… que inteligentemente se baseou em ambos para deturpar os líderes da Igreja e os seus sucessores medievais como acreditando numa Terra plana,” observou Russell.

De qualquer forma, embora seja divertido imaginar cenários contrafatuais, a ciência avança com o desenvolvimento de teorias científicas para explicar observações. No que toca a estas teorias, quanto mais simples, melhor, diz Davis.

A noção de uma Terra plana, no entanto, começa claramente com a ideia de que o planeta é plano e, em seguida, tenta torcer outras observações para seu benefício. Podemos encontrar explicações estranhas para fenómenos individuais sob este quadro, realça Davis, mas “desmoronam-se muito rapidamente.”

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