Demasiado espertas
Renato Grandelle
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Renato Grandelle
RIO - A princípio elas parecem pacatas, vulneráveis, expostas. Presas por raízes, as plantas seriam vítimas das larvas que ali pousassem, dependeriam da vontade de insetos para serem polinizadas, estariam sujeitas a toques indesejados... certo? Não para certas espécies. Milênios de evolução dotaram os vegetais de armas ainda não inteiramente conhecidas, tamanha é a sua inventividade. Uma planta pode fingir doença, esconder suas folhas do inimigo, e até iludir moscas que buscam sexo.
A fertilização é um dos principais motivadores das tramoias. Talvez a mais engenhosa seja a da orquídea Ophrys insectifera. Para aumentar as chances de que seus óvulos sejam fecundados, ela produz uma estrutura sobre suas plantas que, mesmo olhada de perto, é muito facilmente confundida com uma mosca. A estrutura, além disso, é perfumada - a Ophrys solta um aroma que imita o feromônio sexual das fêmeas. O inseto que der uma rasante ali, portanto, verá uma companheira preparada para o sexo. VEJA►►
- Quando chega à toda, a mosca já poliniza a flor. Só depois percebe que, na verdade, não havia inseto algum - conta Heleno Dias Ferreira, professor de botânica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás. - Todos os seres vivos são inteligentes, cada um à sua forma. Nós evoluímos usufruindo do poder de comunicação e da locomoção. As plantas demoraram milênios para adotar outras estratégias. Entre elas, fazer uma pétala parecer com uma fêmea.
Enquanto a orquídea luta por quem a fecunde, a planta de tabaco tenta selecionar melhor qual material reprodutivo recebe. Por suas folhas passam pássaros e insetos como formigas. O problema: nenhum deles é frequentador exclusivo - todos pulam de um indivíduo para outro.
O tabaco não quer saber dos restos da relação sexual na planta vizinha - levados involuntariamente por seus fecundadores. Como a visita não se limpa, ele desenvolveu um sistema de incompatibilidade: se o pólen de parentes próximos pousam ali, o tabaco o rejeita. De que forma? Os cientistas ainda não sabem. Mas a negativa tem sucesso inquestionável: afinal, uma mistura do material sexual de vegetais aparentados resultaria em uma espécie mais fraca.
Nem todas as plantas recorrem a artifícios frios como o tabaco e a orquídea. Outras lançam mão de táticas engenhosas apenas para fugir de pragas. É o caso da orelha-de-elefante Caladium steudneriifolium, vítima constante das larvas de mariposa. Uma vez libertas dos ovos, elas comem tudo o que veem pela frente.
Zelosa de suas folhas verdes e vistosas, a orelha-de-elefante tem uma estratégia para evitar que a mariposa deixe ali os seus ovos. Quando percebe a presença do inseto, a planta embranquece, o que a faz adquirir o aspecto de local recém-arrasado.
A mariposa sobrevoa a planta adoentada e não aprova o cenário. Para ela, quanto mais saudável for o local de sua desova, melhor. Assim, parte rumo a uma nova vítima. Logo após se afastar, a orelha-de-elefante readquire o ar saudável de outrora. Está livre da ameaça - ao menos até o próximo inseto.
- O reino vegetal é bem mais hostil do que pode parecer - sentencia Luiz Carlos Giordano, pesquisador da Curadoria de Coleções Vivas do Jardim Botânico do Rio. - Foi necessário criar artimanhas para garantir a sobrevivência. Vale a lei do mais forte.
Charles Darwin, pai da Teoria da Evolução e íntimo dessas palavras, também daria a bênção ao maracujazeiro. Assim como a orelha-de-elefante, estas plantas, do gênero Passiflora, conseguem evitar visitas indesejáveis. Mas, como não sabem fingir doença, tiram outro truque da cartola.
O maracujazeiro, para não cumprir o papel de ninho de ovos de borboletas, ativa suas estípulas, uma estrutura que imita... ovos de borboletas. O inseto passa por ali e é enganado por aquela imitação. Fica com a impressão de que alguém da sua espécie chegou antes e já se instalou por ali. Como ele não gosta de competição, procura outro local para depositar sua carga.
A Mimosa pudica (conhecida como não-me-toque) não tem um inimigo específico. Borboletas, mariposas, até mesmo os homens - a planta quer se resguardar de todos. Mesmo um toque gentil a faz fechar rapidamente suas folhas pequenas e frágeis. Demora até meia hora para ela detectar que o perigo passou e, depois, abrir-se novamente.
O feijoeiro prefere o trabalho em equipe. Incapaz de defender-se sozinho de aracnídeos parasitas, o Phaseolus lunatus produz uma mistura de produtos químicos que atrai seus aliados - outros aracnídeos. A cavalaria, quando chega, devora a população inteira e protege a planta.
Há quem não tenha guarda-costas, mas não abra mão de se defender em grupo. Caso das plantas Artemisia tridentata, que, ao serem atacadas por insetos, lançam uma substância química para alertar suas vizinhas. Ao receberem o sinal de perigo, elas produzem seus próprios compostos para impedir que, depois, tornem-se elas as vítimas da infestação.
- Diversas espécies de plantas têm venenos na semente, na fruta ou no caule. É, também, um mecanismo de defesa - assinala Dias Ferreira, da UFGO. - Não deixa de ser uma compensação adquirida pela planta para a falta de locomoção.
Bioquímico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Rondônia (Embrapa), Cléberson de Freitas Fernandes estuda os mecanismos de defesa de plantas. Segundo ele, as reações são mais efetivas quando o ataque ocorre no interior do organismo, orquestrado, por exemplo, por fungos ou bactérias. Neste caso, o vegetal pode até lançar mão de um mecanismo conhecido como morte celular.
- É uma resposta hipersensitiva. A planta detecta o local onde houve a penetração do agente patogênico e aumentando a concentração de peróxido de hidrogênio para matar suas próprias células vizinhas - explica. - Dessa forma, o invasor não encontra tecido vivo para se alimentar.
Para dificultar o avanço dos micro-organismos, a planta também induz a formação de papilas, estruturas parecidas com blocos que são construídos na região atacada.
As agressões na região exterior - provocados por insetos e seus ovos - encontram resposta menos efetiva. E assim, a planta luta para que a invasão a deixe o mais rapidamente possível. Mesmo que, para isso, tenha de alterar a composição química de suas próprias folhas.
- O vegetal faz de tudo para dificultar a capacidade de digestão de um inseto invasor - anuncia Fernandes. - Este animal terá mais dificuldade em extrair os nutrientes da planta. Ela faz o possível para se tornar uma refeição menos rentável, de baixo retorno metabólico. Assim, quem se alimenta dela vai procurar algo que lhe dê mais energia.
Além da necessidade de compensar a falta de locomoção, outros fatores explicam por que cada planta teve de correr atrás de uma forma de se defender. A busca por uma melhor adaptação ao ambiente provocou uma série de especiações - fenômeno em que espécies de mesmo gênero passam por diferentes processos, culminando no surgimento de novas espécies.
- O isolamento geográfico contribuiu muito para a ocorrência de especiações - assinala Giordano. - A Indonésia, por exemplo, formada por diversas ilhas entre a Ásia e a Oceania, tem uma flora altamente diferenciada. Foi necessário que ela produzisse características específicas para se adaptar àquele meio.
Uma população de plantas, quando consegue se estabelecer, luta para manter o seu domínio. Giordano lembra uma espécie conhecida como maria-sem-vergonha (que, curiosamente, também atende por beijo-de-frade). O cultivo do vegetal, do gênero Impatiens, há tempos saiu do controle humano e tem espécies em, pelo menos, três continentes.
- As sementes se deram tão bem quando introduzidas em certos países que conseguiram se espalhar espontaneamente - conta. - Quando está em companhia de vários outros indivíduos da mesma espécie, ela forma uma sociedade e sua raiz cresce lentamente, conforme espalha-se ainda mais e ganha novos territórios.
Se o terreno cobiçado conta com outras plantas, a maria-sem-vergonha acelera sua dinâmica:
- Aí, o crescimento da raiz ocorre em maior velocidade. E, enquanto ela amadurece, nenhuma outra planta ao redor conseguirá aparecer.
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