O desmatamento afastou pássaros frutívoros grandes, como o tucano de bico preto, de diversos trechos da Mata Atlântica. Nesse lugares, as sementes da palmeira Euterpe eduli diminuíram ao longo das décadas (Lindolfo Souto)
Pesquisadores brasileiros mostram que derrubada da floresta diminuiu o número de aves de bico grande na região. Isso fez com que as palmeiras passassem a produzir sementes menores e mais frágeis
Desde o século 19, grandes extensões da Mata Atlântica têm sido derrubadas no sudeste brasileiro para dar lugar à agricultura, principalmente do café e da cana-de-açúcar. Uma pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista Science mostra que esses dois séculos de atividade humana na região foram suficientes para afetar o processo evolutivo das árvores nos trechos de floresta que restaram. Segundo os cientistas, o desmatamento levou à diminuição na população de grandes aves frutívoras, o que, ao longo das décadas, fez com que as palmeiras da região passassem a produzir sementes menores, mais frágeis e com menor potencial de germinação.
CONHEÇA A PESQUISAOnde foi divulgada: periódico ScienceQuem fez: Mauro Galetti, Roger Guevara, Marina C. Côrtes, Rodrigo Fadini, Sandro Von Matter, Abraão B. Leite, Fábio Labecca, Thiago Ribeiro, Carolina S. Carvalho, Rosane G. Collevatti, Mathias M. Pires, Paulo R. Guimarães Jr., Pedro H. Brancalion, Milton C. Ribeiro e Pedro JordanoInstituição: Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista, entre outrasDados de amostragem: 9.000 sementes da palmeira Euterpe eduli colhidas em 22 pontos de Mata AtlânticaResultado: Os pesquisadores descobriram que as áreas mais desmatadas possuíam sementes menores, o que pode ser explicado pelo fato de as maiores aves terem sumido desses locais. Com a presença exclusiva de aves pequenas — com menor abertura em seu bico — as árvores tiveram de se adaptar produzindo sementes menores.
Os pesquisadores analisaram 9.000 sementes da palmeira Euterpe eduli(conhecida como palmito-juçara), colhidas em 22 pontos de Mata Atlântica nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Bahia. Ao analisar o tamanho das amostras, eles descobriram que as áreas mais desmatadas possuíam sementes consideravelmente menores do que as preservadas.
Os cientistas analisaram uma série de fatores para explicar essa diferença, como as mudanças do clima, a fertilidade do solo e a cobertura florestal, mas nenhum deles foi suficiente para justificar a diminuição das sementes. A partir de análises genéticas e simulações evolutivas, eles descobriram que essa mudança pode ter acontecido ao longo dos últimos 100 anos, para se adaptar a alguma perturbação externa.
Esse período é justamente o mesmo em que a transformação de grandes trechos de floresta em plantações expulsou da região muitas populações de aves grandes. Segundo os pesquisadores, os pássaros que sobraram não eram mais capazes de dispersar as grandes sementes produzidas pela palmeira. Isso teria causado uma rápida evolução das árvores, que passaram a produzir sementes menores — mais fáceis de dispersar, mas também com menor potencial de germinação. "Infelizmente, acredito que o efeito que documentamos em nosso trabalho não é um caso isolado. É provável que a destruição de vertebrados de grande porte em seus habitats naturais esteja causando mudanças sem precedentes nas trajetórias evolutivas de diversas espécies tropicais”, afirma Mauro Galetti, pesquisador da Universidade Estadual Paulista, autor principal do estudo.
O araçari-poca é uma das espécies de aves que possui um bico com uma abertura maior do que 12 milímetros — o suficiente para carregar as sementes do palmito-juçara
Aves e palmeiras — Segundo os cientistas, as maiores aves frutívoras, como tucanos, araçaris e arapongas, precisam de grandes trechos de floresta para sobreviver. Essas aves são justamente aquelas cujo bico tem uma abertura superior a 12 milímetros, o suficiente para transportar e disseminar as maiores sementes do palmito-juçara.
Já as aves com bicos pequenos, como os tordos, são mais resistentes, conseguindo sobreviver nos trechos mais degradados de floresta. Elas, no entanto, não são capazes de carregar as mesmas sementes.
O sabiá-una é uma das espécies de aves que só consegue transportar sementes pequenas. Na imagem, ele aparece carregando uma semente do palmito-juçara
A adaptação evolutiva permitiu que a palmeira continuasse resistindo, apesar da mudança no perfil das aves. As novas sementes, no entanto, são mais vulneráveis, principalmente ao clima. Longos períodos de seca e calor — como os previstos pelos cientistas climáticos — poderiam ser particularmente prejudiciais a essa população de árvores.
Segundo os pesquisadores, a restauração da Mata Atlântica depende fundamentalmente da preservação da interação entre animais e plantas. "A perda de habitats e a extinção de espécies estão causando mudanças drásticas na composição e na estrutura dos ecossistemas, uma vez que está ocorrendo a perda de interações ecológicas fundamentais. Isso envolve a perda de funções essenciais do ecossistema, as quais podem resultar em mudanças evolutivas numa velocidade bem superior à prevista", diz Galleti.
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