Conheça alguns episódios da inteligência secreta de guerra
Por Sayonara Salvioli | Yahoo Contributor Network – qui, 10 de out de 2013 Thinkstock
Recentemente, o tema espionagem voltou à grande pauta da mídia. Tudo começou quando Edward Snowden - ex-consultor da Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA - revelou vasto esquema de espionagens do governo americano. As delações de Snowden mostraram as relações da Casa Branca com setores de inteligência de expoentes da cibernética internacional, como Google, Facebook e Skype. Deflagrado o esquema, publicou-se - pela imprensa internacional - que até mesmo e-mails e telefonemas informais de americanos (sem quaisquer relações com situações de terrorismo) sofriam monitoramentos de espionagem.
No tocante a governos, instalou-se tremendo mal-estar entre as políticas mundiais. Os documentos revelados por Snowden também mostraram a "vigilância americana" em relação a diplomatas e, mesmo, governos da União Europeia. E mais: países pertencentes à América Latina - inclusive o Brasil - entre os alvos da espionagem dos EUA! Vieram a público mais denúncias relativas a monitoramento das comunicações da presidente Dilma Rousseff, bem como do presidente mexicano Enrique Peña Nieto. Depois, mais e mais notícias sobre o assunto.
Soa o alarme da memória como reação às "redes" contemporâneas, retornando ao imaginário coletivo um cenário clássico de momentos marcantes da Segunda Grande Guerra, especialmente. Retrospectivas do período evocam alguns dos maiores casos de espionagem da história: buscam-se imagens de arquivos, vasculham-se fatos... Dos segredos das bonecas da Madison Avenue, passando pelo charme ludibriante de Madame Chanel ao embuste americano do caça F-14, muito tem se polemizado a respeito. Relembre alguns dos mais famosos episódios que ilustram esse tempo:
"O segredo das bonecas"
Período histórico: Anos 40 do século XX
Países envolvidos: Estados Unidos e Japão
Imagine uma loja de bonecas no distrito de Manhattan. Madison Avenue era o endereço específico, numa charmosa Nova York de antiquários nos Anos 40. A americana Velvalle Malvena Dickinson era sócia de seu marido no empreendimento, que não despertava o interesse geral senão de "compradores de bonecas"... Informação falsa num cenário de "guerra lúdica"! Na verdade, a dona da casa de bonecas era uma sagaz agente de um dos mais bem engendrados casos de espionagem da Segunda Guerra Mundial.
Mas como assim fazer espionagem de guerra vendendo bonecas? Por códigos cifrados em correspondência comercial. Sim; era assim: em cartas falando de compra e venda de bonecas, a agente secreta transmitia mensagens codificadas em intrincada oferta de informações sobre a defesa militar de seu país - Estados Unidos da América. Revelava tudo aos japoneses usando estratagemas em pedidos aparentemente inocentes. Exemplo: um pedido comercial com referência "sete bonecas chinesas" continha a informação velada de que "sete navios da Marinha americana" estariam, naquele momento, ancorados na baía de San Francisco para reparos...
A logística era sofisticada: Velvalle postava as várias cartas de localidades diferentes, mas invariavelmente com destino a Buenos Aires. Um belo dia, porém, as investigações do FBI interceptaram uma cartinha cifrada da coleção de selos internacionais de Velvalle!... A espiã foi presa e condenada a uma década de prisão.
Coco Chanel e a "Operação Modelhut"
Período Histórico: 1940 a 1944
Países envolvidos: França, Alemanha e Reino Unido
Pintava-se o cenário parisiense durante a ocupação alemã. Nesse quadro, com uma elegante protagonista, entre 1940 e 1944 se baseia grande parte do (polêmico) livro do jornalista americano Hal Vaughan: Dormindo com o inimigo - a guerra secreta de Coco Chanel (Ed. Companhia das Letras), publicado no Brasil em 2011.
Calculista, dona de grande inteligência e poder de sedução, a famosa estilista tinha um protetor / mentor neste caso - espião da Gestapo - Hans Günter Dincklage. Chanel teve uma forte relação com Dincklage, o homem que a inseriu nos quadros nazistas, onde se tornou a agente F-7124, triste designação para uma mulher que fora um mito de large style e poder feminino. Foi na (lamentável) condição de submissão aos desmandos do Terceiro Reich que ela protagonizou um dos episódios de espionagem dos mais enredados: a famosa "Operação Modelhut".
Modelhut é a designação para "Chapéu da moda", em alemão. Isso por causa da especialidade da estilista que criava peculiares chapéus - uma de suas marcas emblemáticas no universo fashion em que brilhava.
Mais personalizado, portanto, não poderia ser o nome da ação proposta à agente F-7124, engenhosa em suas negociações no poderio das relações. Na operação, Chanel teria sido convocada a aproximar o primeiro-ministro da Grã-Betanha, Winston Churchill, da cúpula do Führer (para que depois se aliciassem os ingleses). Afinal, a estilista e empresária de moda havia sido amante do rico e influente duque de Westminster, Hugh Richard Arthur Grosvenor, amigo pessoal de Churchill.
Coco era assim: estava entranhada no poder, como mostra a biografia escrita por Hal Vaughan. Se era pessoa dileta do duque britânico, também cultivara relações com influentes personalidades nazistas com que convivia rotineiramente entre os corredores do Hotel Ritz, onde vivera seus tempos de agente secreta dos alemães. E, ainda mais que isso - por meio de seu amante Dincklage -, também estreitara contato com o general Walter Schellenberg, chefe da Abwehr. A agente, fashionista e socialite era a conexão ideal entre os homens do Führer e o outro lado, a persona perfeita para a "Operação Modelhut".
Além da operação "Chapéu da moda", a imagem de Chanel tem outras condenações conceituais (sim, porque na prática a estilista-espiã se safou, posteriormente indo morar na Suíça e só retornando à França uma década depois). Entre essas condenações de conduta estavam seu antissemitismo e o fato de haver prejudicado seus sócios judeus Pierre e Paul Wertheimer, que tinham sido decisivos para o seu crescimento empresarial.
O primeiro computador e a espionagem de guerra
Período histórico: Segunda Guerra Mundial
Países envolvidos: Reino Unido e Alemanha
Alan Turing - notável matemático e cientista da computação - foi o precursor da própria ideia aplicada de computação, já que o protótipo criado por ele foi decisivo para a concepção do computador contemporâneo. Mas por que o "Pai da Informática" se encontra nessa galeria de episódios de espionagem? Porque durante a Segunda Grande Guerra ele atuou num centro-referência em códigos secretos - Escola de Códigos e Criptogramas do governo, em Bletchley Park, Buckinghamshire - Inglaterra. De acordo com o portal da Universidade Federal do Pará, Turing integrou a equipe liderada por Tom Flowers, que tinha a missão de "decifrar os códigos militares nazistas, um trabalho urgente e secreto, pois havia uma máquina alemã, denominada 'Enigma', que gerava mensagens em código supostamente indecifráveis. E o código era constantemente trocado". E nessa dinâmica se aplicava a genialidade de Turing.
Ainda de acordo com o referido portal e com compêndios de assuntos de espionagem, Alan Turing foi enviado, ainda - em 1942 e 1943 -, à Moore School e à Bell Telephone em missão secreta. Ele teria também aprimorado "um sistema de codificação vocal para as comunicações telefônicas entre Roosevelt e Churchill na Bell Telephone".
As mesmas fontes dão conta de que Turing e seus companheiros de jornada teriam construído o "Colossus" (há algumas controvérsias se ele havia participado de tal projeto, mas, ao que consta, isso se dá justamente pela natureza secreta de seu feito). Este foi o primeiro computador totalmente eletrônico de que se tem notícia. Quem, afinal, nunca ouviu falar do "computador pioneiro da Segunda Guerra"?
E foi assim que Alan Turing protagonizou um dos mais decisivos episódios de espionagem bélica, havendo tido "em suas mãos" segredos de criptoanálise da frota naval e do Exército nazista. O "Projeto Colossus" foi operacionalizado utilizando-se o computador-mor que dava nome ao projeto, junto de uma série de máquinas arrojadíssimas para a época.
Depois da guerra, o gênio britânico que projetou - aos 24 anos! - a supermáquina que fazia operações de computação ainda atuou no Reino Unido, no Laboratório Nacional de Física. Foi quando idealizou outro projeto arrojado totalmente precursor, com "programas armazenados": o chamado "Ace". E muito mais faria o matemático brilhante de vida e morte polêmicas.
"Operação 33: arapuca para nazistas"
Período histórico: Segunda Guerra Mundial
Países envolvidos: Alemanha e Estados Unidos
Literalmente às vésperas da entrada dos EUA na Segunda Grande Guerra, uma grande ação de contraespionagem acabou prendendo 33 espiões nazistas atuantes em domínios americanos. Tão extensa rede de espionagem foi deflagrada por um ex-soldado da Alemanha - William Sebold (agente secreto duplo junto ao nazismo, chamariz numa operação sofisticadamente inteligente de captura de espiões alemães).
O soldado Sebold deixou seu país de origem bem no começo dos anos 20, dirigindo-se à indústria aeronáutica dos Estados Unidos. Cerca de 15 anos após, ele obteve a cidadania americana. Voltando à Alemanha três anos depois para rever sua mãe (meses antes do início da Segunda Guerra Mundial), foi então convocado pela Gestapo a ser um espião, sob pena de ter seus familiares mortos. Sebold não teve outro jeito senão "aceitar a proposta nazista", sendo encaminhado a treinamento para codificação de informações a serviço dos alemães. Chamado então Harry Sawyer, atuava como típico espião de guerra...
E, em seu ardil de agente secreto de talento, estabeleceu contato com ampla rede em terras americanas. Com isso, o FBI pôde descobrir quem eram e como agiam os infiltrados nazistas. Foi nesse momento que se descobriu, inclusive, uma estação de rádio (de ondas curtas) que emitia segredos em códigos para os alemães. E o soldado Sebold foi tão eficiente que conseguiu desmantelar o grande esquema do nazismo naquele terreno e momento, possivelmente um dos maiores episódios de espionagem que já tiveram lugar nos EUA.
"Embuste americano: o case do Caça F-14"
Período histórico: Guerra Fria
Países envolvidos: Estados Unidos e União Soviética
O mundo inteiro ficou sabendo que, durante a Guerra Fria, a União Soviética fez tudo para desvendar os maiores segredos estratégicos dos EUA. E, claro, o grande alvo era a indústria militar norte-americana - em certo momento, o caça militar F-14. E foi exatamente em torno dessa aeronave de guerra que se deu um dos mais instigantes episódios de espionagem de todos os tempos... Tudo começou quando um engenheiro da fabricante do caça - a Grumman Aerospace Corporation - fez amizade com um tal russo dito Sergey Viktorovich Petrov. Este disse trabalhar na ONU, alegando também estar, exatamente naquele momento, finalizando sua tese de doutorado na área de Engenharia. Propôs assim "pagar por valiosas informações de estudo" do caça F-14. Mas o americano do caça desconfiou do estratagema e o denunciou à cúpula do FBI. Desde então, todos os encontros passaram a ter a vigília de agentes federais americanos. Esta foi uma história de mais do que forjada espionagem: o americano fingia estar aderindo à proposta do russo, cuja série de encontros durou por cerca de dois anos.
No andamento das relações, a certa altura Petrov providenciou uma câmera para que o americano realizasse o registro dos projetos. Até que o engenheiro da Grumman prometeu chegar ao encontro com o material requisitado por Petrov, talvez o projeto da asa do avião... Bingo para os EUA: logo depois do jantar, Petrov caminhava com seu aguardado envelope (levado naquela noite pelo americano - supostamente contendo todos os segredos do caça F14) quando foi sorrateiramente apanhado pelos agentes do FBI!
No fim das contas frias, espião que engana espião tem mil anos de perdão, não é mesmo?
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