Diário inédito de uma dama de companhia da imperatriz Teresa Cristina traz relato tingido de tristeza sobre o melancólico fim da monarquia no Brasil
Reportagem de Cecília Ritto, publicada em edição impressa de VEJA
Passados 124 anos da chuvosa madrugada em que a família imperial brasileira embarcou em um navio rumo ao exílio, o melancólico fim da monarquia ganha um relato tingido de tristeza na voz de uma protagonista da história – Maria Amanda Paranaguá Dória, a baronesa de Loreto.
Seu diário, esquecido nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), no Rio de Janeiro, narra com riqueza de detalhes a jornada para a Europa do grupo que tinha à frente o já ex-imperador Pedro II – material que, recuperado recentemente, constará em um livro comemorativo da instituição.
Outros diários conhecidos versaram sobre a viagem, inclusive um do próprio dom Pedro. Mas das impressões de Maria Amanda, dama de companhia da imperatriz Teresa Cristina (chamada de Amandinha no círculo imperial), resulta uma visão particularmente tocante. O primeiro caderno, de 120 páginas, se encerra com o momento carregado de dor em que dom Pedro chora a morte de Teresa Cristina, três semanas após o desembarque em Portugal.
“Esse tipo de diário é raríssimo, já que poucas mulheres registravam suas memórias no Brasil imperial, e tem o mérito de documentar um importante capítulo da história sob o calor da emoção”, avalia a historiadora Mary Del Priore.
O barão e a baronesa de Loreto acompanharam o imperador no exílio por vontade própria, em demonstração de fidelidade. Juntaram-se à comitiva de duas dezenas de integrantes que, dois dias depois de proclamada a República, se dirigiu ao cais em tom de marcha fúnebre, embalada pelo silêncio do Rio de Janeiro que dormia.
Foram de lancha até o cruzador Parnaíba e, nele, até a Enseada do Abraão, na altura de Angra dos Reis, quando se transferiram para o vapor Alagoas. “O mar estava um pouco agitado e, temendo enjoo, que me é inevitável, fui entrincheirar-me no beliche, onde me deitei com vivas saudades e lembranças de origens diversas”, anotou a baronesa na primeira de vinte noites ao mar.
Dom Pedro II: vida simples e desapego aos rituais
Em escrita simples e clara, ela destaca a nostalgia e a resignação dos passageiros, sobretudo de dom Pedro. Quase todas as menções a ele são acompanhadas da palavra “saudade”. Não se discutia política a bordo, só literatura. Ali, dom Pedro manteve o hábito das rodas de leitura noturnas, às quais ele próprio batizou de “conversações saudosas”.
A vida relativamente simples que a família imperial levava no Rio de Janeiro se reproduzia a bordo. Não havia festas, banquetes ou roupa de gala; no dia do aniversário do imperador, 2 de dezembro, abriu-se uma garrafa de champanhe, de que todos compartilharam. Ele ergueu-se com a taça em riste e disse: “Brindo à prosperidade do Brasil”. A imperatriz não participou; sentia-se mal.
“As outras senhoras estavam mais ou menos enjoadas e nem se mexiam nas suas cadeiras”, ressalta a baronesa. Dom Pedro fazia pouco-caso da maioria dos rituais, mas, mesmo assim, segundo o diário, os almoços e jantares eram servidos sobre uma mesa devidamente aparelhada, e a princesa Isabel vivia escoltada por duas criadas.
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