As elites brasileiras, incluindo boa parte da imprensa, perderam o juízo e estão brincando

a besta
Ônibus deixaram de circular nas Zonas Sul e Oeste de São Paulo porque, desde o começo do ano, 29 coletivos municipais e 28 intermunicipais já foram incendiados na região metropolitana de São Paulo. As empresas e os motoristas não querem entrar nas áreas consideradas de risco. No domingo, em Santos, depois de sair de uma balada, cerca de 200 jovens resolveram fazer um arrastão num supermercado Extra. Clientes também foram espancados. Um deles levou um extintor na cabeça. Caído, foi alvo de chutes.
Os barateadores da sociologia — aos quais, em regra, a nossa imprensa é tão servil — podem começar a especular sobre, sei lá, o mal-estar do capitalismo nativo… De repente, aquele país que havia migrado em massa para a classe média teria resolvido se revoltar.
Segundo certa delinquência chique em vigor, agora, o tal povo da periferia estaria querendo “direitos”, cansado da segregação. E não veria melhor maneira de conseguir o que o faz feliz do que incendiando ônibus, saqueando supermercados, tentando explodir postos de gasolina. Eventualmente, fazendo rolezinhos, ao som do funk ostentação. Esses pensadores ainda não sabem se o pobre quer ser rico ou comer os ricos.
Quando leio os textos dos colunistas com o dedo sempre em riste — como se a culpa, então, pela desigualdade fosse de seus adversários políticos ou de seus inimigos ideológicos —, penso na satisfação vagabunda dos covardes intelectuais.
Acham que, caso se solidarizem com criminosos — que eles tomam como rebeldes primitivos, que ainda não se descobriram —, já terão, então, feito a sua parte. No boteco, já poderão se sentar à mesa de outros justos, partidários também estes da saliva justiceira.
O que está em curso é algo bem mais prosaico, bem mais comum.
Está em curso no país uma onda de depredação de qualquer noção de ordem e de limites. Ora, se há sempre uma origem social para qualquer crime e se o gesto, mesmo o mais extremo, se explica como expressão de um anseio democrático — o que implica a demonização da polícia e de qualquer esforço para restabelecer a lei —, então tudo é permitido.
Se a polícia atua para conter um rolezinho que fugiu do controle, ela apanha; se prende traficantes, ela apanha; se reprime os black blocs que saem por aí depredando e incendiando, ela apanha; se  um policial atira em legítima defesa, apanha também. O certo, talvez, fosse se deixar matar para não ofender a boa consciência dos justiceiros salivantes.
Desde junho, um mau espírito povoa a cabeça de pessoas antes sensatas, que têm a grave responsabilidade de produzir, num caso, informação — refiro-me à imprensa — e, no outro, educação e cidadania: refiro-me aos políticos.
Estes últimos têm-se negado, com raras exceções, a condenar com clareza a violência gratuita. Procuram, na verdade, fugir do assunto. A imprensa, também com exceções, patrulhada pelas redes sociais, esforça-se para concorrer com a popularidade do Facebook, preferindo a algaravia de vozes desconexas — sempre, claro!, em nome da justiça social.
É consenso que o país avançou bastante nos últimos 20 anos. Se mais não fez, não foi por excesso de apreço e de amor pela ordem. Ao contrário: é justamente onde nos esquecemos dos formalismos, do rigor e do decoro que as coisas se danam. E isso vale muito especialmente para os governos. Que se note: o povo, no geral, é muito mais ordeiro do que o estado no Brasil. Ou seria impossível botar o nariz fora da porta.
Os demagogos, no entanto, estão vencendo a batalha de valores e estão começando a acordar a fera. E é bom saber: a “fera” pode despertar em Londres, por exemplo, como já se viu. Não precisa ser necessariamente na periferia de São Paulo ou nos morros do Rio.
Podem anotar: se o país escolher deixar impunes os trogloditas que saem quebrando e incendiando tudo por aí; se a polícia for tratada como ré quando prende traficantes ou atira para se defender de um ataque; se todo fundamento ancorado na ordem for tratado como uma tramoia contra o povo, o resultado não será bom. À diferença do que poderiam pensar o PSOL ou o PSTU — e aqueles que gostam de fazer justiça com o próprio teclado —, o que vem não é a revolução.
Será que não devemos ser gratos pelo fato de o único líder carismático que há no Brasil, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, ser, assim, um burguesão do capital alheio, que, no frigir nos ovos, não quer arrumar confusão com os seus amigos banqueiros, seu amigos empreiteiros e seus amigos industriais? Na marcha da insensatez em que vamos, um amalucado, de extrema esquerda ou de extrema direita, encontraria um território fértil para a sua pregação.
As elites brasileiras nunca foram exatamente iluminadas. Mas, desta vez, parece que perderam o juízo de vez.  Para arrematar: como o PT, no fim das contas, está sempre ligado aos tais “movimentos sociais”, o PT vira uma espécie de incentivador da desordem, e Lula, o único garantidor da ordem para aqueles seus amigos. E o círculo se fecha.
Por Reinaldo Azevedo

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