Há algumas semanas Rachel Sheherazade (daqueles comentaristas que fazem Bill O'Reilly parecer sensato e ponderado), uma âncora que anda por si, fez um comentário que descrevia bem a situação dos rolezinhos.
Fala de âncora explicita segregação
“Os shoppings se popularizaram no Brasil porque se tornaram uma alternativa de compra e lazer para quem buscava se-gu-ran-ça. Pois foi exatamente a violência, o caos urbano que forçou o consumidor a abandonar o comércio de rua, as praças públicas, o cinema, teatros, restaurantes e migrar para espaços fechados, vigiados. Mas agora até esse refúgio foi violado. O que fazer? (...) devemos defender o direito dos arruaceiros de se reunir em locais privados, sem autorização, tocando o terror, afastando as famílias e intimidando os frequentadores? Ou só vamos tomar uma providência quando os arrastões migrarem das periferias para os shoppings de luxo? ”
Por que a cito? Porque, como certo filósofo afirmou com toda a propriedade, se queremos entender as mudanças devemos prestar bastante atenção àqueles analistas que são refratários a ela, que, por algum motivo, perdem poder e/ou privilégio com o girar da roda. São eles que, melhor que ninguém, tem a acuidade precisa pra enxergar o fenômeno.
Pois bem. Está, na fala daquela senhora, tudo explícito. Todo rancor, raiva e medo. Toda segregação e privilégio.
Para começar a fala, Rachel usa “popularizar”, se tornar popular. Reparem bem que a ideia de ser popular é bem restrita, já que alcança apenas a parte “boa” da sociedade, do povo ordeiro e de bem (preferencialmente bem vestido).
Imediatamente depois, a princesinha persa engata um evento que, na fala, apenas encarna, como se descesse dos céus ou subisse do inferno. O caos urbano e a violência não têm causa, são eventos. E foram estes eventos, indomáveis, que forçaram a popularização dos shoppings, transformados em verdadeiros refúgios.
E foram violados por quem? Por aqueles que, vindos da periferia, são arruaceiros. Novamente atentem para o fato de que ela pede providências apenas pelo risco dos “arrastões” saírem da periferia e invadirem o templo do shopping.
Ficando por lá, tudo bem, diz nossa elite.
Rachel, tomada aqui como mero exemplo, não é uma analista ou intérprete da situação, apenas uma porta-voz. Com isso pode ela rechear seu comentário de atos falhos e, assim, verbalizar o que outros mais argutos tentariam esconder.
Três anos atrás escrevi sobre o assalto a um shopping de São Paulo e o pedido por mais segurança pública para, e apenas para, o espaço privado.
Reproduzo um trecho: “Há muito tempo a elite nacional decidiu se isolar do resto do Brasil, viver sua vida que se almeja sossegada e segura. Encontrar-se apenas com seus pares. O que ela quer não é erradicar a pobreza, mas mantê-la longe dos seus olhos. (...) Os 'bárbaros', deixados do lado de fora, continuarão a forçar as portas e, vez por outra, sua presença será sentida. E a resposta em rede nacional será sempre esquizofrênica, alienada, perplexa, como que assumindo sua ignorância do entorno, não entendendo o porquê, e que, numa ingenuidade quase autista pergunta: O que eu fiz [para merecer isso]?”
Sem mais.
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