No momento em que a delação premiada ganha força no País via Operação Lava Jato, uma propaganda na TV fechada convida cidadãos brasileiros a denunciar o suborno de funcionários públicos por companhias norte-americanas.
A proposta é ajudar o governo dos Estados Unidos a combater a corrupção corporativa recebendo em troca uma "recompensa substancial".
Até hoje, o valor máximo pago em recompensa foi de US$ 30 milhões.
O objetivo é dar munição para ações contra empresas com papéis negociados nas bolsas norte-americanas e suspeitas de corromperem funcionários públicos para obter vantagens em seus negócios no exterior.
Nos EUA, o suborno de funcionários públicos ou autoridades estrangeiras por companhias abertas configura uma violação à Lei de Combate à Práticas de Corrupção no Exterior (Foreign Corrupt Practices Act, FCPA, na sigla em inglês).
O passo a passo para colaborar com o Tio Sam está no site www.subornoamericano.com.br, o mesmo do anúncio na TV.
Os autores da página se identificam como uma organização especializada em dar suporte a denunciantes, o que inclui proteger sua identidade e ajudá-lo a preparar a documentação a ser entregue ao governo americano.
A empresa responsável pelo serviço é o escritório de advocacia Franklin D'Azar & Associates, cujo nome aparece no comercial.
A banca é especialista em ações coletivas de investidores ("class actions") e em assessorar interessados em participar dos programas de denúncia de corrupção do governo americano.
"Se você tem informações sobre a prática de corrupção em uma companhia multinacional, entre em contato conosco agora", pede a empresa.
A reportagem tentou entrar em contato com a organização pelo telefone disponível para as denúncias no Brasil, mas o número estava fora de área.
Uma fonte no escritório americano confirmou a busca por informantes no Brasil, explicando se tratar de uma ação privada, sem ligação direta com o governo americano.
Criada em 1977, a lei anticorrupção norte-americana dá competência à Securities and Exchange Comission (SEC, órgão regulador do mercado de capitais americano) e ao Departamento de Justiça (DoJ) americano para investigar e punir atos de corrupção transnacional.
Os brasileiros passaram a ter maior familiaridade com a legislação anticorrupção americana recentemente, em função das investigações do DoJ e da SEC no caso Petrobras.
Como a estatal brasileira tem ações negociadas na bolsa americana, o enquadramento de administradores da companhia envolvidos em denúncias de corrupção no FCPA não está descartado.
A violação à lei anticorrupção nos EUA pode trazer consequências como multas à empresa, responsabilidade penal e, no caso de seus administradores e funcionários, detenção.
Os advogados do Franklin D'Azar parecem ter enxergado na crise da Petrobras uma janela para entrar no mercado brasileiro.
A devassa na estatal já detonou uma série de ações de investidores estrangeiros iniciadas por escritórios americanos especializados neste nicho, como o Rosen Law Firm e o Wolf Popper (em conjunto com o brasileiro Almeida Advogados).
A potencial recompensa está vinculada ao sucesso do governo americano na ação. As denúncias mediante recompensa foram institucionalizadas nos EUA em 2012, no chamado Whistleblower Bounty Program.
Nele, o informante que prestar informações à SEC que resultem em penas de mais de US$ 1 milhão fica apto a receber uma recompensa de 10% a 30% da multa.
Para incentivar as denúncias o governo americano garante tratamento confidencial aos depoimentos e proteção legal contra eventuais retaliações do empregador.
A partir do programa a SEC vem recebendo um número crescente de denúncias de corrupção e violações às leis do mercado de capitais americano: 3.001 em 2012, 3.238 em 2013 e 3.620 em 2014. O trabalho do regulador é separar o joio do trigo para definir que informações são consistentes a ponto de detonar uma investigação.
No mesmo período foram pagas 14 recompensas, nove delas apenas em 2014. Os valores variaram, mas as maiores recompensas foram de US$ 14 milhões e US$ 30 milhões.
Os dados foram levantados junto à SEC pela professora da universidade Vanderblit Law School, Amanda Rose, e apresentados em um evento na FGV.
A maior parte dos informantes de irregularidades corporativas nos EUA são empregados da companhia (40%); contratantes e consultores (20%); vítimas de fraude, pares da mesma indústria e pessoas próximas do acusado (40%).
No caso dos empregados, a maioria já havia feito denúncias à própria corporação. Além de 50 estados americanos, as delações já tiveram origem em outros 83 países.
O Brasil não tem participação ativa nessas denúncias, ao contrário de países como Índia, Reino Unido e Canadá.
Especialista em regulamentação de valores mobiliários corporativos, Amanda questiona os benefícios sociais das ações coletivas (class actions) contra companhias por investidores que se considerem prejudicados por falhas na divulgação de informações relevantes.
Ela pontua questões como o fato de as indenizações nessas ações serem pagas pelas companhias - e não pelos fraudadores - e, em última instância, cobradas dos próprios acionistas. Também questiona o efeito repressor em relação aos potenciais fraudadores.
No Brasil, a CVM estuda adotar uma espécie de delação premiada para o mercado de capitais. Para Carlos Lobo, sócio do Veirano Advogados, esse pode ser um instrumento importante para o desenvolvimento do mercado de capitais, desde que usado com moderação.
"Podemos ser beneficiados com a redução da impunidade, já que geralmente envolvem casos de difícil apuração", diz.
Intenção maléfica
Segundo o site Suborno Americano, o governo dos EUA procura por ações que caracterizam uma "intenção maléfica" ou que tenham por objetivo a indução da pessoa subornada a utilizar indevidamente sua posição para conquistar negócios.
A página traz um formulário em que os interessados devem dar seus dados, informar a empresa norte-americana envolvida, quando ocorreu o fato, se envolveu suborno, fraude ou roubo, seu cargo na época, descrição da má conduta e documentação capaz de comprovar suas declarações.
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