Documentos e testemunha
mostram que a
presidente Dilma avalizou o contrato de
montagem do Estaleiro Rio
Grande, envolvido
desde a sua origem em esquemas
fraudulentos e por onde
escoaram mais de R$
100 milhões em propinas para os cofres do PT
e aliados
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
Documentos e testemunha
mostram que a
presidente Dilma avalizou o contrato de
montagem do Estaleiro Rio
Grande, envolvido
desde a sua origem em esquemas
fraudulentos e por onde
escoaram mais de R$
100 milhões em propinas para os cofres do PT
e aliados
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
A Operação Lava Jato já concluiu que, a partir de 2010, pelo Estaleiro Rio Grande, escoaram propinas de cerca de R$ 100 milhões para os cofres do PT e aliados. A constatação foi extraída a partir de delações premiadas, dentre elas a do ex-gerente de Serviços da Petrobras, Pedro Barusco, e de Gerson Almada, vice-presidente da Engevix. A partir das próximas semanas, o Ministério Público terá acesso a um outro capítulo sobre as falcatruas que envolvem o estaleiro e, pela primeira vez, um documento com a assinatura da presidente Dilma Rousseff será apresentado aos procuradores que investigam o Petrolão. Trata-se do contrato que deu início a implementação do Estaleiro Rio Grande, em 2006. Dilma, na época ministra da Casa Civil, assina como testemunha. Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras e hoje na cadeia, assina como interveniente, uma espécie de avalista do negócio.
O documento será entregue aos procuradores por um ex-funcionário da Petrobras que resolveu colaborar com as investigações, desde que sua identidade seja preservada.
Ele atua há 30 anos no setor de petróleo e durante 20 anos trabalhou na Petrobras.
Além do contrato, essa nova testemunha vai revelar aos procuradores que desde a sua implementação o Estaleiro vem sendo usado para desviar recursos púbicos e favorecer empresas privadas a pedido do PT.
Na semana passada, a testemunha antecipou à ISTOÉ tudo o que pretende contar ao Ministério Público.
Disse que o contrato para a implementação do Estaleiro é fruto de uma “licitação fraudulenta, direcionada a pedido da cúpula do PT para favorecer a WTorre Engenharia”.
Afirmou que, depois de assinado o contrato, servidores da Petrobras “foram pressionados a aprovar uma sucessão de aditivos irregulares e a endossarem prestações de contas sem nenhuma comprovação ou visivelmente superfaturadas”.
Um mecanismo que teria lesado a estatal em mais de R$ 500 milhões.
O contrato que os procuradores irão receber foi assinado em 17 de agosto de 2006.
O documento tem 43 páginas e trata sobre a construção física do estaleiro. De acordo com as revelações feitas pelo ex-funcionário da Petrobras, para escapar do rigor da lei das licitações, a estatal incumbiu a Rio Bravo Investimentos DTVM de conduzir a concorrência.
O processo licitatório, segundo a testemunha, foi dirigido de modo que a WTorre superasse outras gigantes do setor e fechasse um negócio de R$ 222,9 milhões para erguer a infraestrutura física do estaleiro adequado à construção de plataformas semi-submersíveis.
“A Camargo Corrêa chegou a oferecer uma proposta melhor do que a da WTorre, mas depois a retirou e apresentou outra com valor muito maior”, lembra o ex-funcionário da estatal.
“A gente ouvia que a WTorre estava ajudando o PT em São Paulo e deveria ficar com a obra. Havia uma forte pressão da cúpula do PT”.
O ex-funcionário da Petrobras não diz nomes, mas os procuradores da Lava Jato têm informações de que o ex-ministro Antônio Palocci seria o consultor da WTorre nessa operação. Tanto Palocci como a empreiteira negam.
A WTorre afirma que participou de uma concorrência absolutamente regular, cumpriu com sua parte no contrato e posteriormente vendeu os direitos de exploração do estaleiro.
Finalizada a concorrência para a montagem do Estaleiro, a Rio Bravo voltou à cena, segundo a testemunha, tornando-se gestora do negócio e adquirindo os direitos decorrentes da construção e do contrato de locação por dez anos.
“A Rio Bravo converteu esses direitos em quotas do fundo imobiliário que foram adquiridos pela Petrobras (99%).
Deu-se então outra operação heterodoxa: uma emissão de certificados de recebíveis imobiliários (CRI), gerando assim uma receita antecipada para os envolvidos na negociação.
Em contratos públicos, normalmente a empreiteira só recebe após a comprovação de que realizou determinada etapa de uma obra.
Nesse caso, o dinheiro caiu antes na conta”, afirma a testemunha. De acordo com o ex-funcionário, “a Petrobras assumiu todo o risco e bancou 80% do empreendimento”.
Para o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho, toda a operação precisa ser apurada.
“A presidente Dilma referendou um contrato repleto de suspeição, fruto de uma operação extremamente nebulosa, ao lado de um ex-diretor da Petrobras que foi preso pela Operação Lava-Jato.
Caberá à CPI e à força-tarefa da Lava-Jato se debruçar sobre esse fato”, disse o parlamentar. Mendonça Filho ressalta que o contrato entre a Rio Bravo e o Estaleiro Rio Grande “é o primeiro documento nas investigações da Petrobras com a assinatura da então ministra e hoje presidente Dilma”.
Para o líder parlamentar, a Petrobras foi “irresponsável”. “Tudo isso mostra uma relação absolutamente promíscua, que claramente lesa o interesse da própria empresa e repete a conexão de alimentação ilegal do sistema político”, afirmou.
Ao revelar o que sabe para os procuradores da Lava Jato, a nova testemunha vai complicar a situação de Renato Duque e de Pedro Barusco.
Segundo o ex-funcionário da estatal, em sua delação premiada Barusco omitiu o que ocorrera antes da venda do Estaleiro pela WTorre a Engevix, que conduziu as negociações para a compra dos navios-sonda, que renderam propinas de R$ 40 milhões ao PT.
“A delação do Barusco se refere a algo posterior, depois que o estaleiro foi vendido pela WTorre para a Engevix e o Funcef. Mas, não sei por que razão, ele preferiu não dizer o que aconteceu antes disso”, disse o funcionário.
Barusco, segundo a testemunha, acompanhou a obra do estaleiro desde a assinatura do contrato de 2006.
“Tivemos algumas reuniões com ele. Era muito gentil e objetivo. Fazia perguntas técnicas sobre o projeto”, lembra.
Para o trabalho “político”, o sub de Renato Duque também tinha um sub, o gerente de Implementação de Projetos, Antonio Carlos Alvarez Justi, apelidado de Barusco do Barusco.
Outra fraude, revelada pelo ex-funcionário da Petrobras se refere a aditamentos milionários. De agosto de 2006 a setembro de 2010, segundo a testemunha, foram assinados 12 aditivos, tanto para reajuste do valor do contrato como para o alargamento de prazos.
Alguns desses aditivos, de acordo com a testemunha, foram justificáveis, outros não. “Sempre a decisão política prevaleceu sobre a técnica”, diz.
Em 2007, a Petrobras anunciou que encomendaria ao estaleiro, além das plataformas submersíveis, cascos de navios-sonda.
Com isso, o projeto precisou ser ampliado.
Foi firmado um novo contrato de R$ 216,8 milhões, totalizando R$ 440 milhões.
Em 2008, a WTorre entrou com pedido de um aditivo de R$ 365 milhões. “Criou-se uma comissão de negociação para avaliar o pleito e o Justi cobrou uma solução rápida.
Ele estipulou o prazo de 30 dias para a comissão analisar o pleito e elaborar a minuta do contrato, algo humanamente impossível”, revelou a testemunha.
Justi, de acordo com o funcionário, resistia a que o tema fosse levado ao Departamento Jurídico da Petrobras por não querer questionamentos.
Nesse caso, porém, uma comissão interna da estatal reagiu. Providenciou uma auditoria nas planilhas de custos apresentadas pela WTorre revelando que pelo menos R$ 150 milhões do total do aditivo solicitado eram injustificáveis.
“Eram valores sem comprovação. Custos forjados para superfaturar o valor do contrato”, afirmou o ex-funcionário.
Mas o alerta feito pela comissão interna da Petrobras não surtiu o efeito desejado.
Dois anos depois, conforme planilhas da Rio Bravo, o valor da obra alcançou R$ 711,6 milhões. E, graças a uma nova suplementação de recursos, ao final, a obra foi orçada em R$ 840 milhões.
Em 2010, foi anunciada a venda do Estaleiro Rio Grande para a Ecovix, uma companhia criada pela Engevix em parceria com o Funcef.
Embora o negócio só tenha sido oficializado em junho, há indícios de que a transação já estava acertada nos bastidores desde o início do ano.
A testemunha conta que Gerson Almada, vice-presidente da Engevix atualmente preso pela PF, foi comemorar o acerto num bar bastante reservado, localizado no interior de uma loja de bebidas no Centro do Rio. “Ele estava muito animado. Todos que estavam na mesa riam muito”, lembra.
Para formalizar o negócio da Engevix com a Funcef, segundo a testemunha, Almada teria recorrido novamente aos préstimos de “um cacique do PT”.
“O Almada nunca escondeu que contava com o apoio da cúpula do partido”, afirma a testemunha. À imprensa, a Engevix anunciou que todo o negócio envolvendo a compra do Estaleiro custou R$ 410 milhões. Para o ex-funcionário da estatal, “o valor real foi pelo menos o dobro.”
Com as revelações dessa nova testemunha, o Ministério Público deverá aprofundar a investigação em torno dos negócios envolvendo o Estaleiro Rio Grande. Os procuradores, no entanto, não poderão dar maior atenção ao fato de Dilma ter assinado o contrato.
Caso encontrem indícios de crime no documento, todas as provas serão submetidas ao STF, dado ao foro privilegiado da presidente, que não pode ser investigado em primeira instância. No universo político a reação é outra.
O deputado Mendonça Filho já adiantou que pedirá que a CPI entre no caso. A construção do Estaleiro Rio Grande já havia motivado requerimentos dos deputados Ivan Valente (PSOL-SP) e Eliziane Gama (PPS-MA).
Valente pedirá prioridade na convocação do ex-ministro Antonio Palocci, depois que reportagem publicada na semana passara por ISTOÉ revelou que ele teria intermediado repasses ao PT a partir de consultorias para a WTorre.
O fato de assinar o contrato não implica nenhum malfeito ou crime à presidente Dilma Rousseff. No entanto, especialistas ouvidos por ISTOÉ criticam o modelo de contratação do negócio e a participação da Petrobras como interveniente no contrato assinado por Dilma.
O advogado Roberto Schultz, especialista em contratações públicas, acha que é importante analisar, no conteúdo do contrato, em que base se deu a participação da Petrobras. Segundo ele, é incomum ver uma empresa estatal ou de economia mista entrando como um terceiro num contrato entre empresas privadas. Esse interveniente geralmente é um “avalista” do acordo para casos de descumprimento de obrigações contratuais.
“É muito raro. É difícil imaginar que alguém de uma empresa do porte da Petrobras colocaria seu carimbo em um contrato. Quando algo é muito feio você não diz que é feio, você diz que é diferente.
Acho que é o caso”, afirma. A presença de Dilma e da Petrobras no contrato, segundo ele, espelharia o nível de envolvimento desses agentes com o projeto. “Mostra que as empresas envolvidas têm muita força, muita influência política”, diz.
Schultz ressalta que “não faz sentido Dilma subscrever o contrato nem como ministra da Casa Civil nem como presidente do Conselho de Administração da Petrobras”. “Conselheiro não é um cargo de administração.”
Também atuante na área de contratos empresariais, a advogada Suelen Santos avalia como “atípica” a participação de autoridades públicas como “testemunhas” no contrato. No caso, apenas “sócios” ou administradores legitimamente constituídos deveriam avalizar o negócio.
Ela lembra que a presença de testemunhas é um requisito para casos de litígio. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República afirmou através de nota que a “instalação do Estaleiro Rio Grande é parte do programa de desenvolvimento da indústria naval brasileira.
A produção no Brasil de equipamentos e bens para a exploração do pré-sal constitui uma grande ação de governo, gerando emprego e renda, ampliando as condições de crescimento da economia”.
Com reportagem de Josie Jeronimo
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