Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES): 'Não é falta de lei. É falta de governo, é falta de Estado'(Waldemir Barreto/Ag. Senado)
A gente olha para aquelas barragens e parecem barragens que crianças fazem nas praias. São barragens feitas do próprio rejeito.
'Há
risco de desastres ainda maiores', diz senador que investigará tragédia de
Mariana
Ricardo Ferraço (PMDB-ES) critica
sucateamento do órgão responsável por monitorar as barragens de resíduos de
mineração no país: 'Desorganização do governo chegou a nível de colapso'
Pouco depois das 16 horas do dia 5 de
novembro, o distrito histórico de Bento Rodrigues, na cidade mineira de
Mariana, foi varrido do mapa por uma enxurrada de 62 bilhões de litros de lama
resultantes do rompimento de uma barragem da mineradora Samarco.
Outros sete
distritos de Mariana foram afetados. Doze pessoas morreram e moradores da
região continuam desaparecidos.
A fauna do rio Doce foi praticamente aniquilada
e não há estimativa segura sobre a possibilidade de revitalização da bacia
hidrográfica da região.
Em Brasília, a quase 700 quilômetros de distância da
tragédia, a presidente Dilma Rousseff nada fez de concreto - sobrevoou a região
do acidente apenas uma semana depois do rompimento das barragens.
No Congresso,
a esfacelada base aliada trava uma briga de foice para, nas eternas discussões
sobre um futuro marco regulatório da mineração, amealhar um naco dos
bilionários royalties do setor: nenhum interesse real em ampliar a fiscalização
das mineradoras, generosas doadoras nas últimas campanhas eleitorais.
Duas
semanas depois do pior desastre ambiental de que se tem notícia no país, o
Serviço Geológico do Brasil mapeia com preocupação os estragos do mar de lama.
Na Câmara dos Deputados, há mobilizações tímidas em torno de uma CPI e uma
comissão externa foi criada.
No Senado, também um conjunto de parlamentares se
propõe a mapear os estragos e responsabilidades do desastre. Para o relator
desse grupo, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), a tragédia era "anunciada",
já que governo e mineradoras se eximem ano após ano de fazer políticas
estruturadas para o setor.
A tragédia foi negligência do governo
federal? Ainda que não tivéssemos nenhuma informação
precisa a respeito do nível de fragilidade das barragens de rejeito no Estado
de Minas Gerais, essa é uma tragédia anunciada porque existem leis, um marco
legal.
A Lei 12.234, de setembro de 2010, estabelece todos os deveres,
responsabilidades e diretrizes de barragens e detalha a responsabilidade
evidente da companhia e do órgão público.
Para mim nessa tragédia está caracterizada
como uma omissão mútua. É claro que houve falha e omissão por parte da empresa
e também por parte do órgão fiscalizador.
O Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) está sucateado
há anos. O Departamento Nacional de
Produção Mineral é um órgão falido, abandonado e não tem recebido por parte do
governo qualquer atenção para que ele possa cumprir suas tarefas.
Ao DNPM foi
dada uma missão e não foram dados os meios para que ele pudesse cumprir a sua
missão. Não é falta de lei. É falta de governo, é falta de Estado.
O DNPM não tem sequer gasolina para
fiscais vistoriarem as barragens. O órgão sofreu ao longo do
tempo uma brutal desidratação.
O DNPM foi abandonado e hoje pode ser
classificado como 'a pão e mexerica', como se diz popularmente. Isso é
surpreendente porque a presidente da República, se não conhece, deveria
conhecer a realidade desses fatos, já que foi ministra de Minas e Energia e
chefe da Casa Civil.
Deveríamos ter um DNPM equipado, mas o desmonte do Estado
brasileiro coordenado pelos governos do PT desmontou tantos outros órgãos como
esse.
É bom que se diga que esses órgãos têm sido dirigidos por indicações
políticas, são acordos partidários e políticos que dominam as principais
diretorias dele.
O DNPM não é um órgão que tem sido respeitado dada a sua
importância. Só investiram 1,3 milhão de reais em fiscalização este ano.
O diretor de fiscalização da
atividade minerária do DNPM, Walter Lins Arcoverde, chegou a dizer que o órgão
não dá atestado de estabilidade.
O DNPM classificava essa
barragem da Samarco como barragem de baixo custo porque é gerenciada por uma
empresa de classe global, as duas maiores mineradoras do mundo - a australiana
BHP e a brasileira Vale.
É evidente que houve uma falha inaceitável.
Qualquer
coisa que essas companhias façam para mitigar os efeitos e as consequências
disso será muito pouco perto do prejuízo que estamos enfrentando em razão da
deterioração do Rio Doce, que é uma das mais importantes bacias do Brasil.
É
impressionante como uma presidente da República que, além de ministra de Minas
e Energia, teve seu fiel escudeiro Giles Azevedo como secretário nacional de Produção
Mineral, não saiba o nível de deterioração e de ausência de capacidade do DNPM
de cumprir a tarefa de fiscalizar.
A prova desse sucateamento do DNPM é o
próprio orçamento dele.
A desorganização do Estado brasileiro está chegando a
um nível de colapso.
O que o senhor achou dos valores
preliminares das multas impostas à Samarco? Ficou
comprovado o desleixo em relação a uma estratégia de contingência.
Em caso de
um acidente deste acontecer, quais são os melhores recursos para que vidas
humanas fossem poupadas? Há menos de um ano houve um acidente dessa natureza no
Canadá - até então o maior acidente do mundo - mas o volume de material sólido
e a água e rejeitos em Minas é duas vezes e meia o acidente no Canadá.
Historicamente temos o problema também de que grande parte dessas multas não
são efetivadas.
O governo federal dispõe de 30 bilhões de reais em multas por
crimes ambientais, das quais para apenas para 5 bilhões de reais não há mais
recursos. Ou seja, o governo sequer consegue cobrar as multas que pratica.
A presidente Dilma tem recebido
críticas porque, ao liberar o saque do FGTS para vítimas em Mariana,
classificou o episódio como "desastre natural" para fins de resgaste
do benefício.
É precipitado a presidente da
República baixar um decreto considerando isso um acidente natural.
Se é
natural, não é culpa de ninguém? Com base em que esse decreto da presidente da
República foi estruturado? Não é possível neste momento isentar quem quer que
seja da apuração e da atribuição de responsabilidades.
O leite está derramado.
A lama está derramada.
Sempre que o Congresso começa a
discutir o marco regulatório da mineração, o foco é a partilha de royalties, e
não políticas de mitigação de danos ou de proteção ambiental.
O Código de Mineração está tramitando há pelo menos cinco anos.
Ele está derrapando, andando de lado lá na Câmara e não tem considerado
questões estratégicas do setor de mineração.
Ele tem olhado para a questão do
quinhão, do quanto que é meu e do quanto que é seu.
Essa discussão não está
sendo séria.
Esse puxa e estica é o que dominou a cena desse código, que
adormece na Câmara dos Deputados à luz da necessidade de ser revistado.
Mas
sejamos sinceros, não é um problema de lei porque o problema das barragens não
é um problema específico do Código.
A lei é suficiente? É um problema de lei? Acho que não. O que não faltam no Brasil são
leis. O problema é a efetividade dessas leis.
O fato objetivo é que a mineração
no Brasil é olhada como uma coisa meio que marginal, acessória, ainda que seja
uma atividade que gerou no ano passado 80 bilhões de dólares e ainda que haja
responsabilidades, porque essas empresas pagam o royalty de mineração, o Cfem
(Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais), e parte desse
Cfem deveria ir para o órgão exatamente para estruturar essas políticas.
O Cfem não está sendo pago. De 2009 a 2011, as empresas deveriam ter recolhido ao DNPM 160
milhões de reais de Cfem. Desembolsaram apenas 23% disso.
Não repassam por
desorganização, por sonegação, porque ninguém gosta de pagar imposto, porque o
órgão não fiscaliza. A coisa é tão grave que o DNPM, por ausência de meios,
fazia fiscalização por amostragem.
Eles iam nas barragens de empresas menores,
mais vulneráveis, porque imaginavam que em empresas de classe global, como a
Samarco, estariam cuidando adequadamente.
Os presidentes da Vale e da BHP devem
ser chamados à responsabilidade? Acho que sim. A Samarco tem
dono, a Vale e a BHP. Além dos donos, tem um corpo executivo que precisa
responder por essas coisas.
Não queremos nos precipitar porque o presidente da
Vale não tem responsabilidade no dia a dia da empresa. Mas simbolicamente
evidentemente ele tem que ser chamado à responsabilidade.
Que tipo de trabalho a comissão
externa do Senado fará em relação à tragédia de Mariana?
A gente olha para aquelas barragens e parecem barragens que
crianças fazem nas praias. São barragens feitas do próprio rejeito.
A comissão
vai diagnosticar o cenário das barragens, verificar por que os acidentes
aconteceram e se propõe a fazer estudos para apontar caminhos para que esse
tipo de tragédia não aconteça.
Isso que aconteceu nessas barragens pode ser a
ponta do iceberg porque, se essas barragens estavam com esse nível de
fragilidade, e temos 660 barragens cadastradas no DNPM, qual é a real situação
dessas barragens de rejeitos Brasil afora?
Qual a garantia de que não vai
acontecer de novo? Nada é tão ruim que não possa piorar.
O que aconteceu é
ruim, mas o que pode acontecer é muito pior. A tragédia que aconteceu tem uma
dimensão inaceitável, mas precisamos ter a dimensão que pode acontecer mais
tragédias.
Não há hipótese de não esclarecermos todos esses fatos. Precisamos
de respostas para o que aconteceu.
É preciso que a gente avalie o grau de
compensação que a companhia está atribuindo às cidades, às pessoas, às vidas
humanas que foram ceifadas.
Queremos avaliar tudo o que aconteceu, a capacidade
da empresa, a atuação dela e a extensão do dano ambiental.
Não foi infeliz a Samarco dizer que
não é o caso de pedir desculpas pela tragédia? Acho que a empresa está errando desde o começo em sua estratégia
de relacionamento com a comunidade.
Com as pessoas e lideranças da região há
uma reclamação só: é como se a empresa achasse que está fazendo o máximo e não
tivesse a compreensão para entender que o máximo que ela fizer é o mínimo para
poder justificar isso que é injustificável.
Acidentes acontecem, mas acidentes
desse tipo não podem acontecer. Não tem porque acontecer.
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