“A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”
Duas
frases fundamentais de Ruy
Barbosa (1849-1923)
constam em notas de rodapé incluídas ao longo do documento da Câmara dos Deputados
que questiona a decisão tomada em dezembro pelo Supremo Tribunal Federal
sobre o rito de impeachment:
“A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a
quem recorrer.”
“Não falsifica a História somente quem inverte a verdade, senão também quem a
omite.”
Com a primeira, Ruy Barbosa prenunciava o golpe
do STF contra o Poder Legislativo para salvar o mandato de Dilma
Rousseff; com a segunda, as omissões do voto oral e escrito do
ministro Luís Roberto “Minha Posição” Barroso, conforme explicadas em
vídeo deste blog. (Assista AQUI.)
Os advogados da Câmara não poderiam ter escolhido melhor as
citações para o pedido de acolhimento dos embargos de declaração, com efeitos
modificativos.
Autor da Constituição de 1891, da Primeira República, Barbosa
foi quem dividiu o poder do Estado brasileiro em três – Executivo,
Legislativo e Judiciário -, dificultando sua concentração e minimizando os
riscos de uma ditadura. Maior entusiasta nacional da Constituição americana, o
baiano de Salvador a usou como modelo da nossa, escalonando ainda o poder em
três níveis – federal, estadual e municipal.
Ele também foi um defensor intransigente da língua
portuguesa e o segundo presidente da Academia Brasileira de Letras,
onde sucedeu Machado de Assis.
A ideia de que um ministro do STF esvazie de sentido a
palavra “eleita” de uma lei específica do impeachment (1079/1950) e a expressão
“e nas demais eleições” de um artigo (188, inciso III) do regimento da
Câmara ao qual a lei remete é o avesso da obra constitucional e intelectual de
Ruy Barbosa.
Pior ainda se o ministro o faz para anular uma sessão da chamada
Casa do Povo com base num artigo genérico (58) da Constituição sobre a
formação de comissões, que remete a outro artigo genérico do regimento
(33), que simplesmente não inclui a comissão especial do
impeachment em hipótese alguma.
A vitória do voto de Barroso foi a consolidação dos maiores
temores do “founding father” brasileiro: a ditadura do Poder Judiciário por
meio da invalidação da língua portuguesa.
2) O avesso 2
Nos Estados
Unidos, os republicanos tentam agora impedir o presidente Barack Obama de
abrasileirar a Suprema Corte do país nomeando mais um esquerdista para a
vaga do ministro conservador Antonin
Scalia, encontrado morto na cama de um resort no Texas no
último sábado (13), aos 79 anos.
Scalia foi o avesso americano de Barroso.
Pregava a interpretação da lei com base na literalidade
do texto, julgando que as palavras têm sentido e não cabe aos magistrados
subverter o significado delas para impor suas ideias ou ideologia.
Atropelar o Poder Legislativo? Nem pensar. Foi voto vencido na
decisão da Corte sobre o casamento gay, não por ser
ideologicamente contra a medida, mas por respeitar a separação dos
poderes e atribuir essas questões aos legisladores,
os representantes eleitos do povo.
A expressão “poor reasoning” (“fundamentação pobre”) com que se
referiu certa vez a uma decisão da ministra Ruth Bader Ginsburg,
nomeada por Bill Clinton, é uma amostra – perfeitamente aplicável ao voto de
Barroso – de como Scalia cobrava consistência da argumentação dos colegas.
Também sabia, no entanto, admitir seus erros. Quando a
mesma Ginsburg o confrontou por ter votado numa posição contrária à que tomara
noutro caso, defendeu-se citando o juiz Robert Jackson: “Não vejo por que eu
deva ficar conscientemente errado hoje porque, inconscientemente, estive errado
ontem”.
Esta é a frase que Barroso deveria citar ao rever os pontos
da decisão do STF sobre o rito do impeachment – mas até nos EUA a
incapacidade dos ministros brasileiros de rever posições já é
reconhecida.
O mais proeminente constitucionalista americano da atualidade,
Mark Tushnet, que tem analisado a transparência de cortes constitucionais de
diversos países, observou, segundo o Jota, “que o desenho institucional do Tribunal brasileiro não gera,
necessariamente, práticas deliberativas.
No caso do STF, os Ministros, ao
confrontarem-se com posicionamento discordante de seus pares, tendem a
enfatizar ainda mais a sua opinião, ao invés de suspendê-la, apreciar as
críticas e, eventualmente, mudar de orientação. Por isso, mudanças de voto são
tão raras no STF.
Tushnet atribui a diferença de
comportamento institucional entre os Ministros brasileiros e os Justicesamericanos à falta
de internalização pessoal por parte dos primeiros do conjunto de normas que
incentivam a deliberação”.
Tudo isso, na verdade, são também sintomas do aparelhamento
político (partidário e ideológico) da Corte, mas ok.
“Não adianta o modelo decisório
brasileiro ser público e favorecer a deliberação, se os Ministros não estiverem
imbuídos do objetivo de construir, coletiva e dialogicamente, a decisão. É
necessário, portanto, que se renuncie à intransigência, que pode satisfazer as
vaidades intelectual e midiática, mas que pode prejudicar a consistência das
decisões.”
Chamei a atenção para o mesmo fenômeno durante a cobertura em
tempo real daquela sessão do STF:
Que falta faz gente como Scalia no Brasil.
3) A expectativa
O documento
dos embargos, no entanto, é tão poderoso que, segundo o Valor, “há
uma expectativa real de que o STF possa rever alguns itens da decisão”,
“especialmente no que dizem respeito a prerrogativas da Câmara dos Deputados,
como a eleição secreta para a escolha da comissão especial”.
Escreve o repórter Raymundo Costa:
“Um problema do impeachment é a
linha sucessória da presidente Dilma. Pela ordem, o vice Michel Temer, o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros.
Os dois últimos respondem a quase uma dezena de processos, no âmbito da Lava-Jato.
O vice Temer não entrou na roda, mas é político, condição suficiente para
colocá-lo na linha de tiro.
O processo de impugnação da chapa
Dilma-Temer é outro elemento de pressão, sobretudo depois que o juiz Moro
informou ao TSE que há provas de que a propina financiou campanhas de 2014. Mas
o PT já está pronto para assestar as baterias contra as outras campanhas, que
tiveram a mesma fonte de financiamento.”
Os desdobramentos desses fatos, claro, também podem influenciar
a nova decisão do STF, onde a suprema política prevalece à literalidade da
lei.
Como diria Ruy Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a
desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os
poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da
honra, a ter vergonha de ser honesto.”
** Veja também aqui no
blog:
– O golpe do STF explicado em vídeo
– Câmara usa argumentos deste blog para reduzir a pó voto de Barroso sobre rito do impeachment
– Veja as malandragens de Barroso passo a passo
– A imprensa cai no papo de Barroso
– O golpe do STF explicado em vídeo
– Câmara usa argumentos deste blog para reduzir a pó voto de Barroso sobre rito do impeachment
– Veja as malandragens de Barroso passo a passo
– A imprensa cai no papo de Barroso
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