A leitura de um sismógrafo convencional num computador, numa imagem de arquivo. Os avanços da inteligência artificial vão permitir detectar um maior número de abalos FABRIZIO BENSCH/REUTERS
Uma equipa de Harvard desenvolveu um sistema de inteligência artificial que consegue detectar pequenos sismos ignorados pelos instrumentos convencionais. É um passo importante para conhecer melhor o risco sísmico de um território.
É difícil escutarmos uma conversa sussurrada numa sala barulhenta. E passa-se o mesmo com a detecção de sismos, onde a vibração permanente do solo, seja devido à actividade humana, ao ruído dos rios e das ondas ou mesmo a fenómenos atmosféricos, acaba por silenciar tremores de terra tão ligeiros que são dificilmente identificáveis. No entanto, estes pequenos abalos podem dizer muito sobre o risco sísmico de uma região.
Esta semana, porém, foi anunciado um importante avanço na detecção e localização de sismos de baixa magnitude. Uma equipa da Universidade de Harvard, nos EUA, publicou na quarta-feira no jornal Sciences Advances os resultados de uma experiência de aplicação de inteligência artificial na monitorização da actividade sísmica. Graças à técnica, foram detectados 17 vezes mais sismos do que com outros instrumentos.
O palco do ensaio foi o estado norte-americano do Oklahoma, uma área que tem intrigado os sismólogos nos últimos anos. A zona, no centro-sul dos EUA, fica muito longe de qualquer falha sísmica relevante e, até 2009, registava anualmente apenas dois abalos de magnitude superior a 3 graus na escala de Richter (valor a partir do qual um sismo é sentido, de forma leve, pela população). Em 2015, no entanto, tinham já sido registados 900 sismos de magnitude superior a 3, e o número actual mantém-se na casa das centenas.
O motivo, crêem os cientistas, estará no recente início da exploração de reservas de gás de xisto através da técnica de fracturamento hidráulico (fracking, em inglês). Um pouco por todo o Oklahoma, plataformas de extracção injectam água no solo a elevada pressão, de modo a fazer subir o gás à superfície. Tal como noutros países, e apesar do benefício económico, a técnica gera preocupação entre a população e os ambientalistas, que temem a contaminação dos solos e das águas, bem como a desestabilização dos terrenos. E existe de facto uma coincidência temporal entre a exploração de gás de xisto e a subida dramática do número de sismos no Oklahoma.
O fenómeno apanhou de surpresa os sismólogos da região, que não contam com um sistema extenso ou avançado de detecção sismográfica. Sem forma de identificar com rigor o número, magnitude e localização de milhares de abalos, torna-se mais difícil estudar o impacto do fracking no Oklahoma.
O que a equipa de Harvard fez foi aplicar uma tecnologia de inteligência artificial semelhante à dos softwares de detecção de voz que alimentam assistentes pessoais digitais como a Siri do iPhone, que aprendem a identificar ordens e a ignorar o ruído de fundo.
Uma rede neural artificial de aprendizagem profunda foi alimentada com os registos sismológicos históricos, em bruto, de áreas relativamente calmas como o Oklahoma pré-2009 ou o Wisconsin, um estado norte-americano onde o único sismo sentido pela população ocorreu em 1947. Com base nesses registos, o sistema aprendeu o que era mero ruído sísmico natural (a referida vibração resultante dos rios, das ondas, das tempestades ou da presença humana). Estudada a lição, o sistema analisou depois os registos de quatro meses do ano de 2014 no Oklahoma, já em plena crise sísmica, limpando o que era ruído e revelando centenas de pequenos abalos que dois outros métodos de detecção tradicionais tinham ignorado.
Tão relevante quanto a eficácia do software foi a rapidez com que obteve os resultados. O ConvNetQuake consegue ler num minuto a informação sísmica de uma semana. O segundo sistema mais rápido fê-lo em 48 minutos, com uma eficácia menor. O terceiro precisou de nove dias para processar a mesma quantidade de dados.
Esta ainda não é a ferramenta que vai prever a ocorrência de sismos. No entanto, a aplicação de inteligência artificial na detecção pode ajudar-nos a ouvir pistas que até hoje estava escondidas sob o ruído.
PEDRO GUERREIRO
Fonte: Publico
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