Toda medida de peso no mundo, seja quando você se pesa em uma balança na farmácia ou calcula a quantidade de açúcar na sua receita de bolo, tem como base um único objeto: um minúsculo cilindro feito de platina e irídio de 129 anos guardado em um cofre subterrâneo em Paris. Devido a sua enorme importância o artefato raramente é tirado de seu local.
Ele é conhecido como o Protótipo Internacional do Quilograma, ou IPK na sigla em inglês, e tem sido o padrão pelo qual os pesos do mundo são definidos desde sua criação em 1889.
Mas isso está prestes a mudar.
Depois de ter servido por tantos anos como padrão mundial para definir o quilo, na próxima sexta-feira, 16 de novembro, o Escritório Internacional de Pesos e Medidas irá finalmente aposentar o Protótipo (ou Le Grand K, como é conhecido localmente). Um congresso científico irá se reunir em Versalhes para votar a substituição deste artefato físico por uma definição do quilograma baseada em uma constante fundamental da natureza. Após a nova definição um quilo continuará sendo um quilo, mas seu valor agora terá como base critérios bem mais complexos.
Origens da padronização
A tentativa de definir unidades de medida por constantes tem suas origens na criação do sistema métrico durante a Revolução Francesa. O mantra revolucionário liberté, égalité, fraternité abarcou todas as dimensões da sociedade, inclusive a ciência.
O objetivo dos cientistas era criar um sistema mundial e padronizado, facilitando o comércio, trocas de conhecimento e abolindo de uma vez por todas as imprecisas medidas da idade média.
Sendo assim, o novo regime revolucionário definiu o quilograma como a massa de um decímetro cúbico de água (um decímetro sendo um décimo de metro), enquanto que o metro foi calculado como uma fração da distância entre o Polo Norte e o Equador.
Uma seção dessa linha imaginária que atravessa a Europa foi medida à mão, polegada por polegada, durante uma longa e exaustiva viagem de sete anos pelo continente.
Em 1798 o metro foi oficialmente redefinido como 1/10.000.000 da metade do meridiano da Terra.
De agora em diante, se algum país precisasse recriar seu próprio padrão, poderiam teoricamente medir essa distância por conta própria.
Mas já em 1870, um físico chamado James Clerk Maxwell alertava para o perigo dessa medida base.
A Terra poderia, eventualmente, contrair pelo resfriamento ou aumentar após uma chuva de meteoros, mudando assim o formato do planeta e, consequentemente, o comprimento do metro.
A busca por uma constância
Metrologistas continuaram suas buscas por unidades de medidas mais imutáveis e baseadas em constantes da natureza: quantidades numéricas ou físicas que os cientistas acreditam serem imutáveis em todo o universo.
Essas constantes formam o alicerce da física moderna: G para a constante gravitacional, c para a velocidade da luz e medidas mais desconhecidas como h, ou a constante de Planck, uma das constantes mais fundamentais da física moderna, a menor ação possível de um fóton e que ganha seu nome em homenagem a Max Planck, um dos fundadores da teoria quântica.
O metro foi a primeira unidade de medida a se modificar e ter sua definição baseada em uma constante.
Em 1960 o metro foi definido pelo comprimento de uma onda da luz e, em 1983, na 17ª convenção do Escritório Internacional de Pesos e Medidas (esta semana será o 26º), ganhou sua definição atual como “a extensão do caminho percorrido pela luz no vácuo durante um intervalo de tempo de 1/299.792.458 de segundo”.
Essas redefinições não tem como objetivo mudar a própria unidade, mas sim embasá-la em uma nova e imutável realidade.
Das sete unidades existentes no sistema métrico, apenas o quilograma não sofreu essa nova transformação.
O metro, o segundo, o ampere, o Kelvin, o mol e a candela foram todos modificados nas últimas décadas de acordo com diferentes constantes da física moderna.
Imutabilidade
Um dos principais problemas no uso de um artefato físico como a medida base para o quilograma é que todo objeto é mutável.
O próprio Le Grand K serve como prova. Embora o cilindro de quilograma seja feito de um dos materiais mais estáveis conhecidos pela ciência e manuseado com extremo cuidado – ele permaneceu intacto e no mesmo local por quase toda sua existência, envolto em um trio de frascos selados a vácuo – ele também inexplicavelmente perdeu cerca de 50 microgramas em massa, aproximadamente o peso de um único cílio.
A razão exata para essa discrepância é desconhecida, mas uma teoria é que o IPK possa ter sido contaminado de alguma forma em seu manuseio ou limpeza ao longo dos anos.
De acordo com os metrologistas, essas variações não afetam a legitimidade das métricas internacionais, mas impossibilitam a busca de uma precisão métrica infalível.
Para nossa vida diária a diferença de peso de um cílio é insignificante, mas inaceitável quando lidamos com medidas de alta precisão, tal como doses de remédios na indústria farmacêutica.
A Nova Medida
A nova definição a ser votada na convenção se baseia na constante de Planck. Embora o valor do quilograma não seja alterado, a redefinição do quilograma usando uma constante garantirá que ele permaneça confiável e possibilite medições de massa mais precisas no futuro.
A constante de Planck descreve o comportamento de partículas e ondas em escala atômica e depende de três unidades: o metro, o quilograma e o segundo.
Como o segundo e o metro são medidos e definidos pela velocidade da luz, eles podem ser usados com a constante fixa de Planck para definir um quilograma.
A constante de Planck, por sua vez, é medida através de um instrumento conhecido como balança Kibble, desenvolvido no Laboratório Nacional de Física do Reino Unido pelo físico Bryan Kibble, em 1975.
Apesar de sua enorme complexidade, a balança Kibble funciona de forma semelhante a uma balança tradicional, igual qualquer outra usada para pesar comida.
No entanto, balanças comuns pesam uma massa em comparação com outra massa, enquanto que a balança Kibble pesa a massa contra uma força eletromagnética altamente precisa.
Dessa forma, seria possível medir a massa de um lado da balança de Kibble pelo uso da constante de Planck.
É através dessa medição que os cientistas planejam criar uma nova definição para o quilograma, tendo como base a menor ação física possível no universo.
Se aprovada na convenção neste final de semana, a redefinição do quilograma entrará em vigor no Dia Mundial da Metrologia, no dia 20 de maio.
[The Verge, CNN, Global News]
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