Equipe brasileira: a pesquisa utilizou a vacina para febre amarela como base para novas vacinas (Gutemberg Brito/IOC)
Pesquisa usa 'células assassinas' que destroem as células infectadas pelo HIV. Em teste com macacos, maioria teve a doença controlada
Um estudo conduzido em conjunto por pesquisadores da Universidade de Miami e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) abre um novo caminho na pesquisa de uma vacina para o vírus HIV, causador da aids. O estudo, liderado por David Watkins, professor do Departamento de Patologia da Universidade de Miami, foi publicado esta semana no site da revista Nature. Ao invés de realizar testes com anticorpos, como tem sido feito atualmente, a equipe trabalhou com uma célula do sistema imunológico, a T CD8, considerada potencial "assassina" das células que reproduzem o HIV. "O vírus usa as células T CD4 como uma 'fábrica'", onde se replica, gerando mais vírus, que vão infectar outras células T CD4. A T CD8 mata as células infectadas", diz Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e integrante do grupo que conduziu a pesquisa.
CONHEÇA A PESQUISA
Título original: Vaccine-induced CD8+ T cells control AIDS virus replication
Onde foi divulgada: revista Nature
Quem fez: Myrna C. Bonaldo, Ricardo Galler, David B. Allison, Michael Piatak Jr, Ashley T. Haase, Jeffrey D. Lifson, Todd M. Allen e David I. Watkins
Instituição: Universidade de Miami e Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz
Dados de amostragem: 16 macacos rhesus, divididos em dois grupos
Resultado: 6 dos 8 macacos que receberam a vacina experimental se tornaram capazes de controlar o vírus SIV (correspondente ao HIV nos humanos) e não desenvolveram a doença. Entre os 8 que não foram vacinados, apenas 1 conseguiu controlar o vírus.
A inspiração veio da descoberta de um grupo de pessoas, os chamados "controladores de elite”, que possuem o vírus do HIV, mas não desenvolvem a aids. De acordo com Watkins, apenas uma a cada 300 pessoas infectadas pelo HIV pode controlar a replicação do vírus no organismo e não desenvolver a doença. O pesquisador conta que há cinco anos foi descoberto que entre macacos rhesus também havia aqueles capazes de controlar a replicação do SIV, vírus responsável pela aids nos primatas.
Estudos realizados com os controladores de elite mostraram que 70% deles possuía um genótipo em comum. Para descobrir se esse genótipo estava relacionado ao controle do vírus, a equipe desenvolveu vacinas que estimulavam a produção da T CD8 e aplicou apenas em macacos que possuíam esse genótipo específico (que é similar ao dos humanos). Em seguida, os macacos foram infectados com o vírus SIV.
"Quando o vírus começa a se multiplicar, as T CD8 impedem a replicação de células infectadas, mas isso leva um tempo, porque elas estão presentes em uma quantidade muito baixa inicialmente", afirmou Watkins ao site de VEJA. "O que nós fizemos foi colocar as células assassinas em maior quantidade no organismo antes do vírus chegar", completa.
Os macacos testados foram divididos em dois grupos de oito animais cada. Um grupo recebeu a vacina antes do vírus e o outro recebeu apenas o vírus. Entre os que foram vacinados, todos controlaram o vírus nas primeiras 10 semanas. Após esse período, em dois deles a quantidade de vírus começou a crescer. Os pesquisadores descobriram que isso ocorreu porque o vírus sofreu mutações que impediram que ele fosse reconhecido pela T CD8. Dessa forma, foram gerados 6 controladores de elite, enquanto no grupo que não foi vacinado, apenas um animal se mostrou capaz de controlar o vírus.
Genética - A variação no DNA encontrada na maior parte dos controladores de elite é identificada pelos códigos HLA-B*57 e HLA-B*27. Nas pessoas que possuem uma dessas variações, há uma espécie de ‘balde’ na superfície das células infectadas pelo HIV, que contém uma parte do vírus. É isso o que mostra para T CD8 que aquela célula está infectada e deve ser eliminada. Estima-se que uma a cada dez pessoas apresente esse genótipo, mas a porcentagem varia muito conforme a população analisada. “Não sabemos por que nem todo mundo que tem o genótipo é um controlador de elite. Isso ainda é um mistério”, lembra Myrna Bonaldo.
Participação brasileira - As vacinas foram criadas a partir de uma metodologia desenvolvida pela Fiocruz, que utiliza a vacina de febre amarela como “base” na qual são feitas modificações genéticas que podem levar ao combate de outras doenças. Além de Myrna Bonaldo, participaram do estudo outros três pesquisadores Brasileiros: Ricardo Galler (pesquisador de Bio-Manguinhos/Fiocruz), Marlon Santana (bolsista do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC/Fiocruz) e Maurício Martins (brasileiro que integra a equipe de David Watkins).
As vacinas continham partes do vírus SIV e estimulavam a produção de três variações da T CD8. A diferença entre elas é que cada uma tem como alvo, ou seja, é capaz de reconhecer, partes diferentes do vírus. “Podemos pensar no vírus como um colar, com uma longa sequência de pérolas, que são os aminoácidos. Cada tipo de TCD8 consegue identificar uma região com oito aminoácidos”, explica Watkins.
Expectativas - "Os resultados obtidos neste estudo podem ajudar o estabelecimento de estratégias de vacinação para o HIV", afirma Myrna Bonaldo. "Uma vacina eficaz provavelmente precisará incluir duas abordagens: tanto a de anticorpos neutralizantes quanto a de produção de células T CD8 protetoras."
Para Watkins, os próximos passos da pesquisa são descobrir qual das três variações de T CD8 é a mais eficaz para inibir a replicação do HIV e realizar testes em macacos que não possuem o genótipo específico.
O pesquisador prefere não fazer previsões sobre quando a vacina estará pronta para aplicação em massa. “Quando o vírus foi descoberto disseram que a gente teria a vacina em dois anos. Isso já faz 30 anos. Eu acho que vai demorar muito tempo para termos a vacina, mas isso não quer dizer que não possa acontecer uma descoberta no ano que vem que mude o jeito que a gente pensa sobre isso. Essa é a natureza da ciência”, afirma.
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