“Querido Sérgio, o que está havendo com a velha expressão ‘lindo de morrer’? Hoje é um tal de ‘lindo de viver’ pra cá, ‘linda de viver’ pra lá… Balançando entre a vida e a morte como todos os seres deste plano terreno, eu confesso que fico um pouquinho confusa! Outro dia falei que alguém era ‘lindo de morrer’ e me olharam feio, como se eu tivesse dito um palavrão. De onde veio essa mudança na nossa língua? Será que ela faz algum sentido?” (Maria Aparecida Simões)
Aqui do meu canto, só posso enviar a Maria Aparecida uma mensagem de solidariedade e lhe pedir que resista, resista bravamente. Fique à vontade usando a expressão que herdou de seus antepassados, “lindo de morrer”. Não faz sentido nenhum, por maior que seja a pressão social, ceder a um modismo vocabular tolinho como esse do “lindo de viver”. Força! O espírito da língua está ao seu lado.
Em primeiro lugar, convém esclarecer que, ao afirmar que algo ou alguém é “lindo de morrer”, queremos dizer que é tão bonito que se poderia morrer por ele. Claro que ninguém espera o cumprimento da ameaça ao pé da letra. O nome disso é hipérbole, o mesmo exagero encontrado, por exemplo, numa expressão como “morrer de rir” ou “morrer de susto”. Felizmente, não consta que haja uma campanha a favor de “viver de rir” e “viver de susto”. Na era dos modismos politicamente corretos, talvez seja questão de tempo.
Como achado poético não há nada errado em “lindo de viver”. Na canção “Copacabana boy”, Rita Lee diz: “O Rio continua lindo, lindo/ lindo de morrer/ lindo de viver”. O que tem sua graça. De todo modo, a cantora não pode ser acusada de inventar moda. Um passeio pelo Google deixa claro que a grande responsável pelo sucesso de “lindo de viver” foi Hebe Camargo (foto). A apresentadora de TV, que morreu ano passado, pode não ter criado a expressão, mas a transformou em marca registrada. “Quem morre não vê a lindeza que existe”, chegou a explicar sua preferência.
Até aí, com boa vontade, entende-se. Comunicadores gostam de lançar mão de bordões. O problema começa no momento em que se toma essa bijuteria vocabular como uma expressão mais “correta” e se passa, então, a corrigir quem usa a fórmula consagrada. Já se vê que a lógica por trás de “lindo de viver” é a do eufemismo, ou seja, a determinação de não mencionar a morte. O preço pago em expressividade, porém, é alto demais. A expressão espalhada por Hebe deixa a hipérbole totalmente sem sentido: viver não é atitude extrema, pelo contrário, é o normal, o esperado, o desejável.
No fundo, trata-se de uma grande bobagem. Quem gosta dela tem o direito de empregá-la, com base no princípio sagrado de que o uso que cada um faz da sua língua é pessoal – mas deve saber que, assim como julga os outros, também será julgado por isso.
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