Ricardo Hoffmann, preso nesta sexta-feira, teria lavado dinheiro para o ex-deputado André Vargas em troca de contratos milionários com órgãos do governo
A nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta sexta-feira pela Polícia Federal (PF), revela um duto de desvio de dinheiro público para partidos políticos até então desconhecido.
Se antes as investigações apuravam irregularidades nos negócios da Petrobras com empreiteiras, agora o alvo são contratos com agências de publicidade suspeitas de lavar dinheiro.
Um dos presos na nova fase é Ricardo Hoffmann, ex-vice-presidente da agência Borghi Lowe e investigado por ajudar a operar o esquema de corrupção do ex-deputado petista André Vargas dentro da filial da agência em Brasília. Vargas também foi preso nesta sexta, junto com seu irmão Leon e o ex-deputado Luís Argôlo.
Hoffmann é personagem mítico em Brasília.
Gaúcho natural de Cachoeira do Sul, mudou-se para Curitiba no fim dos anos 1970, onde trabalhou como jornalista freelancer antes de dar uma guinada na carreira para o ramo publicitário.
Começou como redator de agências de publicidade do Paraná e, devido à facilidade em transitar entre os clientes, passou para a área de atendimento - onde aprendeu os meandros das licitações públicas de empresas estaduais.
O talento peculiar em se relacionar com governos lhe rendeu o cargo de diretor da agência catarinense Máster em sua filial de Brasília, para onde se mudou em 1994.
Não demorou muito para que, instalado na capital federal, o publicitário se tornasse referência para quem que quisesse angariar contratos com órgãos públicos.
"Ele era especialista em combinar contatos políticos com bons resultados em licitações.
Agia, sobretudo, nos bastidores", afirma o sócio de uma agência em Brasília que preferiu não ter sua identidade revelada.
LEIA TAMBÉM:
Nos anos que separaram sua chegada à capital de sua entrada na Borghi Lowe (à época, o nome era Borghierh Lowe), Hoffmann foi executivo de diversas agências, como a DM9, a Newcomm e a Fischer.
Também partiu para o marketing político ao assessorar o ex-governador paranaense Roberto Requião (PMDB) em duas eleições.
Em 2007, um ano depois de a multinacional Lowe comprar a pequena agência Borghierh, o publicitário foi indicado pela diretoria da Lowe para assumir a chefia do escritório de Brasília.
Entre 2008 e 2009, a agência passou do 14º para o 4º lugar em faturamento e o número de clientes saltou de 12 para 25.
Um deles, em especial, trazia consigo um contrato de 260 milhões de reais: a Caixa.
Na briga ferrenha das agências responsáveis pelo atendimento do banco público, sempre causou estranheza que Hoffmann conseguisse sempre as melhores campanhas - entenda-se, as mais polpudas - como as da Loteria, consideradas o 'filet mignon' da Caixa porque são constantes e veiculadas nacionalmente.
Executivos de agências concorrentes, que ainda guardam certo ranço do talento de Hoffmann em conseguir contratos, contam que a avaliação para escolher a agência nem sempre era o menor preço.
Dizem que havia "critérios subjetivos" da comissão de seleção do banco.
LEIA TAMBÉM:
A competência técnica de Hoffman, tudo indica, estava longe de ser seu principal atrativo.
O Ministério Público Federal (MPF) apurou que, em troca de um bom cliente, a agência se dispunha a ajudar seus benfeitores valendo-se de artifícios ilegais, como a lavagem de dinheiro.
Segundo a decisão do juiz Sergio Moro, a Borghi Lowe solicitava a empresas subcontratadas que realizassem pagamentos vultosos sem contrapartida de serviços.
Tais repasses eram feitos às firmas LSI e Limiar, controladas pelos irmãos Vargas.
"Os fatos caracterizam, em princípio, crimes de corrupção, com comissões devidas à Borghi Lowe sendo direcionadas como propinas e sem causa lícita a André Vargas e aos irmãos deste por intermédio do estratagema fraudulento", afirmou o juiz.
Hoffmann é apontado como 'apadrinhado' de Vargas.
Coincidentemente, o Superintendente de Marketing da Caixa, o petista Clauir Luiz Santos, também nutre laços com o ex-deputado preso.
Um executivo do mercado publicitário disse, com certo ar de estupefação, que Hoffmann conseguia fazer Vargas, quando era vice-presidente da Câmara dos Deputados, defender pessoalmente seus interesses e interferir em licitações.
Depois de abocanhar a conta da Caixa, a agência levou o Ministério da Saúde - outro feudo de Vargas -, a Apex-Brasil e, mais recentemente, a BR Distribuidora e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES).
Os contratos publicitários da Borghi Lowe com a Caixa ganharam musculatura: dos 260 milhões de reais em 2008 passaram a 1 bilhão de reais em 2013.
Hoffmann deixou a agência no final do ano passado, quando as investigações da Lava Jato estavam adiantadas e empreiteiros eram conduzidos à carceragem da PF, em Curitiba.
Michael Wall, CEO da Lowe and Partners, holding que controla a agência brasileira, disse ao site de VEJA que o grupo foi notificado nesta sexta sobre a investigação.
"Nós estamos trabalhando em conjunto com a Borghi Lowe enquanto cooperamos com as investigações, e continuaremos a cooperar juntos", afirmou.
Coração petista - Apesar de viver em Brasília, Hoffmann mantinha laços saudosos com sua cidade-natal.
Entre 2009 e 2011, escreveu uma coluna no Jornal do Povo, principal veículo de comunicação de Cachoeira do Sul.
Nas páginas do diário, publicava crônicas curiosas de seu cotidiano, como a que descreve seu primeiro encontro com Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata à Presidência.
"Estar com a ministra Dilma Rousseff, ver de perto um verdadeiro exemplo de luta contra o câncer, comprovar que ainda existe gente bem-intencionada nesse país, constatar que o Brasil avança, se moderniza, se torna menos desigual e que poderá, sim, pela primeira vez, ter uma mulher na presidência da República foi o melhor presente que eu poderia ganhar no meu aniversário", escreveu.
Hoffmann é figura conhecida na cidade, que amanheceu espantada com a notícia de sua prisão.
A revelação de seu envolvimento com o maior escândalo de corrupção no país contrastou ferozmente com sua imagem de filantropo.
Desde a morte de sua mãe, a parteira Dora Hoffmann, o publicitário se tornou doador de diversas obras sociais do município.
Em 2008, ele chegou a devolver o carro que ganhou em uma rifa organizada pelo asilo com o qual contribuía mensalmente. Disse que não precisava do veículo.
Se ele falar - O publicitário deve ficar preso por cinco dias na carceragem da PF. Pessoas de seu convívio profissional o caracterizam como 'briguento' e 'truculento'.
Em seus 20 anos em Brasília, passaram por suas mãos ao menos uma dezena de clientes do governo - entre eles, o Banco do Brasil.
Isso faz do executivo uma espécie de Ricardo Pessoa do mercado publicitário.
Pessoa, dono da construtora UTC, é considerado a chave dos segredos mais sórdidos envolvendo o petrolão e os desvios de dinheiro da Petrobras para partidos políticos.
Está preso na Penitenciária Estadual do Paraná e ainda não assinou acordo de delação premiada. Se o fizer, Brasília pode se tornar um barril de pólvora.
Avesso aos holofotes, Hoffmann sempre preferiu a sombra. Diferentemente dos diretores de criação de agências, cujo ego muitas vezes transborda os limites da autopromoção, ele só ia a eventos se a necessidade fosse urgente.
Na articulação política, porém, agia com extrema desenvoltura. "Ele não é o típico cara que vai para o Festival de Cannes.
Ao que parece, ele é agora o que vai em cana', ironizou o sócio de uma grande agência que o conhecia no âmbito profissional.
Segundo esse publicitário, o setor temia que, cedo ou tarde, as gestões de Hoffmann na Caixa dessem errado.
A preocupação da classe, diz ele, é que o estigma de corrupção seja atrelado a todas as agências que prestam serviços para o governo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário