Petróleo e Cuba ajudam EUA a retomar protagonismo na América Latina
Três meses após assumir a Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama afirmou, em sua primeira Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, que inauguraria um novo capítulo nas relações entre seu país e a América Latina.
Seis anos depois e encerrada no sábado a primeira edição da cúpula com a presença de Cuba, no Panamá, ele parece mais próximo de cumprir o objetivo, segundo analistas e diplomatas.
Eles afirmam que a reaproximação entre Washington e Havana, que culminou no sábado na primeira reunião entre os presidentes americano e cubano em mais de meio século, esfriou uma das principais contendas entre os Estados Unidos e nações latino-americanas.
Na mesma semana, a Casa Branca ainda consolidou acordos que fortalecem sua posição na América Central e no Caribe e, ao anunciar a visita de Dilma Rousseff a Washington em 30 de junho, afastou a crise com a segunda maior economia das Américas, o Brasil.
Embora avaliem que Obama mereça créditos pelos feitos, especialistas afirmam que seus gestos foram facilitados por mudanças no cenário econômico das Américas: enquanto o Brasil e a Venezuela enfrentam problemas na economia e reduzem suas operações na vizinhança, os Estados Unidos voltam a crescer e ganham mais tração para atuar na região.
Efeitos em cadeia
Presidente do Inter-American Dialogue, um centro de pesquisas e debates em Washington, Michael Shifter diz que a retomada do diálogo entre Cuba e os Estados Unidos ajudará a melhorar as relações do governo americano com a maior parte da América Latina.
"Por décadas, a questão cubana foi bastante problemática, causando muito desgaste nos assuntos interamericanos", diz Shifter, que acompanhou o evento no Panamá.
Especulava-se que Obama pudesse anunciar na cúpula a retirada de Cuba da lista americana de Estados patrocinadores do terrorismo, o que não ocorreu.
Mesmo assim, os afagos trocados entre o americano e o líder cubano, Raúl Castro, ao longo do encontro sinalizam que os dois estão empenhados em aproximar seus países.
Shifter afirma, porém, que a mudança na política americana para Cuba "não significa que a relação de Washington com a região será livre de tensões e desconfiança". "Suspeitas e ressentimentos antigos não desaparecem da noite para o dia".
Na cúpula, muitos líderes esquerdistas - entre os quais Nicolás Maduro (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Daniel Ortega (Nicarágua) - celebraram a presença de Cuba no evento, mas fizeram duros discursos contra os Estados Unidos, destacando seu histórico de intervenções na região.
O maior alvo das críticas - endossadas inclusive por líderes mais moderados, como Dilma e Juan Manuel Santos (Colômbia) - foram as sanções que Washington aplicou no mês passado a sete autoridades venezuelanas. Segundo o governo americano, os funcionários sancionados violaram direitos humanos.
Shifter diz que criticar os Estados Unidos em eventos como esse ainda rende dividendos políticos a líderes latino-americanos, e que o tema venezuelano mostra que ainda há muitas diferenças entre Washington e a América Latina.
Ele diz acreditar, no entanto, que o acerto com Cuba deve ajudar a diminuir essas diferenças.
Queda no petróleo
Analistas avaliam que os ganhos americanos na vizinhança também refletem a queda nos preços do petróleo e seus impactos na Venezuela, um dos seus maiores desafetos na região.
Dona das maiores reservas petrolíferas do mundo e valendo-se dos altos preços da matéria-prima na última década, Caracas forjou uma aliança com vizinhos caribenhos, entre os quais Cuba, baseada na venda subsidiada do bem.
Em 2013, essa aliança - batizada de Petrocaribe - se associou à Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), bloco fundado uma década antes pelo então presidente venezuelano Hugo Chávez e que se tornara o principal bastião antiamericano da região.
A drástica queda no preço do petróleo nos últimos dez meses, porém, afetou a assistência venezuelana aos vizinhos e fragilizou a lealdade deles ao projeto político de Caracas, diz Ted Piccone, analista da Brookings Institution, em Washington.
Em artigo publicado em fevereiro, ele diz que a crise na Venezuela facilitou a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos ao forçar Havana a buscar alternativas à sua aliança econômica com Caracas. A Venezuela vende a Cuba cerca de 100 mil barris de petróleo ao dia por preços preferenciais.
Segundo um relatório do Banco Barclays, o colapso econômico na Venezuela também tem afetado o envio de petróleo subsidiado a outras nações caribenhas.
Atentos ao cenário, os Estados Unidos mexem suas peças. Em janeiro, o vice-presidente americano recebeu líderes caribenhos em Washington para discutir segurança energética.
E na véspera da cúpula no Panamá, Obama anunciou na Jamaica programas para financiar e transferir tecnologias em energia limpa e reduzir a dependência por combustíveis fósseis entre países da região.
Além de minar a "diplomacia petroleira" de Caracas, a iniciativa se alinha com uma das principais bandeiras do presidente americano: a necessidade de combater as mudanças climáticas e privilegiar fontes de energia limpa.
Acredita-se ainda que o fraco desempenho da economia brasileira nos últimos anos e a desaceleração na China tenha facilitado a superação das diferenças entre Brasília e Washington, causadas pelas denúncias de que Dilma fora espionada pela agência de segurança americana.
O episódio fez com que ela cancelasse uma visita que faria aos Estados Unidos em 2013, agora reagendada para o fim de junho.
Entre empresários brasileiros, vinham crescendo as cobranças para que o país se voltasse aos Estados Unidos para voltar a crescer.
O governo brasileiro chegou a condicionar a remarcação da visita a um pedido de desculpas da Casa Branca, mas acabou cedendo na posição.
Mudanças demográficas
Segundo um diplomata brasileiro nos Estados Unidos, a mudança da política americana para a região reflete ainda mudanças demográficas no país.
Há 50 anos, havia poucos milhões de hispânicos ou latinos nos Estados Unidos.
Por causa da imigração e de taxas de natalidade acima da média, o grupo hoje soma 57 milhões, ou 17% da população total. E o número deve continuar a crescer.
Esse movimento interno, diz o diplomata, força os Estados Unidos a olhar mais para a América Latina, apesar de preocupações mais urgentes no Oriente Médio, na China e no Chifre da África.
Outra transformação demográfica que favorece a nova postura da Casa Branca, diz ele, é o envelhecimento da geração de cubanos que migraram para os Estados Unidos e tradicionalmente defende uma linha dura contra Havana para forçar uma mudança de governo.
Essa visão, que influenciou gerações de políticos americanos, tem dado lugar às posições mais conciliatórias adotadas por cubano-americanos mais jovens e imigrantes latinos em geral.
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