• DOCUMENTOS EMITIDOS NA BAHIA ENTRE 1664 A 1889 PODERÃO SER ACESSADOS 'ON LINE'

 Livros antigos

Um projeto financiado pela Biblioteca Britânica vai digitalizar o material, que representa 1% do acervo do Arquivo Público

A escrava Isabel, que sequer tinha sobrenome, recebeu sua alforria em 22 de abril de 1816 – assim como sua filha, Eufrásia. Em 1853, foi a vez da também escrava Emília Nagô ter sua liberdade: comprada pela bagatela de 450 mil réis.

No mesmo ano, o Engenho de Maraçu publicava uma escritura com todos os seus escravos e Clara Eugênia Dias vendia uma casa de um único pavimento na região da Lapa a Manuel Felipe Bahia da Cunha por um pouco mais do que a compra da liberdade de Emília: 500 mil réis.

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Cartas de liberdade, escrituras de venda e compra de imóveis, procurações, contratos de casamento, atas de eleição… Por muito tempo, documentos como esses ficaram escondidos entre as paredes da sede do Arquivo Público do Estado, na Baixa de Quintas.


Mas a digitalização de cerca de 450 mil imagens de 900 livros de notas (também conhecidos como registros de cartório) de Salvador promete trazer muito da história da Bahia e do Brasil para a luz – além de facilitar a vida de estudiosos e do público geral.

Desde maio, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob o comando do professor João José Reis, em parceria com a Fundação Pedro Calmon e o Arquivo Público, começou a digitalizar o material, que é do período de 1664 a 1889. 

O projeto é financiado pela British Library (Biblioteca Britânica), através do programa Arquivos Ameaçados de Extinção.

Demanda
Ao todo, serão investidas cerca de £ 42 mil libras (algo em torno de R$ 200  mil), ao longo dos dois anos do projeto. Depois, quando tudo tiver sido digitalizado, ficará disponível online no site da British Library para ser acessado gratuitamente, de qualquer parte do mundo.

"A série documental escolhida para este projeto é fundamental para a escrita da história social e econômica da Bahia. São documentos que já vêm sendo usados há décadas pelos pesquisadores. 

E são, com frequência, consultados pelo público em busca de documentos sobre história familiar, cadeias sucessórias de imóveis, limites de propriedade, entre outros assuntos", explica o professor João José Reis, que é do Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Ufba.

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É difícil estimar quantas pessoas buscam os registros dos livros de notas, mas, segundo a diretora do Arquivo Público, Maria Teresa Matos, eles estão entre as principais buscas das cerca de 300 consultas que o órgão recebe por mês. Como todos são muito antigos e frágeis, o risco de perdê-los era grande.

"A digitalização não vai apenas ampliar o acesso das pessoas aos documentos, mas vai ser possível preservá-los".

Futuro
Hoje, quem quiser conferir um desses documentos precisa percorrer um caminho um tanto trabalhoso. Primeiro, é preciso ir até a sede do Arquivo Público, de segunda à sexta-feira, das 8h30 às 17h30 (e só é possível pedir livros até 16h30). Lá, o usuário preenche uma ficha e vai ser direcionado à pesquisa.

"Você pode pedir até cinco livros, mas só pode consultar um por vez para não misturar os documentos. Quando terminar com ele, os funcionários do arquivo darão o próximo. E não pode misturar documentos de setores diferentes", diz a coordenadora de pesquisa do Arquivo, Rita de Cássia Rosado. E nenhum item nunca sai de lá, já que não existem empréstimos.

No futuro, as coisas devem ser mais simples: bastará acessar o site da Biblioteca Britânica (http://www.bl.uk) e desfrutar de quantas páginas quiser, por quanto tempo tiver vontade. Até o trabalho dos funcionários do Arquivo deve ficar mais fácil.

"A gente não só vai deixar de manusear tanto quanto a própria leitura vai ser mais fácil. Aqui, a gente precisa da lupa, mas o próprio computador já tem ferramentas de aumento que vão facilitar, porque a leitura é muito difícil", comemora a bibliotecária Marlene Moreira, que estudou paleografia para decifrar alguns dos escritos dos livros de notas.

Técnica
Engana-se quem pensa que digitalizar um documento antigo é a mesma coisa que pegar um scanner qualquer, como desses que tem na impressora de casa. Normalmente, o método mais comum é usar um scanner planetário, que não precisa 'fechar' o livro que estiver sendo digitalizado.

"Tem uma luz que faz com que não precise dobrar, expor ao calor, nem agredir o documento de forma alguma", explica Maria Teresa. Só que, no caso do projeto dos livros de notas, o método é diferente, por exigência da British Library. Os livros ficam em uma mesa e são fotografados por uma câmera digital.

"Fizemos um livro de 390 páginas em duas horas e meia, mas a média é de uma hora. Se for um mais fragilizado, demora mais, porque precisa de duas pessoas para passar as páginas", diz o pesquisador Urano Andrade, que é um dos dois técnicos responsáveis pela reprodução.

Mesmo assim, ainda há uma longa estrada entre os quase nove quilômetros de documentos que o Arquivo Público possui. Apesar de 450 mil imagens ser um número que impressiona, representa cerca de 1% do acervo. Atualmente, o percentual de documentos digitalizados não chega a 2%.

Documentos sobre a Revolta dos Malês também serão digitalizados
Não são só os livros de notas que devem ficar disponíveis mais facilmente para consulta de pesquisadores e cidadãos no Arquivo Público do Estado em breve. Desde janeiro deste ano, documentos da Revolta dos Malês, que aconteceu em Salvador no ano de 1835, começaram a ser digitalizados pelos próprios funcionários do órgão.

Segundo a coordenadora de pesquisa do Arquivo Público, Rita de Cássia Rosado, os arquivos sobre a mobilização dos escravos de origem islâmica são tão populares quanto os registros de cartório. 

"É uma revolta muito estudada porque também teve uma repercussão muito grande. Eram escravos letrados que chegavam a ensinar os filhos dos senhores. Na época, os senhores tinham medo de que os escravos transformassem a Bahia no novo Haiti". 

Nessa época, a cidade de Salvador tinha cerca de metade de sua população composta por negros escravos ou libertos, das mais variadas culturas e procedências africanas, dentre as quais a islâmica, como os haussas e os nagôs. Por isso, os documentos são procurados até por estrangeiros.

"Já chegamos a receber aqui 15 embaixadores árabes para conhecer esses documentos, porque existem muitas orações. Muitos estão escritos em árabe", diz a diretora do Arquivo, Maria Teresa Matos. 

O projeto, que deve chegar ao fim em agosto, prevê a digitalização de 6.273 documentos. Até agora, cerca de 2,2 mil já foram concluídos.
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Fonte: Site Correio 24 horas


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