EDUARDO DIAS DA COSTA VILLAS BOAS:► "Não há possibilidade de intervenção militar"

Eduardo Dias da Costa Villas Bôas: "Não há possibilidade de intervenção militar" Exército brasileiro/Divulgação
Chimarrão à mão, falou sobre Comissão Nacional da Verdade, mudanças no Ministério da Defesa e a crise política que o país viveFoto: Exército brasileiro / Divulgação 10/10/2015 -

Natural de Cruz Alta, aos 63 anos o general lidera um efetivo de mais de 200 mil homens

Ao escolher o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas para comandar o Exército, a presidente Dilma Rousseff optou por um militar de perfil conciliador e de posições firmes. 

VB, como lhe chamam os amigos, é franco ao dizer que o Brasil “não se deu conta” da relevância da Amazônia, tampouco esconde preocupações com os cortes de orçamento que ameaçam projetos estratégicos das Forças Armadas. 

E assegura que não há chance de intervenção militar.


Natural de Cruz Alta, casado, três filhos e três netos, aos 63 anos Villas Bôas lidera um efetivo de mais de 200 mil homens. 

Desde fevereiro, exerce a principal função de uma carreira eclética, que se iniciou em 1967. 

Com origem na arma de Infantaria, foi instrutor, adido militar na China, chefe da assessoria parlamentar do Exército e Comandante Militar da Amazônia. 

Em 2014, respondia pelo Comando de Operações Terrestres, com atuação na estratégia de defesa da Copa do Mundo. 


Na última terça-feira, oito meses depois de assumir o Comando do Exército, Villas Bôas recebeu ZH para uma conversa em seu gabinete, em Brasília. Chimarrão à mão, falou sobre Comissão Nacional da Verdade, mudanças no Ministério da Defesa e a crise política que o país vive.
Qual o futuro do Exército?
O Brasil tem uma problemática de defesa complexa. Em pleno século 21, metade do território não está integrada ao desenvolvimento, com espaços vazios onde as Forças Armadas são a única presença do Estado, única alternativa de atendimento básico da população. 
Atuamos com a estratégia da presença. Por outro lado, o Brasil é uma das maiores economias do mundo, pleiteia assento no Conselho de Segurança da ONU (cinco países – China, França, Rússia, Estados Unidos e Reino Unido – têm cadeira permanente no colegiado voltado à resolução de conflitos, com direito a veto) e precisa de capacidade de projetar poder e influência. 
O país precisa de Forças Armadas com alto conteúdo tecnológico. 
Ao mesmo tempo em que temos de ser um Exército moderno, temos de ser um Exército de colonização.
Para ser moderno é preciso investimento. Os cortes de orçamento afetaram projetos estratégicos, como o Guarani (compra de blindados) e o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras)?
Os projetos estratégicos foram afetados com cortes de 40%. Nenhum foi cancelado, mas o ritmo foi alongado. 

Se imaginou que seria um soluço, mas hoje se sabe que o ano que vem será difícil, talvez 2017 também. 

No caso do Guarani, a empresa se preparou para produzir cem blindados por ano, mas se reestruturou para fazer 60. Se a gente não conseguir manter isso, perderemos recursos humanos. A tecnologia não fica em prateleira.


O Sisfron é um sistema para melhorar o controle da fronteira (era previsto investir R$ 12 bilhões em 10 anos). Sua implementação será alongada?
Estima-se que 80% da criminalidade urbana seja ligada ao tráfico de drogas. Pagamos o preço que nenhuma guerra cobra. Morrem por ano 54 mil pessoas assassinadas no Brasil, cem mulheres são estupradas por dia. É impressionante. 
Para mudar o quadro, é fundamental melhorar o controle da fronteira, que tem quase 17 mil quilômetros. Fisicamente, é impossível vigiar a fronteira, é preciso muita tecnologia aplicada. E o Sisfron foi a resposta para isso.
Mas quando o sistema de monitoramento estará pronto?
A previsão inicial era implementar em 10 anos, a partir de 2012. No ritmo que vinha, a conclusão seria em 2035, mas, com o ritmo de orçamento desse ano, vai para 2060. 

O Sisfron é resposta para muitos problemas que as autoridades precisam dar solução. De todos os projetos estratégicos, é o mais necessário para sociedade.


O período do país é conturbado por causa de uma crise política, algumas pessoas pedem intervenção militar constitucional. Isso existe?
Até queria saber como se faz uma intervenção militar constitucional. Isso não existe. Não interpreto isso como desejo de volta do governo militar, mas como a volta dos valores que as instituições militares representam. 
A sociedade perdeu disciplina social, senso de autoridade. 
O professor deve entrar na sala investido de autoridade, mas isso não é reconhecido, por exemplo. Ainda pesa uma imposição do politicamente correto.
Um novo golpe não está em gestação?
No aspecto legal, não há possibilidade de intervenção militar, golpe, nada disso. 

Quando me perguntam o que os militares vão fazer, digo: está escrito no artigo 142 da Constituição. Pautamos a postura do Exército para contribuir na estabilidade. 

Nossa crise é de caráter econômico, político e ético, mas as instituições funcionam, vamos sair da crise. Pautamos também a legalidade, todo e qualquer emprego do Exército tem de estar respaldado na legislação, e a legitimidade. 

Por fim, exigimos coesão, o Exército como um bloco monolítico. Não podemos permitir qualquer tipo de fissura na estrutura e no pessoal da ativa ou reserva.


Há coesão mesmo na reserva, que costuma ter posicionamentos mais polêmicos?
Muita, mas sempre há uma declaração ou outra, o universo é grande. Há pluralidade. 
O Brasil tem instituições consolidadas, é um país complexo, com sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser ter tutelada.
No ano passado, saiu o relatório da Comissão Nacional da Verdade. Há críticas de que as Forças Armadas não cooperaram com as investigações, e avaliações de que foi uma comissão da “meia verdade”. Qual a sua opinião?
No início, houve um entusiasmo para esclarecer tudo o que ocorreu. 
Depois, houve uma frustração da nossa parte quando a comissão se limitou no tempo em relação ao que foi criada (para apurar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988) e no campo de atuação, investigando somente os órgãos de Estado. 
O Exército cooperou, tudo o que foi instado a fornecer foi feito dentro do limite da lei. Apresentaram o relatório e consideramos o assunto superado.
O relatório reconciliou o país?
Espero que sim. Como não houve apuração dos dois lados, sempre ficam questões latentes. 
A gente considera superado. Veja só, temos um ministro da Defesa do partido comunista (Aldo Rebelo, do PC do B), já vencemos essas etapas históricas. 
A expectativa é a mais positiva possível para o ministro Aldo, que teve atuação parlamentar ligada a temas que nos dizem respeito, como Amazônia e soberania. 
Ele tem um viés nacionalista que nos identifica.
Ao falar da fronteira, o senhor citou números de uma guerra urbana. O Exército deve auxiliar na segurança pública?
A Constituição e as leis complementares são claras sobre e o emprego das Forças Armadas quando se verifica incapacidade e falência dos órgãos com responsabilidade para atuar. 

Esse emprego deve ser episódico e limitado no tempo, porque a estrutura e o preparo do Exército não são moldados para isso. No Complexo da Maré e do Alemão, no Rio, ou mesmo no Haiti, não é o Exército que vai resolver. 

A Força visa criar estabilidade e proporcionar condições para que outros órgãos implementem medidas que mudem a realidade do ambiente. 


A presença no Rio deu resultado?
Na Maré, quase nada foi feito por outros órgãos de Estado, até por dificuldades que todos os governos vivem. 
O que vai resolver não é o Exército. Os outros vetores mudam a realidade.
No Haiti, qual o saldo depois de 11 anos de missão (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, a Minustah)?
A contribuição é enorme, mas será que o Haiti está em condições de andar pelas próprias pernas? Pegamos a fase inicial, que foi muito violenta, pegamos dois furacões e o terremoto. 
Muito foi feito, mas não o suficiente. Estão ocorrendo eleições no Haiti, e espera-se que se consolide uma normalidade política. No próximo ano, a previsão é sair do Haiti.
O Exército vai atuar na estratégia de defesa da Olimpíada. Muda muito em relação à Copa?
A Olimpíada é muito mais complexa. Cada modalidade é uma Copa do Mundo. Temos muitas Copas simultâneas em um espaço de tempo restrito. A questão do terrorismo preocupa. 
O Brasil não tem tradição de terrorismo, mas os Jogos Olímpicos têm.
Como evitar um ataque terrorista?
Exige atenção redobrada. A essência do terrorismo não é o combate ao terrorista, mas impedir que o terrorismo ocorra. Todas as medidas de segurança e inteligência são tomadas. Haverá um trabalho intenso na fronteira. 
Estamos preparados, devemos empregar entre 18 mil e 20 mil homens só do Exército.
Alguns especialistas dizem que o Brasil não teria condições de responder a uma guerra. É uma constatação correta?
É preciso entender o papel das Forças Armadas. O papel essencial é da dissuasão. Quando a Força é empregada é porque algo falhou. 
A dissuasão não pode ser um blefe, exige capacidade operacional reconhecida. Daí, a necessidade de prosseguirmos com os grandes projetos estratégicos, como o submarino nuclear, a aviação de caça, os blindados.
Seu pai era militar (Antônio Villas Bôas foi coronel do Exército). Pesou na escolha da carreira?
Influenciou, porque vivi um ambiente militar. Também tive infância ligada ao campo, em Cruz Alta, onde a família da minha mãe tinha fazenda. 
O papa João Paulo II dizia que ninguém é universal se não amar a própria aldeia. Minha aldeia é Cruz Alta, meu lastro afetivo vem de lá.
O senhor ingressou no Exército em 1967. Pegou o início do regime militar, a redemocratização, governos tucanos e petistas. O Exército mudou em quase 50 anos?
Tem gente que diz que o Exército mudou, mas sempre foi o mesmo porque os valores de hierarquia e patriotismo são os mesmos. 
O Exército tem cultura apegada às tradições e valores, e isso estabelece o desafio de preservar a cultura e evoluir ao mesmo tempo.
Sua trajetória ficou marcada pela atuação na Amazônia. O que aprendeu lá?
Minha carreira tem dois períodos. A primeira parte foi em torno da Academia das Agulhas Negras, onde fui instrutor, e, depois, em torno da Amazônia. O exercício da profissão militar na Amazônia tem sabor diferente. 
A Amazônia é um passivo geo-histórico que o Brasil tem. Ela tem papéis importantes, e o Brasil não se deu conta.
Por que não seu deu conta?
Inicialmente, pelas dificuldades de caráter econômico e pela área de difícil acesso. Hoje, tem o problema do politicamente correto, o país se deixou aprisionar, não viabiliza ações na Amazônia para explorar recursos preservando, com foco no desenvolvimento da população. 
A história mostra que subdesenvolvimento é sinônimo de dano ambiental. Enquanto não se oferecer alternativas à população para que deixe de derrubar, vai ser difícil.
É um risco quando organizações internacionais dizem como proceder na Amazônia?
Há uma tentativa de quase congelar a Amazônia, um ambientalismo fundamentalista. Ficamos imobilizados para qualquer investimento. 
O Brasil é um país com dificuldades na produção de energia, nosso grande potencial ainda está na Amazônia, só que não se pode construir grandes reservatórios. 
As usinas não produzem energia no potencial máximo. Com isso, continuamos queimando carvão e petróleo e emitindo gases de efeito estufa.
O senhor foi adido militar na China. Trouxe boas ou más lições?
Morei há 21 anos na China, quando o PIB do Brasil era maior. Veja o que é o sentido de projeto, a capacidade de planejamento. 
O Brasil das décadas de 30 a 80 foi o país do mundo que mais cresceu, mas cometemos um erro. 
Durante a Guerra Fria, permitimos que o Brasil perdesse a coesão. É urgente recuperar o sentido de projeto. 
É plausível que a gente volte a viver uma Guerra Fria, não mais com base em ideologias tradicionais. Qualquer confronto tem fundo econômico, mas se reveste de outros aspectos para ter legitimidade.
Uma nova Guerra Fria?
Podemos ver China e Estados Unidos disputando recursos naturais. O Brasil precisa recuperar a coesão e impor os nossos projetos. 
Daí, a importância da Lei de Anistia, da Comissão da Verdade. Essas coisas precisam ser superadas para termos coesão nacional.
Em momento de corte de gastos, é adequado manter o pagamento de pensões como as pagas a filhas de militares?
Quando foi concedido o benefício, era outro contexto social e econômico. Hoje, só mantém as pensões quem tem direito adquirido, que não se pode mexer. 
As novas gerações já não têm essa pensão. Então, a tendência é equilibrar contribuição e gasto médio.
A Justiça Militar justifica seu custo? E necessário um foro para militares?
Algumas pessoas acusam que é muito cara, pois a comparam com a Justiça comum. Mas é fundamental para a preservação da disciplina e precisa existir em razão de questões da atuação do Exército. 
Se trabalha no sentido de aumentar o escopo de atuação da Justiça Militar. Um militar é transferido, ele entra na Justiça comum para não ser transferido e a decisão leva um tempo enorme. 
A ideia é de que esse tipo de caso vá para a Justiça Militar.
O senhor é descrito como um militar de diálogo. É o seu jeito de comandar?
O general Leônidas (Leônidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército, morto em junho) costumava dizer que hoje o exercício da profissão é mais difícil porque mecanismos de controle são maiores. 
Só hierarquia não é suficiente para tocar um empreendimento militar. Tem aquele estereótipo do militar carrancudo, para o qual durante a história os militares contribuíram, mas é um estereótipo que não corresponde mais à realidade.
Costuma-se falar na “solidão do comando”. É solitário comandar o Exército?
O comandante carrega a mochila da responsabilidade. Digo ao pessoal que trabalha comigo “não me deixem errar”, mas sei que a decisão é minha. É um peso, mas não sinto solidão. Sempre há grande receptividade. 
O único problema é orçamento e vencimento (folha salarial).
Há perspectiva de reajuste nos salários?
Havia perspectiva de escalonar um aumento a partir de janeiro, que foi postergada em sete meses. O problema é que a situação econômica é grave, isso nos aflige.
O Rio Grande do Sul tem forte presença militar. O futuro do Exército no Estado indica manter a presença ou levar unidades para outros lugares do país?
A confrontação estratégica do Prata, que ocorreu na colonização e após os processos de independência, resultou em um adensamento do dispositivo militar no Sul. 

Com o advento do Mercosul, a prioridade estratégica mudou para Amazônia. Em 1986, tínhamos efetivo de 6 mil militares na Amazônia, hoje temos 28 mil. No Sul, estamos preocupados com orçamento, talvez tenhamos de cortar unidades.


Vão fechar unidades no Estado?
Fechar unidades, o que é um processo traumático e doloroso. Temos de nos adequar ao limite do orçamento. 
O Comando Militar do Sul se diz “A Elite do Combate Convencional”, nossa força de blindados está lá. Santa Maria está se tornando um polo de defesa em razão da proatividade das lideranças, prefeito, empresas, universidades. 
Podemos diminuir quantitativamente no Estado, mas vamos evoluir qualitativamente.
Os cortes estão definidos?
São estudos em andamento. Definimos que o Exército fará redução de efetivo paulatina na ordem de 5% ao ano, mas não definimos até onde vai a diminuição. 
Mudanças importantes vão acontecer, e até o próximo ano teremos as definições.

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