Oficial do Exército cerca e INVADE PREFEITURA para COBRAR MELHORES SALÁRIOS e atendimento Médico. 26/10/2015
Original/Completo em http://www.sociedademilitar.com.br/wp/2015/10/aconteceu-comandante-cerca-prefeitura-e-exige-reajuste-para-militares.html
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Essa semana novamente surgiram reclamações relacionadas a questão
salarial dos militares. Muitos acham que é um absurdo que alguns militares
possuam salários diferenciados, desvinculados dos demais membros das Forças
Armadas. Dizem: _Se os militares são “UM SÓ CORPO”, deveriam compartilhar
tanto as dificuldades quanto os benefícios.
Essa situação ocorrida ha alguns anos ilustra bem a empatia, compaixão,
que um superior sente por seus subordinados.
“… Me ensinaram nas escolas militares que
o militar zela pelas condições de vida digna dos seus comandados, tanto quanto
pela manutenção da disciplina e dos deveres castrenses. Eu levei isso ao
máximo, talvez além. Eu cometi o crime para chamar a atenção de uma situação
injusta e hoje, sem medo de errar, negligente da época ...sobre a
situação da família de um sub-tenente de Cascavel que havia falecido e deixado
a viúva com quatro ou cinco filhos, e a família estava em petição de miséria.
…”
22 de outubro de 1987. Horário: 10 horas. Cerca
de 50 militares do 30º Batalhão de Infantaria Motorizado (BIMtz) desembarcam em
quatro viaturas em frente à Prefeitura de Apucarana, a 60 quilômetros de
Maringá, cercam o prédio e impedem a entrada e saída de pessoas. Na frente dos
homens armados com fuzis e pistolas está o capitão Luiz Fernando Walther de
Almeida, de 34 anos.
Comandando um grupo de soldados, ele invade o
gabinete do prefeito e entrega ao assessor uma carta de protesto contra
os salários baixos e deficiências no atendimento médico aos seus subordinados.
A ação chocou o País, O “fantasma” da ditadura, ainda estava bem
presente na memória da sociedade. Imprensa e lideranças políticas da época
repudiam a atitude, mas tudo indica que o protesto surtiu efeito. Na mesma
noite, o então presidente José Sarney anuncia, em rede nacional,reajuste de
25% para todos os militares do Exército, Marinha e Aeronáutica.
O comando do Exército, porém, diz que o aumento já
estava programado.
Entrevista: Data: 26 de janeiro de 2004.
Horário: 15 horas. Aos 50 anos de idade, Walther, tenente-coronel da reserva,
atua como chefe de segurança do principal shopping do Rio de Janeiro, onde vive
com a esposa e três filhos. Do escritório do shopping, fala por telefone sobre
o episódio e, pela primeira vez, dá a sua versão sobre a história. Lembrando de
todos os detalhes daquela manhã do dia 22 de outubro de 87, ele garante: estava
certo. “Me ensinaram nas escolas militares que o militar zela pelas condições de
vida digna dos seus comandados, tanto quanto pela manutenção da disciplina e
dos deveres castrenses. Eu levei isso ao máximo, talvez além. Eu cometi o crime
para chamar a atenção de uma situação injusta e hoje, sem medo de errar,
negligente da época”, afirma.
Perguntado?
– Como surgiu a idéia de cercar a prefeitura e protestar
contra os baixos salários da tropa?
Ele responder: Eu saí de uma reunião (no 30º BIMtz) em que foram lidos alguns
documentos, um dos quais dizia que o hospital não atenderia mais os conveniados
do Fusex (Fundo de Saúde do Exército) a partir do dia 31 de outubro, porque a
contribuição estava muito defasada. Outro documento informava que nós teríamos
que pagar a mudança dos uniformes, obrigatória naquele ano. Para ter uma idéia,
uma jaqueta verde-oliva custava um terço do que ganhava líquido um
terceiro-sargento. Foi lido nesse dia ainda sobre a situação da família de um
sub-tenente de Cascavel que havia falecido e deixado a viúva com quatro ou
cinco filhos, e a família estava em petição de miséria. É certo que o clima já
era de insatisfação.
Havia alguns antecedentes, por exemplo, a
mulher de um capitão que morava embaixo do meu apartamento teve uma fratura no
braço ou na perna, e esse capitão não tinha dinheiro para bancar o atendimento.
Os tenentes meus tinham bicicleta e não automóvel. Naquela manhã, quando saí do
auditório e me dirigi a minha subunidade (1ª Companhia de Fuzileiros), me reuni
com os quatro tenentes da companhia e comecei a falar com eles [sobre a situação].
Entrei num estado de desabafo, e eles ficaram quietos. Quando saíram da sala,
disse ao último deles: toque a campainha de alarme. Aí ele tocou o alarme e eu
mandei entrar em forma só com o equipamento leve [munição 762]. Ato contínuo,
puxei uma folha de rascunho e escrevi o protesto de próprio punho em 20
segundos. Então, comecei a pensar o que faria. Três coisas me passaram pela
cabeça: bloquear a rodovia em frente ao batalhão, fazer a operação em um meio
de comunicação ou cercar a prefeitura. Nesse tempo que a tropa estava se
preparando, eu tirei várias cópias do rascunho – já tinha decidido onde seria o
protesto.
– Pensou em desistir em algum momento? Senti três frios na espinha. Primeiro, quando vi a tropa pronta e liguei
a viatura; podia ter mandado desembarcar todo mundo. A segunda, quando ia sair
do quartel, que poderia não ter saído e voltado. A terceira, quando peguei a
estrada, que ainda dava para voltar, pois havia um retorno próximo ao quartel.
– E como foi ao chegar à prefeitura? Antes de sair, no quartel, os tenentes me perguntaram o que estava
acontecendo, porque estranharam minha reação quando a tropa estava pronta no
quartel. Disse que era um treinamento: defesa de ponto sensível. Eles
perguntaram onde. Disse que não sabia. Então, o tenente subcomandante da
companhia disse que o exercício estava errado, porque ele, como subcomandante,
não podia sair sem saber para onde. Então, peguei uma folha de papel e esbocei
para eles: aqui é a prefeitura, aqui a Câmara; o teu pelotão cerca por fora
aqui; o teu por fora ali; o teu ocupa a prefeitura por dentro, as janelas; e o
quarto pelotão, o de apoio [morteiro e metralhadora], não vai, porque vai ter
uma tarefa especial: distribuir os panfletos [na imprensa]. E tudo aconteceu
entre 9 e 10 horas da manhã. A ação durou de 10 a 15 minutos.
– E a reação dos funcionários da prefeitura? Todos dizem que eu chutei a porta do prefeito, mas não foi bem assim.
Estava com a metralhadora cruzada no peito, no gabinete do prefeito, que é
precedido por três entradas, frontal e duas laterais; e quando chegamos na
frontal perguntei pelo prefeito, disseram que não estava; perguntei pelo chefe
de gabinete, me mandaram para a direita; não tinha ninguém, voltei e fui para a
esquerda, procurando o Zanoni [Ariovaldo Zanoni, chefe do gabinete], quando
voltei na sala – você sob tensão faz coisas diferentes – em vez de bater com a
porta, eu bati com o coturno embaixo. A minha intenção era chamar atenção das
pessoas para abrir a porta. Realmente bati com o coturno debaixo da porta, mais
forte do que com a mão em cima, mas não queria derrubar a porta. O Kaminski
[Wilson Kaminski, assessor do prefeito] então disse que eu tinha enfiado o pé
na porta, o que não era verdade.
– Como foi a volta ao quartel? Quando voltei, me despedi e desarmei a tropa, procedimento normal de
exercício. Passei o comando ao tenente e, nesse momento, a tropa soube que fiz
o protesto. Só então falei para os soldados, elogiei a conduta deles e disse
que, junto com o exercício, tinha feito um protesto, e que seria severamente
punido por isso. Até me lembro bem que falei que fiz aquilo por amor ao
Exército. Dirigi-me ao major [subcomandante da unidade] e ele me prendeu porque
saí da unidade sem autorização. A partir daí, fiquei preso. Deixei-me punir,
porque assinei flagrante depois de 24 horas.
– Como foi a punição? A carreira foi muito afetada? Na carreira, a única coisa que afetou foi a não-promoção a coronel (fui
para a reserva como tenente-coronel). Quanto à punição, fui a julgamento em
Curitiba, na 5ª Circunscrição Judiciária Militar, tendo sido condenado a três
anos de prisão. Daí, fui julgado no Superior Tribunal Militar, em Brasília,
onde a pena caiu para oito meses. Então, acabei beneficiado por indulto
natalino e cumpri apenas cinco meses de prisão.
Nesse período, fiquei deslocado da família por dois
anos, porque o Exército cometeu vários abusos. Me transferiram para Curitiba –
um capitão do Exército com três filhos pequenos, o mais velho com 10 anos -, e
me fizeram deixar a família em Apucarana, sem clima para ela. Em 88, a minha
mulher e os filhos foram morar em Ribeirão Preto (SP). Eu ainda voltei em 89
para Apucarana, porque me deixaram numa situação esquisita, esdrúxula; fiquei
em Curitiba baseado como militar do 30º BIMtz, sem receber transferência, sem
receber pela mudança. Fiquei lá à disposição da Justiça, deslocado.
– O reajuste concedido na época foi reflexo do
protesto? Em uma entrevista à Folha (Folha de S.
Paulo), o então ministro da Fazenda Bresser Pereira, demissionário do cargo,
falou sobre esse aumento aos militares e disse que o reajuste foi um absurdo (a
situação econômica do País não permitia). O Exército, por sua vez, disse que o
aumento já estava garantido…
– Como o senhor avalia as conseqüências? Me ensinaram nas escolas militares que o militar zela pelas condições de
vida digna dos seus comandados, tanto quanto pela manutenção da disciplina e
dos deveres castrenses. Eu levei isso ao máximo, talvez além. Eu cometi o crime
para chamar a atenção de uma situação injusta e hoje, sem medo de errar,
negligente da época. Hoje sou tenente-coronel e sei muito bem o que aquele
capitão fez e eu sabia que ele ia pagar por aquilo; eu digo que ele pagou o
preço disso.
– O senhor faria de novo? [Hesitação] Olha, só digo que não tenho arrependimento. Já coragem para
fazer [pausa], mas tive outras bravatas, na verdade, nunca deixei de ser aquele
capitão, não. Eu nunca deixei de ser. É claro que a idade pesa. Até pouco
tempo, essa história me emocionava muito, mas o hoje o tempo fez com que esse
episódio fizesse parte da lembrança boa da minha vida. Hoje, sou conhecido por
aquela atitude. Aquilo que fiz foi realmente ímpeto, coragem e ética, porque
decidi contra mim o tempo todo, contra a minha família. O saldo foi positivo.
Eu não dediquei ao Exército, apesar de ter dito aquilo naquela hora à tropa.
Foi para quem eu comandava; eles sabem que fiz por eles. Quando lembro de certas
coisas tenho certeza de que deveria ter feito. O meu subtenente, por exemplo.
Ele servia numa cidade e a família noutra. A família estava em Curitiba. Nos 15
anos da filha dele – ele não esquece da festa da filha -, porque não tinha
condições financeiras nem o Exército oferecia tratamento para corrigir os
dentes da menina, que eram para a frente. Ele não tinha como resolver aquilo e
sofria barbaridade por causa disso. Hoje, as coisas mudaram.
– O senhor acha que passou pela cabeça das pessoas e governantes
da época o fantasma da ditadura? Não tive o menor apoio dos setores da
esquerda local, como a própria Igreja, que me viram como filhote da ditadura e
se equivocaram. Mas eu estava defendendo os interesses dos mais simples e não
de nenhum graúdo. Embora os generais também ganhassem 25% de reajuste naquela
noite, não foi neles que estava pensando. Estava pensando nos meus comandados,
que não tinham dinheiro para cuidar dos dentes dos filhos. Nunca fui líder
sindical (risos), mas acho que ninguém conseguiu um reajuste desses. Eles dizem
que já tinham dado o reajuste, mas…
– A repercussão surpreendeu o senhor? Esse episódio aconteceu às 10 horas da manhã. Quando saí da prefeitura,
o Kaminski ligou para o Scarpelini [Carlos Scarpelini, prefeito da época], que
estava no gabinete do irmão [deputado José Domingos Scarpelini]. Um ligou para
o governador Alvaro Dias e outro para um deputado federal do Paraná em
Brasília. Esse parlamentar, então, foi ao Congresso, onde estava sendo
discutida por deputados e senadores a Constituinte [aprovada em 88]; ele pediu
a palavra na tribuna e disse: ‘senhores, eu acabo de tomar conhecimento que
neste momento está havendo uma rebelião militar no Paraná, em Apucarana’.
Quando o presidente José Sarney soube, o serviço de
informações do Exército ainda não sabia. O presidente ficou de 10h30 até às
14h30 sem saber o que estava acontecendo de fato. Ninguém sabia por quatro
horas o que estava ocorrendo e isso é muita coisa! O presidente ficar por
quatro horas sem saber o que estava acontecendo? Isso porque o ministro do
Exército estava na China; meu comandante não estava, tinha viajado para
Marechal Hermes (SC) para realizar reconhecimento da área onde ocorreriam
manobras do Comando Militar do Sul.
Neste reconhecimento, estavam também o comandante do
Comando Militar do Sul e o comandante da 5ª Brigada Militar, de Cascavel. Eles
não tinham comunicação, pois estavam no meio do mato. Um avião então foi buscar
o general do Comando. Enquanto os comandantes não falam, ninguém sabe o que
acontece. O mais alto escalão do País, portanto, não sabia o que estava
ocorrendo. Pode pesquisar: nesse dia estava prevista a posse de dois ministros,
o que foi cancelado. Daí, às 20 horas, anuncia pelo Jornal Nacional o reajuste
de 25% aos militares e dizem que o aumento já estava dado e que me precipitei,
sei lá…
– O senhor encerrou a carreira como tenente-coronel. Isso
não lhe frustrou? Eu poderia ter seguido. Eu fiz a Escola
de Comando do Estado Maior do Exército, que prepara os generais. O problema é
que não me reabilitei judicialmente. Achava que de alguma forma o Exército iria
me reabilitar. Não tenho mágoa por isso. Eu não pedi reabilitação judicial, o
que deveria ter feito dez anos atrás e só fiz no ano passado, quando não tinha
tempo útil para reverter mais nada. Eu deixei o barco andar. Walther, na época:
“Me viram como filhote da ditadura”.
Dados de: Entrev. Public. em Tribuna do Norte (2004) e republicada
emjornalmateriaprima.jex.com.br/ Associação Nac. de pesquisa em Cienc.Sociais.
Artigo:RELAÇÕES CIVIL-MILITARES NO 1º GOV. DA TRANSIÇÃO BRASIL. – Uma
democracia tutelada (*) Jorge Zaverucha.
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