CONDUZIDO - Por segurança, a
força-tarefa da Lava-Jato ouviu o depoimento de Lula no Aeroporto de Congonhas
A sociedade secreta de Lula com as empreiteiras envolvidas no
escândalo de corrupção da Petrobras rendeu favores, mordomias e mais de 40
milhões de reais ao ex-presidente
(MARCOS BIZZOTTO/Estadão Conteúdo)
Durante anos, o ex-presidente Lula
esforçou-se para manter viva a imagem do homem comum, do político honesto que
exerceu o poder em sua plenitude e permaneceu impermeável às tentações. Para os
incautos, ele morava até hoje no mesmo apartamento modesto em São Bernardo do
Campo (SP) e conservava hábitos simples, como carregar na cabeça uma caixa de
isopor cheia de cerveja. Longe dos holofotes, Lula se acostumou com a vida
faustosa. Longe dos holofotes, o petista cultivava hábitos sofisticados. Longe
dos holofotes, o petista se tornou milionário. E a origem do dinheiro que ele
acumulou, em boa parte, está nas empreiteiras acusadas de participar do
bilionário esquema de desvio de dinheiro da Petrobras, criado em seu governo. O
mito começou a desabar quando as investigações da Lava-Jato revelaram os
primeiros sinais de que o ex-presidente, seus filhos, parentes, amigos e
aliados estavam todos esparramados de alguma forma na gigantesca bacia da
corrupção.
Para além do apartamento de São
Bernardo, o Lula mais próximo da realidade havia comprado um apartamento
tríplex de frente para o mar do Guarujá, no litoral paulista, e um sítio nas
montanhas de Atibaia, no interior do estado. As duas propriedades, porém, nunca
estiveram em nome dele. Ambas foram reformadas e equipadas por empreiteiras do
petrolão. O sítio, para o qual Lula enviou parte de sua mudança logo após
deixar o Planalto, está até hoje em nome de dois sócios de Fábio Luís da Silva,
o Lulinha, o filho mais velho do ex-presidente. E o tríplex nunca saiu do nome
da OAS, uma das maiores companhias acusadas de distribuir propinas a partidos e
políticos em troca de contratos na Petrobras. Em 2015, reportagens de VEJA
abriram caminho para o que resultaria na mais constrangedora cena da vida de um
político.
Até a semana passada, o ex-presidente
continuava negando peremptoriamente ser o dono do sítio e do tríplex. Os
policiais e procuradores, porém, não têm dúvidas de que saiu dos cofres das
empreiteiras do petrolão o dinheiro usado para comprar o sítio em 2010, meses
antes de Lula deixar o Planalto. Um presente que, suspeitam os investigadores, Lula
teria recebido quando ainda era presidente, o que configuraria crime de
corrupção e improbidade administrativa. As empreiteiras também cuidaram dos
detalhes para que a propriedade ficasse ao gosto de Lula e de sua família.
Bancaram as obras no sítio, como a construção de uma nova sede com quatro
confortáveis suítes e de um tanque para pescaria. Pagaram até a mobília. Os
móveis da cozinha foram encomendados pela OAS em uma loja de luxo.
A história do tríplex enreda Lula
ainda mais nas tramoias das empreiteiras do petrolão. Como VEJA revelou, foi o
ex-presidente quem convenceu a OAS a assumir as obras deixadas para trás pela
Bancoop, cooperativa que foi à bancarrota após desviar o dinheiro de milhares
de associados para os cofres do PT. Pedido de Lula, sabe-se agora, era ordem, e
a OAS topou. Um dos projetos assumidos pela empreiteira foi justamente o do
Edifício Solaris, no Guarujá, onde o ex-presidente teria uma unidade. A OAS não
só evitou o prejuízo a Lula, tirando o projeto do prédio do papel, como aproveitou
a oportunidade para afagar o petista. Reservou para ele um tríplex, na
cobertura do edifício - e cuidou para que, a exemplo do sítio, o apartamento
ficasse ao gosto da família. A empreiteira investiu quase 800 000 reais apenas
numa reforma, que deixou o imóvel com um elevador privativo e equipamentos de
lazer de primeiríssima qualidade. Sem constrangimento, Lula e a
ex-primeira-dama Marisa visitaram as obras na companhia de Léo Pinheiro, o ex-presidente
da OAS. Tudo estava ajustado para que a família logo começasse a desfrutar o
apartamento. Mas veio a Lava-Jato e os planos mudaram. Lula, então, passou a
dizer que tinha apenas uma opção de compra do apartamento - e que desistira do
negócio. O argumento não convenceu a polícia.
Paralelamente, a Lava-Jato também
mapeou as transações financeiras do ex-presidente. No ano passado, VEJA
revelou que a LILS, empresa de palestras aberta por Lula logo após deixar o
Planalto, recebera 10 milhões de reais só das empreiteiras do petrolão. Agora,
as transações foram anexadas à investigação como indício de que os pagamentos,
na verdade, serviram para maquiar vantagens indevidas que o presidente recebeu
por "serviços" prestados às empreiteiras. Executivos da OAS ouvidos
pela Lava-Jato, por exemplo, disseram à polícia que não se recordavam de
palestras do ex-presidente na empreiteira - no papel, a OAS pagou 1,2 milhão de
reais à LILS. A empresa de palestras não era a única fonte dos repasses
milionários a Lula, que teve seus sigilos fiscal e bancário quebrados pelo juiz
Sergio Moro. O Instituto Lula, entidade sem fins lucrativos criada pelo petista
com o propósito altruísta de acabar com a fome na África e desenvolver a
América Latina, também era destinatário de repasses milionários das companhias
que fraudaram a Petrobras. Dos 34,9 milhões de reais recebidos pelo instituto
entre 2011 e 2014 a título de doações, 20,7 milhões foram repassados pela
Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez, todas
investigadas. A farra acabou. Disse o Ministério Público Federal no pedido que
resultou na condução coercitiva do ex-presidente: "Há elementos de prova
de que Lula tinha ciência do esquema criminoso engendrado em desfavor da
Petrobras, e também de que recebeu, direta e indiretamente, vantagens indevidas
decorrentes dessa estrutura delituosa".
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