Parlamento se deixa humilhar
mais do que durante a ditadura
Se
não fui o primeiro, certamente estive entre os três primeiros que reagiram mal
quando o Congresso decidiu mudar a distribuição dos royalties dos campos já
licitados.
Sim, tratava-se mesmo de um absurdo — que o governo Lula e a então
ministra e já pré-candidata à Presidência pelo PT, Dilma Rousseff, deixaram
prosperar porque não queriam comprar briga com a maioria do Parlamento (afinal,
há mais estados não produtores e brasileiros que neles vivem do que o
contrário) e com a maioria dos eleitores.
Ou por outra: por questões primeiro eleitorais e, depois, para
“manter unida a base”, os petistas decidiram não decidir nada para ver no que a
coisa daria. Por um misto de covardia, populismo e cálculo, o governo se negou
a fazer política. Se o Rio — estado que, de fato, conta na mobilização de
opiniões — e o Espírito Santo tivessem se limitado ao mero muxoxo, menos mau…
Ocorre que setores influentes da imprensa compraram “a causa do
Rio”, como de hábito. Sim, eu a considero uma boa causa (ocorre que também se
compram as más, mas deixo pra outra hora…).
E Dilma teve de se mexer. Ao fazê-lo, constatamos que o Congresso
Brasileiro está de cócoras, não serve pra nada, tornou-se mero caudatário tanto
das hesitações como dos arroubos do governo. Tem menos voz hoje do que tinha
durante a ditadura, quando o país era governado por decretos-lei. Por que
afirmo isso?
Mais
uma vez, Dilma Rousseff humilha o Congresso, que, não obstante, se deixa
humilhar. Repete-se agora, com o veto sobre os royalties do petróleo, o
procedimento empregado no caso do Código Florestal. Vejamos.
Nos dois casos, o governo não mobilizou adequadamente a folgada
maioria de que dispõe; nos dois casos, os líderes do governo e do partido
oficial nas duas Casas não sabiam que orientação dar porque, a rigor, não
tinham orientação nenhuma; mais uma vez, o Planalto não lutou claramente por
uma proposta, limitando-se a expressar seus desejos pelos jornais. Vamos ver,
então, como ficam as coisas.
O
Congresso aprova uma coisa. Dilma veta — e tal veto, por óbvio, pode ser
apreciado e derrubado pelo próprio Congresso. Antes, no entanto, que isso
aconteça, a Magnífica edita uma Medida Provisória e, só aí, sem negociar com
ninguém, faz valer a sua vontade. Entenderam, então, a sequência?
Ora, Congresso pra quê? E se,
na vigência de uma Medida Provisória, o Congresso derrubar o veto presidencial?
A oposição, que já costuma ser pouco atuante — com as exceções de praxe —, fica
ainda mais vendida em casos assim porque são temas que não obedecem à clivagem
do governismo e do antigovernismo; também ela se divide em assuntos assim.
Sai arranhada é a imagem de uma instituição,
de um Poder: o Legislativo. Dilma acaba tendo, assim, um instrumento ainda mais
efetivo de governo do que o decreto-lei.
E pode ser pior
Temos, enfim, um Parlamento que não se respeita. Quando não é
“trolado”, para usar uma expressão da moda, pelo Executivo, pode ser
desmoralizado por alguns de seus senhores feudais. Vejam o caso de Paulo
Vieira, o diretor da ANA que está preso, acusado de ser chefe de quadrilha. Seu
nome foi submetido uma primeira vez ao plenário do Senado: houve empate —
não poderia ser nomeado. Foi submetido uma segunda vez: foi rejeitado.
O
presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), a pedido de Lula, esperou quatro
meses e promoveu uma terceira votação. Conseguiu nomeá-lo. O resultado está aí.
E
não que o Senado precise de auxílio externo para fazer barbeiragens. Sim, sim,
eu sou favorável, por exemplo, a que os professores ganhem 10 vezes mais do que
ganham e coisa e tal. O Senado aprovou um piso salarial para a categoria e
decidiu que o reajuste será feito por um tal “Índice Fundeb”, que corresponde à
variação anual do valor que o governo federal investe por aluno das séries
iniciais.
Tudo
excelente! Só que o Senado se esqueceu de indagar se os estados teriam dinheiro
para tanto. Boa parte não tem. Governadores recorreram ao Supremo alegando que
a medida tira dos estados o direito de gerir seus gastos, o que me parece fato.
Ora, se os governadores terão de pagar um reajuste de salário que fica na
dependência do quanto o governo federal vai desembolsar, resta evidente que o
governo federal passou a ser o gestor da folha de pagamento que será paga por
outro ente da federação.
E
aí? Um dos signatários da ação é o petista Tarso Genro, governador do Rio
Grande do Sul, do PT. Quando governadora, a tucana Yeda Crusius havia recorrido
à Justiça.
Os petistas a demonizaram.
Coerência é isso!
Encerrando
Notem que não estou entrando propriamente nas questões de mérito.
Limito-me a apontar o que chamo de baguncismo institucional. Com frequência, o
Executivo simplesmente anula a vontade de um Poder da República, negando-se a
fazer política para depois governar por MPs. Quando não é assim, os “donos” do
Senado, como Sarney, fazem gato e sapato do plenário.
Não sendo nem uma coisa nem outra, prosperam, então, os poetas da
generosidade, que acabam aprovando uma medida que quebra os próprios estados
que representam.
Sim,
há exceções, como em tudo.
Em regra, nunca tivemos um Poder Legislativo
tão fraco e desmoralizado.
Por Reinaldo Azevedo
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