Documento de mais 300 páginas faz pesadas acusações contra a presidente argentina, apontada como a líder de um "plano criminoso de impunidade"
Manifestantes fazem ato em Buenos Aires após morte do promotor Alberto Nisman (Ivan Fernandez/EFE)
A Justiça argentina divulgou na noite de terça-feira a íntegra da denúncia do falecido procurador-geral Alberto Nisman contra a presidente Cristina Kirchner, reporta o Clarín. No documento de mais de 300 páginas, Cristina é acusada de articular um "plano criminoso de impunidade" para os iranianos apontados como autores intelectuais do atentado contra a Amia (associação judaica argentina), em 1994, que deixou 85 mortos.
O magistrado Ariel Lijo foi o responsável por tornar pública a denúncia apresentada por Nisman na última quarta-feira, cinco dias antes de sua morte em estranhas circunstâncias. Na denúncia, o procurador-geral garante que Cristina "não somente foi quem decidiu a articulação deste plano criminoso de impunidade e se valeu de diferentes atores para levar adiante sua execução".
Nisman também acusou a presidente de liderar "a campanha discursiva e midiática necessária para camuflar a execução do delito".
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O chanceler, Héctor Timerman, foi "o principal instrumentador do plano de impunidade idealizado" e "transmitiu ao Irã a decisão do governo argentino de abandonar a reivindicação de justiça pelo caso Amia", segundo o documento. A denúncia também atinge o deputado governista Andrés Larroque, os militantes Luis D'Elía e Fernando Esteche, o ex-promotor encarregado do caso Amia, Héctor Yrimia, e um provável espião, Ramón Allan Héctor Bogado, entre outros.
Além disso, o promotor tinha pedido que fosse "determinado o papel exato" de outras pessoas, "que não estão alheias ao plano", como o ministro do Planejamento Federal, Julio De Vido. Na denúncia, Nisman sustentou que o memorando de entendimento com o Irã aparece como "a peça central do plano de impunidade".
Assinado em 2013, o memorando previa a revisão de toda a documentação da investigação judicial, a possibilidade de que os suspeitos pelo ataque terrorista fossem interrogados em território iraniano e a formação de uma Comissão da Verdade.
"A assinatura e ratificação de tal documento implica na destruição das acusações contra os suspeitos de nacionalidade iraniana", assegurou o falecido promotor. "Sabiam que a Comissão da Verdade não tinha sido criada para investigar absolutamente nada, mas para legitimar a mentira que estava sendo fabricada", acrescentou.
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Relações comerciais – Para Nisman, os funcionários "agiram com um único propósito", o de "conseguir a impunidade" dos acusados iranianos para poder "estabelecer plenas relações comerciais" com o Irã.
"A presidente entendeu que o petróleo iraniano teria a capacidade de aliviar a severa crise energética que o país vem atravessando", destacou Nisman. Nesse contexto, o principal interesse de Teerã para assinar o acordo seria "o fim dos alertas vermelhos da Interpol" que pesam sobre os iranianos acusados.
"Timerman não cumpriu, não porque não quisesse, mas porque a Interpol o impediu", afirmou Nisman na denúncia.
"Enquanto transcorriam as negociações diplomáticas públicas", o plano avançava em canais paralelos com Teerã, momento em que, para Nisman, foi estabelecido o "aspecto fundamental: o desvio da investigação para uma nova e falsa hipótese" que incrimine terceiros e desvincule os iranianos.
Dessas tarefas, segundo a denúncia, "participaram ativamente" Khalil, Esteche, Yrimia e Bogado, enquanto Larroque é apontado como um dos interlocutores perante a presidente argentina.
(Com agência EFE)
Morte de promotor argentino é um tiro para desestabilizar Cristina Kirchner
Nisman, que mantinha relações com o governo americano, havia pedido que Cristina fosse chamada para depor na causa do atentato terrorista contra a AMIA.
O promotor Alberto Nisman apareceu morto com um tiro na cabeça disparado com sua arma pessoal em um apartamento localizado a poucas quadras da Casa Rosada, a sede do governo. Seu corpo foi encontrado nas primeiras horas desta segunda-feira (19), dias depois de ter acusado Cristina Kirchner de encobrir os responsáveis do atentado que matou dezenas de pessoas na AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), em julho de 1994.
O procurador se transformou em uma estrela de televisão e dos meios de comunicação oligopolistas que deram ampla cobertura às suas sonoras denúncias, geralmente vazias de provas. Nisman era para a grande mídia algo como se tornou o juiz paranaense Sergio Moro para a imprensa tradicional brasileira.
Os principais dirigentes oposicionistas haviam viajado de seus respectivos estados para Buenos Aires a fim de participar nesta segunda-feira de uma exposição de Alberto Nisman na Câmara dos Deputados, em que havia prometido que apresentaria provas sobre a interferência de Cristina na investigação sobre o atentado terrorista de 1994.
Segunda essa versão do promotor, a presidenta quis evitar que fossem investigados suspeitos iranianos. A morte de Alberto Nisman motivou comoção nacional a 10 meses das eleições presidenciais, enquanto os adversários do governo não estão conseguem superar suas diferenças internas para compor uma coalizão unitária.
“Os dados da autópsia de Alberto Nisman estarão prontos à noite, o que podemos adiantar é que sua morte aconteceu antes do jantar [de domingo]... estava sozinho e a porta do apartamento estava fechada com chave”, informou a promotora Viviana Fein.
“Pedimos aos jornalistas que nos deixem trabalhar”, disse Viviana diante de um enxame de repórteres que a esperavam na porta do elegante prédio em que ele residia, onde o corpo jazia dentro do banheiro junto da arma com a qual o disparo foi feito.
Como os dados da perícia forense ainda não foram divulgados, seria irresponsável arriscar se o promotor que investigava o atentado da associação mutual judia AMIA se suicidou ou se foi assassinado. Em todo caso, é evidente que este fato sangrento carrega consigo uma consequência política: prejudica o governo da presidenta Cristina Kirchner, que mantém uma alta popularidade e deve exercer sua influência nas eleições em que seu sucessor será escolhido.
Cristina: Distância diplomática dos EUA e de Israel
O governo de Cristina mantém relações frias com Washington há anos, uma ligação que e enfraqueceu ainda mais quando Buenos Aires se aproximou do Irã.
“Tudo isto que aconteceu é muito raro, não vamos cair em teorias conspiratórias, mas também não seremos ingênuos ao tentar entender as coisas que estão em jogo”, afirmou Atilio Borón, pesquisador universitário e ex-secretário da CLACSO (Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais).
“A primeira coisa a se fazer é responder esta pergunta, quem sai muito prejudicado com este fato? Indubitavelmente é o governo argentino”, acrescentou Atilio Borón em declarações concedidas nesta segunda-feira a uma emissora portenha. TVs, rádios e sites modificaram sua programação para dedicar atenção total ao crime do ano.
Um dos apresentadores estatais do grupo Clarín afirmou estar quase certo de que o promotor foi assassinado para evitar que prejudicasse Cristina. Com linguagem demagógica, argumentou “nas ruas todo mundo diz que Nisman foi assassinado”.
“Isto dá sensação de impunidade... nisto há traços mafiosos”, afirmou Marcelo Tinelli, um popular apresentador de programas frívolos, presidente do clube San Lorenzo, quem, segundo alguns observadores, sonha em ser o Silvio Berlusconi do Pampa Argentino.
Se os partidos de oposição não demonstraram capacidade para formar uma aliança forte, os partidos de fato têm capacidade para criar um estado de angústia nacional e semear um clima de desestabilização. Possivelmente, o partido da mídia, junto à corporação jurídica, sejam as forças mais hostis à Casa Rosada.
Durante o fim de semana, os jornais tradicionais publicaram com grandes manchetes o anúncio do promotor Nisman sobre as revelações que faria nesta segunda-feira no Parlamento. No Clarín, publicou-se uma notícia sobre o “fim de um ciclo” iniciado em 2003 pelo ex-presidente Néstor Kirchner, continuado por sua esposa e atual chefa de Estado.
Promotor amigo do FBI e da CIA
Dezenas de papéis revelados pelo Wikileaks mostraram que o promotor Albert Nisman se reunia frequentemente com representantes do governo norte-americano, a quem consultava sobre como levar adiante o processo pelo atentado terrorista contra a entidade judaica em 1994 em que houve 85 mortos e 300 feridos. Os agentes da inteligência norte-americanos repetiam regularmente que Nisman deveria acusar o Irã.
“Não é preciso seguir a pista síria, nem as conexões locais [dos terroristas] porque isto pode enfraquecer as acusações contra os iranianos”, disseram agentes do FBI consultados por Nisman, segundo um dos papéis obtidos pelo Wikileaks.
Santiago O Donnell, editor do jornal Página12 e autor de um livro baseado em informações do Wikileaks, afirmou que a Embaixada dos Estados Unidos estava muito preocupada com o curso da investigação do atentado contra a AMIA, e que o assunto aparece em 196 comunicações da missão diplomática norte-americana.
O acadêmico Atilio Borón argumentou que Nisman não era um promotor apegado a normas jurídicas, mas um elemento que operava politicamente segundo ordens de Washington.
“Ele ia regularmente à Embaixada receber instruções do FBI, da CIA e... com essa gente pesada não se brinca, eles em qualquer momento podem decidir eliminar alguém que tenha ajudado, mas que já deixou de ser útil”, disse Borón. Do seu ponto de vista, ainda não se pode saber se Nisman se suicidou ou se foi assassinado, e convém ter como uma das hipóteses que Washington o tenha porque não tinha prova para fundamentar suas denúncias.
"Isto que aconteceu com Nisman não pode ser analisado como uma questão local... poucas horas depois de ele aparecer morto houve um comunicado do governo de Israel.. tudo isso acontece 10 dias depois do atentado em Paris contra a Charlie Hebdo, 9 dias depois dos ataques ao supermercado judeu de Paris”.
“Esta morte se insere em um marco mais amplo que é o que alguns comentaristas chamam como a grande guerra do ocidente contra o Islã”, afirmou Atilio Borón.
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