O novo clube do bilhão:
quais empresas podem desbancar as enroladas no petrolão
Há quem
encontre na desgraça das empreiteiras da Lava Jato uma janela de oportunidade:
empreiteiras médias se armam para abocanhar contratos que antes seriam
distribuídos às grandes
Infraestrutura: construtoras médias se armam para
disputar espaço com o clube do bilhão(Cristiano
Mariz/VEJA)
O
petrolão atingiu em cheio a operação das maiores empreiteiras do país, e
algumas delas já entraram, inclusive, com pedido de recuperação judicial.
Mas
há quem encontre na desgraça do clube do bilhão uma oportunidade.
Enquanto um
bloqueio cautelar impede que 30 empresas envolvidas na Lava Jato prestem
serviços para a Petrobras, e processos em curso na Controladoria-Geral da União
(CGU) as ameaçam com a inidoneidade, que as proibiria de de trabalhar para a
União, construtoras médias se preparam para crescer no vácuo das grandes.
O
conceito de "construtora média" é impreciso.
A reportagem do site de
VEJA, contudo, selecionou seis empresas com faturamento anual entre 300 milhões
e 2 bilhões de reais que, seja pela saúde financeira, pelo estilo de gestão ou
por contarem com alguma expertise no atendimento ao governo, estão aptas a
conquistar território rapidamente: Método, Racional, Encalso, Cowan, Aterpa e
Hochtief.
Elas têm caminho livre para se tornar gigantes - em um novo ambiente,
no qual impere a legalidade.
Dificilmente
uma construtora de porte médio terá musculatura para fazer frente à Camargo
Corrêa ou à Odebrecht no médio prazo.
Empresas como as do clube do bilhão não
se tornaram grandes do dia para a noite.
Quase todas em operação há mais de
meio século, elas cresceram também graças a uma janela de oportunidade:
surfaram como poucas na onda da construção civil da ditadura militar. Antes de
serem tragadas pelo petrolão, passaram décadas ajudando a desenvolver os
grotões do país.
Mas, diante da possibilidade de se tornarem inidôneas na
esteira da Lava Jato, a fila se organiza para substituí-las.
Um
dos caminhos para o crescimento é fazer parcerias com empresas estrangeiras,
que sempre tiveram na presença das gigantes um obstáculo para entrar no Brasil.
Na semana passada, o governo anunciou um novo pacote de
investimentos em infraestrutura.
Embora parte do plano seja pouco factível,
nele também estão previstas obras que já contam com estudos de viabilidade. O
mercado se move com cautela, mas empreiteiras estrangeiras fazem as contas e
sondam as construtoras médias em busca de parcerias para, talvez, disputar as
concessões.
O advogado Fernando Villela, sócio da área de infraestrutura do
escritório Siqueira Castro, conta que já foi procurado por empresários de fora
interessados nos aeroportos que serão privatizados.
"Diante da atual
conjuntura, as estrangeiras podem, enfim, entrar no Brasil, inclusive
adquirindo o capital de construtoras nacionais, sobretudo as médias",
avalia.
A
Racional Engenharia, fundada em 1971 em São Paulo, se movimenta para não perder
o bonde. Newton Simões, um dos sócios da empresa, disse que o diálogo está
aberto com empreiteiras nacionais e internacionais para a criação de
consórcios. "Duas cabeças pensam melhor.
Algumas associações são pontuais,
e tudo dependerá das características de cada projeto", diz.
A Racional
mira empreendimentos nas áreas portuária e aeroportuária. Simões pondera, no
entanto, que para o diálogo avançar, o governo precisa explicar as taxas de
retorno sobre os investimentos e espantar temores de mudança de regras no meio
do processo.
A empresa não tem experiência no ramo de infraestrutura, mas se diz
pronta para desbravá-lo depois de que executou mais de 500 obras em segmentos
que vão da indústria à hotelaria, passando pela construção de shopping centers
e edifícios corporativos.
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Um
dos principais estudiosos de infraestrutura no Brasil, o professor Paulo
Fleury, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que dirige o
instituto Ilos, diz que os novos ares que sopram no setor o deixam otimista.
"Esse movimento é extremamente positivo, porque estamos há décadas
prisioneiros de meia dúzia de empreiteiros, e vemos o que eles são capazes de
fazer, considerando tudo o que ocorreu nos últimos meses," afirma.
Ele
explica que a chance das médias é grande porque, mesmo que não tenham arrematado
contratos bilionários no passado, não são completamente alheias a esse tipo de
empreitada.
"Na construção civil, é comum que uma grande empresa
subcontrate o trabalho para outras construtoras. A grande leva o contrato e
coordena a execução das pequenas e médias, que acabam adquirindo know-how",
explica.
Esse
tipo de dinâmica aconteceu com a construtora alemã Hochtief, que entrou em um
consórcio com a Camargo Correa e a Odebrecht para construir a nova sede da
Petrobras em Vitória, no Espírito Santo, em 2006.
A obra idealizada pelo
arquiteto capixaba Sidônio Porto custou 580 milhões de reais e foi entregue em
2011 - dois anos depois do prazo inicial.
Segundo Fernando Marcondes, sócio da
área de infraestrutura escritório de advocacia L.O. Baptista-SVMFA, sozinha, a
Hochtief não teria conseguido o contrato.
"É preciso uma injeção de
musculatura vinda de parcerias no Brasil ou no exterior. Para ganhar grandes
licitações, é necessário apresentar garantias que uma construtora média, muitas
vezes, não têm", afirma.
Apesar de ser uma multinacional presente nos
cinco continentes com faturamento global de 20 bilhões de dólares, a empresa
sempre ficou à sombra do clube do bilhão no Brasil. Seu último resultado
público data de 2014, ano em que a crise já havia se instalado.
O lucro líquido
da empresa foi de 31,15 milhões de reais - menos de um décimo do lucro de 490,7
milhões de reais da Odebrecht naquele mesmo ano.
Enquanto
a Racional e a Hochtief não têm histórico de parcerias com o setor público, há
concorrentes experientes no metier de lidar com o governo.
Uma
delas é a Encalso, que firmou 170 contratos com a União entre 2012 e 2015.
A
empresa recebeu do governo federal 32 milhões de reais entre janeiro e abril
deste ano, segundo dados do Portal da Transparência - oito vezes mais do que o
total do ano passado. A transposição do Rio São Francisco é uma das principais
obras públicas de seu portfólio.
Além disso, a empresa já anunciou que começará
a investir no segmento ferroviário, uma das principais frentes do novo pacote
de concessões do governo.
Entre suas obras mais recentes está a movimentação de
máquinas para a duplicação da Rodovia dos Tamoios (SP-99), orçada pelo governo
paulista em 557,4 milhões de reais.
As
mineiras Aterpa e Cowan também possuem musculatura para abocanhar licitações,
tendo em vista que já realizaram obras públicas de relevância dentro e fora de
Minas Gerais.
A primeira participou de consórcio para a construção do lote 1 da
ferrovia Norte-Sul, enquanto a segunda implantou a linha 4 do metrô do Rio de
Janeiro e executou obras de ampliação e restauração do aeroporto de Confins
(MG).
Um desastre, contudo, arranhou a imagem da Cowan de forma talvez
irremediável. Estava sob sua responsabilidade a construção do Viaduto dos
Guararapes, que caiu em julho do ano passado, em Belo Horizonte,
matando duas pessoas e deixando mais de 20 feridos.
Nos
bastidores, as empresas de médio porte têm se articulado para ganhar força
frente às grandes para obter licitações, orientadas por entidades como a Câmara
Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e a Associação Paulista de
Empresários de Obras Públicas (Apeop).
"Estamos tentando induzi-las a se
juntar. Não só com outras empresas, mas com bancos e fundos de investimento.
Além disso, temos indicado escritórios de advocacia e fornecido consultores
para esclarecer como as concessões funcionam", conta Luciano Amadio,
presidente da Apeop.
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As
entidades da categoria também têm pressionado o governo para ampliar o acesso
das pequenas e médias.
O principal pleito é a flexibilização dos critérios de
escolha, como o tamanho mínimo do patrimônio exigido para participar de
certames e a diminuição dos lotes de obras em concessões.
"Não adianta ter
uma concessão de uma estrada inteira de 800 quilômetros ou exigir que todas as
empresas tenham um Shield [escavadeira conhecida como 'tatuzão'], que as médias
não vão ter nada disso", diz Amadio.
No
caso da Petrobras, as empresas aptas a substituir as grandes devem se inserir
num mercado muito mais restrito, que requer experiência além da pavimentação ou
terraplanagem.
Muito antes da Lava Jato, a Método Engenharia resolveu se
preparar para brigar com as grandes.
Em 2009, fundiu-se com a Potencial
Engenharia, especializada no setor de óleo e gás. Hoje, mantém 13 contratos com
a estatal que somam quase 1 bilhão de reais."Nos últimos anos, muitas
empresas se tornaram insolventes.
E, com a questão da Lava Jato, a concorrência
forte foi excluída do cadastro. Isso abriu uma oportunidade grande não só para
nós, mas para todas as empresas que não quebraram e não estão na Lava
Jato", diz o presidente da Método, Hugo Marques da Rosa, que relata
animado o cenário de portas abertas que encontra na estatal.
Cinco anos atrás,
a empresa costumava competir com até 25 empresas por um contrato, feito por
meio de carta-convite. "Hoje, a relação de convidadas caiu pela
metade", diz.
O
executivo acredita que algumas das envolvidas na Lava Jato não vão sobreviver.
Até o momento, quatro empresas entraram com pedido de recuperação judicial e
trinta permanecem impedidas de prestar serviços para a estatal. Quem conseguir
sair do turbilhão, diz ele, ao voltar ao mercado encontrará uma nova
configuração.
"Dentro de dois ou três anos, as maiores serão outras",
afirma.
No caso da Método, Rosa quer galgar degraus sem ter de recorrer a
licitações públicas.
Para a empresa que deve faturar 1,45 bilhão de reais este
ano, de estatal, por ora, já basta a Petrobras.
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