Telegramas diplomáticos relatam atuação a favor da empreiteira
Lula e o primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho
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24-4-2014 / Roberto Stuckert Filho
BRASÍLIA — Telegramas
diplomáticos trocados entre chefes de postos brasileiros no exterior e o
Ministério das Relações Exteriores, entre 2011 e 2014, indicam que as
atividades do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor do grupo
Odebrecht no exterior foram além da contratação para proferir palestras,
contrariando o que o petista e a construtora têm sustentado.
Os documentos
apontam que Lula, já fora do cargo, atuou em pelo menos duas ocasiões para
beneficiar a Odebrecht — uma delas, com pedido expresso para que o
primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, desse atenção aos
interesses da companhia num processo de privatização naquele país. Outro
telegrama revela que Lula abriu as portas do BNDES ao governo do Zimbábue, país
africano governado pelo ditador Robert Mugabe.
Liberados na última
quinta-feira pelo Itamaraty a partir de pedido feito pelo GLOBO por meio da Lei
de Acesso à Informação, os documentos descrevem encontros de Lula em Cuba em
companhia de representantes da construtora.
Em uma das visitas à ilha, ele foi
recepcionado pelo presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e pelo ex-ministro
José Dirceu num hotel.
Em outra, Lula atuou em projetos ligados à área de
energia na região cubana de Muriel, onde a empreiteira construiu um porto com
recursos do BNDES.
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Por meio da assessoria de
imprensa de seu instituto, o ex-presidente Lula nega que tenha recebido de
qualquer empresa para “dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influência”.
A Odebrecht também nega ter usado serviços de Lula para tentar obter contratos.
Desde a última
quinta-feira, a relação de Lula com a empreiteira é alvo de inquérito da
Procuradoria da República no Distrito Federal. Os investigadores querem saber
se o ex-presidente praticou tráfico de influência internacional, crime incluído
no código penal em 2002. A lei diz que é proibido receber vantagem ou promessa
de vantagem em transações comerciais internacionais.
O Instituto Lula alega que
os recursos recebidos se referem às palestras. Sabe-se agora, com a revelação
dos telegramas, que ele também atuava na defesa comercial da empresa. Portanto,
o foco da investigação será apurar se a atividade de lobby também foi
remunerada. Para isso, o ex-presidente e a Odebrecht poderão ter o sigilo
fiscal, bancário e telefônico quebrados.
A movimentação do
ex-presidente a favor da Odebrecht em Portugal é relatada em dois telegramas.
Em 25 de outubro de 2013, o embaixador brasileiro em Lisboa, Mario Vilalva,
enviou comunicado abordando a visita de Lula a Portugal, ocorrida entre os dias
21 e 23 daquele ano.
O diplomata deixa claro que a visita do ex-presidente se
dava em razão de convite da Odebrecht, por conta dos 25 anos de presença da
construtora brasileira em Portugal. Na descrição da agenda de Lula em Lisboa, o
embaixador narrou que, no dia 22 de outubro, à tarde, o petista “encontrou-se
com empresários brasileiros, dentre os quais o dr. Emílio Odebrecht (presidente
do Conselho de Administração da Odebrecht e pai de Marcelo)”.
Menos de sete meses
depois, em outro telegrama, Vilalva, em 2 de maio de 2014, faz uma análise
sobre a privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), que encontrava
resistência por parte de alguns municípios portugueses que, na avaliação do
embaixador, havia gerado pouco resultado.
Após descrever como estava o
processo, o diplomata observa que as empresas brasileiras Odebrecht e Solvi, em
parceria com o grupo português Visabeira, demonstraram interesse no negócio, o
que gerou simpatia dos formadores de opinião em Portugal. O diplomata registra
a ação direta de Lula em favor da Odebrecht.
“Repercutiu positivamente
na mídia recente declaração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em
entrevista à RTP no dia 27/04 último, no sentido de que o Brasil deve-se
engajar mais ativamente na aquisição de estatais portuguesas. O ex-presidente
também reforçou o interesse da Odebrecht pela EGF ao primeiro-ministro Pedro
Passos Coelho, que reagiu positivamente ao pleito brasileiro”, informou o
diplomata.
Lula, de fato, deu uma
entrevista à televisão portuguesa, falando dos 40 anos da Revolução dos Cravos
e abordando vários temas, inclusive defendendo maior participação de empresas
brasileiras nas privatizações conduzidas em Portugal — mas sem citar nenhuma
empresa especificamente.
A gestão a favor da Odebrecht, pelo que se depreende
do comunicado emitido pelo diplomata, foi feita em caráter privado ao
primeiro-ministro português. Segundo site do Instituto Lula, o ex-presidente se
encontrou com Passos Coelho no dia 24 de abril, e teriam falado apenas da
situação econômica mundial e da Copa no Brasil.
Na ocasião do telegrama, a
empreiteira brasileira era uma das sete que tinham manifestado oficialmente
interesse no negócio. Dois meses depois, porém, a Odebrecht acabou não
formalizando proposta. A EGF acabou vendida por 149,9 milhões de euros para a
Suma, consórcio formado por empresas portuguesas.
EM CUBA, RECEBIDO POR
MARCELO ODEBRECHT
O encarregado de negócios
brasileiros em Cuba, Marcelo Câmara, num telegrama de 3 de março de 2014,
informa sobre a visita que Lula fez à ilha entre os dias 24 e 27 de fevereiro
do mesmo ano.
Resumo da mensagem: “Tema central de suas interlocuções foi a prospecção
de iniciativas para aperfeiçoamento da matriz energética à zona especial de
Mariel, e o reforço da cultura de soja no país”.
Nessa viagem, “em atendimento
a convite do governo local e com apoio do grupo COI/Odebrecht”, como descreve o
documento, Lula foi acompanhado, entre outros, pelo senador Blairo Maggi
(PR-MT) e pelo ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau, que deixou o
governo em 2007 acusado de receber propina para favorecer empresas com obras
federais.
Os documentos do Itamaraty
registram ainda outras viagens de Lula a Cuba. Em junho de 2011, o
ex-presidente foi recebido no hotel por Marcelo Odebrecht, presidente da
empresa, e José Dirceu.
“Em sua chegada ao hotel, Lula recebeu os cumprimentos
do Senhor José Dirceu e do empresário Marcelo Odebrecht, Diretor-Presidente
daquela construtora”, registrou o encarregado de negócios em Cuba na ocasião,
Albino Poli Jr., em telegrama enviado para o ministério.
Marcelo está preso em
Curitiba há um mês após ser detido na fase “Erga Omnes” da Operação Lava-Jato.
Dirceu está em prisão domiciliar por sua condenação no mensalão e já foi
mencionado na Lava-Jato por alguns delatores como beneficiário de propina por
meio de sua empresa de consultoria. Na visita em que fez na companhia deles a
Cuba, o ex-presidente se reuniu com Raúl e Fidel Castro. Pelo relato do
telegrama, Marcelo ficou fora das duas reuniões, enquanto Dirceu acompanhou
Lula apenas na conversa com Raúl.
O ex-presidente teve ainda
outra viagem ao país dos irmãos Castro associada à Odebrecht. Conforme revelado
pelo GLOBO, Lula esteve no país em janeiro de 2013 com as despesas pagas pela
empreiteira.
Alexandrino Alencar, então diretor de Relações Institucionais da
empresa, chegou no mesmo jatinho no qual viajou o ex-presidente. Alencar também
foi preso na Lava-Jato no mês passado e deixou a empreiteira.
Os comunicados da
diplomacia brasileira demonstram ainda que Lula atuou para aproximar o governo
do Zimbábue ao BNDES, embora não fique claro se há ou não alguma ligação direta
com obras da Odebrecht.
Em um comunicado enviado da sede do ministério para a
representação brasileira no Zimbábue há a descrição de que o ex-presidente
solicitou que o embaixador daquele país fosse recebido no banco de fomento. A
reunião teria ocorrido em 3 de maio de 2012. Desde 1980, o Zimbábue é governado
pelo ditador Robert Mugabe.
Na
lista de financiamentos de obras e serviços no exterior divulgada pelo BNDES
não consta nenhum financiamento para a atuação de empresas brasileiras no
Zimbábue, mas em 2013 por meio do Ministério de Desenvolvimento Agrário foram
liberados US$ 98 milhões para aquele país no âmbito do programa Mais Alimentos
Internacional.
fonte O GLOBO
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