A dimensão do debate
O debate sobre as Organizações Sociais na educação em Goiás talvez seja aquele de maior relevância na política goiana nas últimas décadas.
É importante não só pela alteração na matriz pedagógica, mas também porque essa alteração antecipa importantes tendências, aparentemente irreversíveis, no processo de financiamento da educação pública goiana.
Esse debate pode ser iniciado pela análise de três dimensões: apedagógica, a política e a econômica.
No aspecto pedagógico, é oportuno compreender como a política de responsabilização, já testada em outros países, como nos Estados Unidos, logrou péssimos resultados, a julgar correto os argumentos de Diane Ravitch (2011), no livro Vida e morte do grande sistema americano.
A dimensão política implicaria em discutir a função do estado na educação, seja na acepção de matrizes liberais, como aquela gestada por Hayek (1990), no conhecido O caminho da servidão ou mesmo na trilha de David Harvey (2008), em seu O neoliberalismo – história e implicações.
Ainda na dimensão política seria oportuno avaliar as agendas partidárias, uma vez que essa matriz tem se espalhado pelo país sob o manto protetor de partidos como o PSDB e também, não devemos deixar de apontar, do PT.
Nossa escolha de discussão, no entanto, não centrará as atenções na questão pedagógica ou mesmo na questão politica, mas sim nos fundamentos da eficiência econômica.
Partimos de um princípio geral e de uma hipótese particular.
O principio geral é que a educação pública, já deteriorada nas últimas décadas, esta sendo colocada em xeque como poucas vezes na história do estado de Goiás.
A hipótese particular, que permitiu um exercício objetivo, além do mapeamento dos dados na escala do Estado, é que os recursos propostos para as Organizações Sociais são significativamente mais elevados que aqueles destinados, atualmente, para a Rede Pública de Educação Estadual.
Adjetivamos esse processo de capitalização pública do “mercado privado”.
A descapitalização do sistema público estadual de educação
Não há duvidas que a educação sempre foi compreendida como uma grande oportunidade de negócios para o setor privado.
Os grupos editoriais, por exemplo, esperam ansiosos pela divulgação dos editais do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático).
O mercado esta presente na educação desde o pequeno varejo, que vende pão para o lanche escolar, passando pelos investimentos em infraestrutura, até a aquisição de bens de consumo duráveis.
Nos municípios com população reduzida, a massa salarial de professores da rede pública de ensino (estadual e municipal) contribui para a solvência das economias municipais.
Não há, portanto, novidade alguma na associação entre educação pública e o mercado, tendo a primeira como indutora.
O que muda, a partir de agora, é que o mercado passa a ser o próprio indutor, ou seja, deseja agir no início da “cadeia produtiva”, o que significa que poderá condicionar as demais demandas.
A Rede Pública Estadual de Goiás, conforme informações do Censo Escolar de 2014 (INPEP, 2015), é composta por 1.051 escolas e 492.134 alunos.
A figura 01 resume sua amplitude.
O termo escola é, desse modo, demasiadamente genérico para determinar um quadro bastante heterogêneo de realidades regionais.
São diversas modalidades de ensino.
Lidar com essa diversidade sempre foi e continuará sendo um grande desafio.
Uma escola localizada na zona rural é muito distinta, em termos de infraestrutura e demanda de verbas para custeio, que uma escola localizada na zona urbana.
Essa escola urbana, por sua vez, é muito diferente de uma escola militar, uma vez que seu custeio é acrescido de recursos provenientes de um sistema conhecido como Contribuição Comunitária Voluntária, previamente aprovado pela Associação de Pais e Mestres [1].
Essa diversidade institucional responde, em cada uma das regiões do estado, às demandas marcadas pela diversidade social, cultural, étnica e econômica. Essa é a natureza da educação pública.
A diversidade da Rede Publica de Ensino Estadual é demonstrada, também, pela distribuição da infraestrutura nas escolas. Um estudo publicado pelo Instituto Mauro Borges (GOIÁS, 2015), intituladoAnálise do Censo Escolar da Educação Básica 2014 – caracterização e infraestrutura de ensino das unidades de ensino de Goiás, faz um diagnóstico pormenorizado da infraestrutura das escolas estaduais, que pode assim ser resumido:
– Mais de 8% das escolas da Rede Pública Estadual não ofertam água filtrada para os mais de 40 mil alunos;
– 60% das escolas da Rede Pública Estadual de Ensino ainda utilizam fossa como equipamento coletor de esgoto;
– Existem 864 bibliotecas nas 1.051 escolas da Rede Pública Estadual de Ensino;
– Existiam 585 quadras de esporte nas 1.051 escolas da Rede Pública Estadual de Ensino;
Existiam 215 laboratórios de ciências nas 1.051 escolas da Rede Pública Estadual de Ensino (Goiás, 2015).
Figura 1: Caracterização geral da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás
Fonte: INEP (2015)
Essas são, resumidamente, as condições objetivas para a realização do trabalho pedagógico dos professores e agentes administrativos.
São sobre essas condições de infraestrutura, sem avaliar o conforto das salas de aula, a situação dos banheiros ou mesmo das salas de apoio pedagógico, por exemplo, que é construído o discurso de ineficiência da Rede Pública Estadual de Ensino.
Seria necessário, para um retrato mais completo, traçar o quadro evolutivo das últimas décadas, uma vez que esse passivo de infraestrutura é histórico, atravessando os sucessivos governos estaduais.
Figura 2: Total de professores e agentes administrativos efetivos, registro mensal, de 2015
Fonte: SEDUC (2016)
Mas uma caracterização do “mercado público” seria insuficiente sem algumas palavras sobre a rubrica que envolve o maior volume de gastos na Rede Pública Estadual de Ensino.
Dados da SEDUC (2016) informam a presença de 31.612 funcionários efetivos contratados como professores e agentes administrativos.
O maior número, 17.450, refere-se aos professores P-IV (especialistas, mestres e/ou doutores).
O gasto mensal com esses funcionários, levando em consideração uma consulta aleatória (mês), chegou R$ 140.138.307,00.
Esse dispêndio parcial, no entanto, não é suficiente para manter o funcionamento do sistema público estadual, dado o histórico déficit de professores e agentes administrativos, manifestado, por exemplo, no Edital Número 001/2005 (SEGPLAN, 2015), que abriu chamada para 1.805 vagas para professores temporários.
A primeira pergunta que deve ser feita é:
– Qual a diferença de custo entre o quadro de professores efetivos e o quadro de professores comissionados?
Dados da SECUCE, sistematizados na figura 02, informam a existência de 3.257 professores de ensino médio e 6.792 professores nível superior, todos em regime temporário.
O custo mensal da folha de pagamento dos professores temporários de nível médio foi de R$ 7.381.298,00.
O custo dos professores temporários de nível superior, no mesmo mês, correspondeu a R$ 18.458.684,00.
A comparação entre a figura 02 e a figura 03 não revela apenas um déficit de professores, mas uma diferenciação no valor médio dos salários bastante favorável aos concursados, considerando o rendimento do mês em questão, de aproximadamente 47%.
Isso mesmo.
Os professores comissionados, em média, recebem quase 47% de rendimentos menores para desempenhar as mesmas funções que professores concursados.
Se o salário dos professores concursados, especialmente aqueles situados nos anos iniciais da carreira não é bom, então o que imaginar de um deságio de aproximadamente 50% para o exercício das mesmas funções como professor comissionado?
Figura 3: Total de professores, agentes administrativos e outros funcionários comissionados registrado em um mês de 2015
Fonte: SEDUC (2016)
Não há nada de original nos dados, além da forma de visualização.
As figuras apenas confirmam o processo de precarização do trabalho docente, o que se repete em diversos brasileiros, independente da cor da bandeira partidária.
Na figura 04 observamos a diferença atual do vencimento dos professores contratados e do Piso Salarial Nacional.
Ainda existem questões que podem ser objeto de discussão, a exemplo da extensão dos poucos direitos reservados aos professores efetivos.
A dificuldade de incentivo para qualificação profissional é uma das características da Rede Pública Estadual de Educação.
Figura 4: Comparação entre vencimento para professor temporário da Rede Publica Estadual e Piso Nacional do Professor
Fonte: SEDUC (2015) e MEC (2016)
Parte do custeio e investimento no Ensino Básico provem de recursos do FUNDEB destinados ao Estado de Goiás [2].
Em 2014, segundo dados do Censo Escolar, haviam 492.134 alunos matriculados nas escolas estaduais.
Dividindo o valor do FUNDEB do mesmo ano pelo total de alunos, chegamos ao valor per capita de R$ 3.484,06 por ano, ou R$ 290,33 por mês.
Essa contabilidade, no entanto, não é simples, pois existem vários convênios firmados entre o Estado e o Governo Federal que podem ser incluídos na rubrica da educação básica.
De forma semelhança, não é desprezível, a partir do Estado, os valores destinados para financiar o sistema.
Figura 5: Recursos do FUNDEB destinados ao Estado de Goiás
Fonte: Tesouro Nacional (2015)
Qualquer neófito em matéria de economia, independente da matriz teórica perseguida, sabe que o lucro de uma empresa não depende, apenas de variações cambiais, do comportamento do mercado consumidor ou mesmo da redução do preço dos insumos.
O lucro depende, também, da redução dos custos de produção.
Aqui, portanto, começa a história das Organizações Sociais, manifestada na política de remuneração, destaca da no Anexo VI da Minuta do contrato de gestão, item 9.11:
Atendidos os limites traçados pela Lei estadual nº 15.503, de 28 de dezembro de 2005 (art. 4º, IV e VIII), poderá o PARCEIRO PRIVADO utilizar como critério para remuneração dos empregados o piso salarial da categoria, bem como a celebração de acordos coletivos de trabalho vinculados ao cumprimento das metas estipuladas, à redução interna dos custos ou ao aumento da produtividade, sempre compatíveis com ospraticados no mercado de trabalho. (SEDUCE, 2016)
Como argumentamos anteriormente, a utilização do futuro do presente do indicativo, na conjugação do verbo poder, é proposital. Funciona, por assim dizer, como um condicionante bastante relativo.
O Parceiro Privado poderá ou não adotar o piso básico nacional.
Nosso horizonte de análise, portanto, confirma que a descapitalização da Rede Pública Estadual de Ensino, nas últimas décadas, foi uma condição, uma prerrogativa, para a capitalização pública do mercado privado.
Uma não ocorreria sem a outra.
Capitalização pública do mercado das Organizações Sociais
Essa é a definição de Organização Social divulgada pela SEDUCE, de forma simplificada:
Uma Organização Social (OS) é uma entidade sem fins lucrativos, uma associação, que, por cumprir determinados requisitos exigidos em Lei, é considerada apta para fazer parceria com o Estado nas áreas da saúde, cultura, educação, serviços sociais, etc. (SEDUCE, 2016b) Grifos do autor.
Essa é a definição formal, franciscana, justificada por um arcabouço jurídico próprio.
Até mesmo a Secretaria de Educação, professora Raquel Teixeira, como política experiente, manifestou que as Organizações Sociais, diante de uma pergunta gravada em vídeo, lucrarão com o processo.
Esse é, portanto, um ponto de partida para a discussão.
Existe, sim, uma disputa pelo mercado, operado pelas Organizações Sociais. Há uma expectativa de lucro.
Isso não significa, do ponto de vista abstrato, que não exista possibilidade de prestação de um serviço de qualidade.
A razão divulgada para implementação das Organizações Sociais mistura argumentos pedagógicos à motivações econômicas.
O Governo Estadual assume que o sistema é ineficiente.
Um dos problemas é a dedicação de diretores às questões burocráticas.
Espanta a distinção entre questões administrativas e questões pedagógicas presentes no Edital de Chamamento Público. A decisão de contratar e avaliar um professor é administrativa ou pedagógica?
Figura 6: Relatório de repasses do Proescola para a Escola Estadual Senhor do Bonfim, ano 2015 Fonte: Seduce (2016)
A Organização Social terá responsabilidade pelas questões administrativas, como se esse fosse o ponto nevrálgico do processo. Isso significa que a Organização Social operacionalizara o funcionamento das escolas, assumindo os custos de manutenção, água, energia, telefone, merenda escolar, entre outras despesas que permitem o funcionamento cotidiano das escolas.
A gestão dessas atividades, atualmente, é realizada pela Secretaria de Educação em parceria com Diretores e a Comunidade Escolar, que administram os parcos recursos destinados ao funcionamento das escolas.
A armadilha, disfarçada de expertise administrativa, passa por atribuir responsabilidade aos diretores pela ineficiente gestão de suas escolas.
Uma pergunta prática para os diretores das unidades escolares:
- Como administrar a rotina escolar, especialmente as pequenas demandas diárias, sem recursos financeiros adequados?
A figura 6 indica os repasses do Programa Proescola para uma das escolas incluída no primeiro lote das Organizações Sociais [3]. O valor per capita ao ano para despesas de manutenção em 2015 foi de R$ 51,34 por aluno.
Durante um ano, essa pequena escola, de 10 salas, 337 alunos e 20 professores (11 efetivos e 9 contratados), recebeu R$ 16.995,80, o que significa que o diretor lidou com R$ 1.416,31 por mês para a escola, para atender as diferentes demandas de capital e custeio.
É necessário advertir que esse não é o total per capita para a escola, mas o valor destinado pelo principal programa para manutenção, divulgado no Relatório dos Repasses do ProEscola [4].
Estimativas divulgadas, sem comprovação de fonte, dão conta de um valor entre R$ 110,00 e R$ 115,00, por aluno [5].
Esse valor médio, como indicado na figura 07, se repete para as demais escolas do estado de Goiás.
Os maiores valores globais foram registrado para Goiânia.
As 133 escolas da capital, com 73.722 alunos, receberam apenas R$ 3.353.907,00 para despesas de custeio e capital.
Figura 7: Repasse geral e per capita do Programa Proescola, por agrupamento de escolas estaduais no município, 2015 Fonte: INEP (2014), SEDUCE (2015)
Muito embora os números não reflitam outros dados de custeio e investimento em capital, assim como mão de obra, é possível deduzir que os recursos não são suficientes para lidar com demandas cotidianas, o que torna os diretores figuras centrais nessa ginástica orçamentária.
Os diretores, portanto, não são o problema, uma vez que lidam com orçamentos demasiadamente apertados para as demandas diárias.
Figura 8:Previsão de repassas anuais para as escolas da primeira chamada
Fonte: SEDUCE (2015)
O primeiro lote destinado as Organizações Sociais qualificadas consta de 23 escolas, com total de 16.016 alunos, como indicado nas figuras 8 e 9.
Continuando as possíveis comparações, é interessante observar que, em 01 ano será destinado, considerando o teto do repasse, para aconchegante escola Senhor do Bonfim, em Pirenópolis, R$ 1.390.200,00 e em três anos o valor de R$ 4.170.600.00. É necessário pontuar:
- que as ações das Organizações Sociais abarcam uma série de despesas, o que inclui, também, gastos parciais com mão de obra;
- que outras formas de captação de recursos, prevista no Edital de Chamamento, não estão contabilizadas.
No tocante a mão de obra, as Organizações Sociais, segundo o
Edital (SEDUC, 2015), não apenas herdarão um quadro efetivo de dar inveja a qualquer proprietário de escola privada, mas também serão autorizadas a manejar, ao seu gosto, o salário dos professores.
O Anexo VII, item 2.21, da referida minuta, confirma a intuição:
Manter em seu quadro docente, no mínimo, 30% (trinta por cento) dos profissionais do magistério pertencentes ao quadro efetivo da SEDUCE.
O restante da mão de obra necessária deverá ser contratada, sob regime da CLT. (SEDUCE, 2015)
Figura 9: Localização e estimativa de repasse de recursos para escolas do primeiro lote da Microrregião de Anápolis
Fonte: SEDUCE (2015)
A despesa com mão de obra, portanto, será reduzida, uma vez que o estado arcará com parte dos contratos e, como demonstramos em outro momento (Arrais, 2016), não ha garantia do piso nacional.
Ai residem dois cenários ideias para as Organizações Sociais.
Primeiro: uma escola com 90% concursados, por exemplo, será uma escola com 10%, apenas, de gasto com mão de obra. Essa interpretação é perfeitamente plausível.
Das escolas descritas objeto do primeiro Edital de Chamamento, algumas chegam a ter, em seu quadro, 79% de professores concursados.
Não é claro como será a transferência de professores.
A própria Secretaria da Educação argumentou em entrevista divulgada na SEDUCE;
“Os professores que não concordarem em atuar com as OSs poderão pedir transferência para outra escola” (SEDUCE, 2015)
Segundo: se a mão de obra em regime de CLT ultrapassar 70%, sempre será possível propor aditivos contratuais.
Item 9.22 do Edital de Chamamento Público autoriza essa conclusão:
“No decurso do contrato de gestão, poderão ser feitas alterações na parceria firmada, tais como acréscimos de serviços, ampliação de metas, reequilíbrio econômico financeiro, investimentos em infraestrutura, mobiliários e equipamentos, conforme disposto no art. 8-A da Lei Estadual nº 15.503/2005.” (SEDUCE, 2015)
Mas não é difícil reconhecer como um negócio pode ser lucrativo. Um exercício básico de multiplicação e algumas projeções resolve isso.
A figura repete informações, com base no Programa Proescola, sobre os repasses para manutenção (capital e custeio) das escolas da Rede Pública Estadual de Ensino. O gasto total para as escolas estaduais, no ano de 2015, foi de R$ 22.712.557,00.
Esse valor parece bastante reduzido para demandas diárias. No entanto, quando considerando o teto do repasse para apenas 23 escolas para as Organizações Sociais, o valor seria R$ 67.267.200,00, apenas no primeiro ano e, como indicado na figura 10, R$ 201.801.600,00, até o terceiro ano.
Figura 10: Previsão de repasse cumulativo (mínimo e máximo) para as 23 escolas objeto do Edital de Chamamento
Fonte: Organizado a partir de dados da SEDUC (2015)
Se a figura 10 apresenta a previsão de repasse cumulativo, as figuras 11 e 12 oferecem um exercício de extrapolação, com base no modelo aplicado em toda a rede pública de educação, composta por 492.132 alunos para o ano de 2014, como indicado pelo INPEP (2015). A multiplicação de 492.132 alunos por R$ 3.000,00, total referente a 12 repasses de R$ 250,00 mensais, resulta no valor de R$ 1.476.396.000,00. Substituindo primeiro valor pelo teto, ou seja, R$ 4.200,00 anuais ou R$ 350,00 mensais, chegariam ao estoque anual de R$ 2.066.954.400,00.
Isso é um exercício de estoque, sendo necessário advertir que a Secretaria de Educação não manifestou a intenção de implementar o modelo das Organizações Sociais em toda a Rede Estadual de Ensino.
Figura 11: Estimativa de repasse de recursos no valor de R$ 250,00, por aluno e por agrupamento de escolas públicas estaduais nos municípios goianos
Fonte: INEP (2014), SEDUCE (2015)
Figura 12: Estimativa de repasse de recursos no valor de R$ 350,00, por aluno e por agrupamento de escolas públicas estaduais nos municípios goianos
Fonte: INEP (2014), SEDUCE (2015)
Se admitirmos que existe um mercado atrativo, então passamos da duvidar da filantropia das Organizações Sociais.
Há outros modos de filantropia, bastando para isso conhecer a história das Ordens Medicantes Medievais.
A opinião do professor Luiz Carlos de Freitas, da Unicamp, sobre esse processo em Goiás, é oportuna:
É óbvio que não se pode vender uma escola para a iniciativa privada. Igualmente não se vendem as estradas, coloca-se pedágio.
Ocorre que não é apenas a posse ou não dos prédios que definem a privatização, mas são as relações que ocorrem dentro dos prédios. As relações do setor privado são distintas das do setor público.
O estado de Goiás está entregando à administração privada um bem público e isto chama-se privatização por concessão de gestão. (Freitas, 2015)
Mas ainda guardo reticencias de admitir, in totum, o termo privatização.
A passagem de um ativo público para o setor privado, mesmo tendo um mercado garantido, ainda envolvem riscos. Uma hipótese simples ilustra esse argumento.
A possibilidade de uma empresa estatal de petróleo ser privatizada não é garantia de 100% de lucro para os proprietários.
A queda nos preços do petróleo ou mesmo a descoberta e/ou valorização de outra matriz energética poderia, hipoteticamente, reverberar nas margens positivas de lucro.
Com a Organização Social isso não ocorre.
A “concessão da gestão” implica em garantias de transferências frequentes de recursos sem os riscos do mercado de uma empresa comum.
Assim caminhamos para um sistema adjetivado de Rede Publica Estadual de Educação bastante fragmentado, com uma pequena parcela das escolas militarizadas e outra fração progressiva de escolas geridas por Organizações Sociais.
Todas públicas. Não. Todas com isonomia de recursos? Também não.
A posição dos campos formativos
A universidade, geralmente, é um lugar de difícil consenso.
Longe esta o tempo em que, especialmente nas ciências humanas, as cadeiras eram ocupadas por docentes de orientação de “esquerda”, no estilo romantizado no filme Invasões Bárbaras, dirigido por Denys Arcand.
No entanto, a julgar pelas manifestações formais dos cursos de licenciatura, como a biologia, a história, a geografia, a pedagogia, a letras, entre outros, há uma discordância geral sobre a presença das Organizações Sociais na gestão da Rede Pública de Educação Estadual.
Essa preocupação é partilhada por muitos professores do Instituto Federal de Educação e da Universidade Estadual de Goiás. Mas por que a preocupação? Será esse mais um conluio de esquerda?
Difícil chegar a uma conclusão que não seja, tal como o processo de implementação das Organizações Sociais, apressada. A discussão sobre as políticas públicas em várias escalas da esfera administrava estatal sempre demanda intervenções, opiniões e sugestões das universidades. Esse rito, no caso em questão, não foi sequer levado em consideração.
A Secretaria de Educação do Estado, a priori, não tem o dever de seguir as recomendações de professores e pesquisadores, assim como a Secretaria de Desenvolvimento Urbano Municipal de Goiânia nunca considerou os pareceres técnicos da UFG sobre o uso do solo urbano.
Mas sempre existiu, e a historia prova isso, uma espécie de retórica da consulta técnica.
Mas por que os campos formativos deveriam ser consultados? As razões, analisando pelo turno da UFG, são duas:
Primeira: A participação democrática e transparente deveria ser a marca da gestão pública.
A inclusão dos campos formativos, sindicatos e mesmo uma consulta pública seria conveniente.
É no mínimo incomodo afastar a opinião pública, manifestada pelos campos formativos da UFG, por exemplo, e incluir na formulação da proposta a gestão privada.
UFG tem a missão de, nunca é demais lembrar, gerar, sistematizar e socializar o conhecimento e o saber, formando profissionais e indivíduos capazes de promover a transformação e o desenvolvimento da sociedade.
Segunda: Se o primeiro argumento não é capaz de sensibilizar, o segundo deveria surtir efeitos nos Conselhos Superiores das Universidades Públicas, como a UFG.
Existem mais de cinco dezenas de curso de licenciatura na UFG, responsáveis pela formação de centenas de professores todos os anos.
Qualquer mudança que diz respeito ao campo de atuação desses futuros professores deveria, portanto, ser razão para uma manifestação formal UFG.
A luta pela valorização dos professores, não podemos nos enganar, é a luta pela sobrevivência da própria universidade, como campo formativo.
Fica a sugestão, portanto, que a Universidade Federal de Goiá proponha, formalmente, a suspensão do Edital de Chamamento e empreenda, ao lado da professora Raquel Teixeira, que ainda goza de prestígio nos corredores da UFG, um debate aberto e suficientemente maduro, para que possamos avançar na direção de sistema público de qualidade, universal e inclusivo.
Conclusão ou o Grand Tour educacional
A Secretaria Estadual de Educação, professora aposentada da UFG, Raquel Teixeira, em entrevista para a TV UFG (TV-UFG, 2016), ainda no segundo minuto de sua fala, assim se expressou:
“Tudo o que você quiser sobre o mundo eu sei.
De experiência de educação pública não estatal”.
O que difere as experiências com a educação pública estatal da experiência de educação pública não estatal?
Por que essas opções aparecem como inconciliáveis? É preciso lembrar, primeiramente, que não haveria problema se ambas não fossem nutridas com dinheiro público.
A “filantropia” nas Organizações Sociais é feita, essencialmente, com recursos públicos.
O orçamento da educação ocupa os primeiros lugares, em termos de gastos, em qualquer que seja a escala de governo. Os dois sistemas, portanto, passam a disputar os parcos recursos públicos.
Não haverá isonomia em relação aos repasses públicos para essas modalidades de gestão. Essa é a perversidade do sistema.
As escolas da Rede Pública Estadual de Ensino recebem, por aluno, em comparação com o valor proposto no Edital de Chamamento Público, menos de um terço do total, sem contar outras possibilidades de captação de recursos pelas Organizações Sociais que são negados, por exemplo, aos diretores das escolas públicas, sejam elas municipais, estaduais ou mesmo federais.
Mas a eficiência das Organizações Sociais não depende apenas de propalar a total falência do ensino público.
É necessário deixar aquele tanto necessário de escolas sobre domínio público para que possa dar a impressão, a todos, que esse sistema esta fadado ao fracasso.
O professor Wanderson Ferreira Alves, doutor em educação pela USP e Coordenador do Doutorado da Faculdade de Educação (UFG), argumentou:
Os melhores sistemas educacionais (Alemanha, França, Finlândia etc.) são públicos e com gestão pública, não são terceirizados, não são militarizados e não são conduzidos por empresários.
Eles custam, sem dúvida, bem mais que os parcos recursos depositados pelo Brasil na sua escola pública. (Jornal O Popular, Opinião).
A professora Raquel Teixeira, Secretaria da Educação do Estado de Goiás, estudou e teve a oportunidade de conhecer outros sistemas educacionais pelo planeta, a exemplo do sistema da Coréia do Sul e dos Estados Unidos.
Essa experiência, que não devemos desprezar, foi proporcionada pelo objetivo de reformar a educação pública de Goiás.
Imagino como não deve ter sido fértil, em conjunto com sua equipe, o diálogo com gestores de outras latitudes.
Entretanto, tal qual os aristocratas europeus do século XVII, o Grand Tour sempre implicou em afastamento, por longos períodos, dos seus torrões natais.
O Grand Tour foi, antes de tudo, uma aventura instrutiva reservada para jovens cultos e abastados.
Quão fértil seria se esse Grand Tour Educacional também tivesse sido realizado nas mais diferentes regiões do território goiano, na esperança de que o contato direto com as demandas locais fosse traduzido em um modelo democrático de intervenção.
Como alunos, professores e diretores das escolas públicas estaduais ficariam horados em escutar a gentil fala da professora Raquel Teixeira, uma pessoa com toda leitura e suma doutoração.
Quanto a esse autor, restou a humilde tarefa tentar convencer os leitores partir de bonitos mapas. “Verdade maior. É o que a vida me ensinou” (Rosa, 1986, p.15)
*Tadeu Alencar Arrais é professor associado do IESA/UFG e colaborou para Pragmatismo Político.
Referências bibliográficas:
ALVES, Wanderson Ferreira. OSs na rede estadual de educação. Jornal O Popular. Opinião. In:http://www.opopular.com.br/editorias/opiniao/da-reda%C3%A7%C3%A3o-1.146391/oss-na-rede-estadual-de-educa%C3%A7%C3%A3o-1.1012089. Acesso em 22 de janeiro de 2016.
ARRAIS, Tadeu Alencar. A vanguarda do atraso: OSs na educação em Goiás. In:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/01/a-vanguarda-do-atraso-os-na-educacao-em-goias.html. Acesso em 20 de janeiro de 2015.
FREITAS, Luiz Carlos de. Goiás: secretária “cria” justificativas para aventura privatista. Publicado em 9/12/2015. In: http://avaliacaoeducacional.com/2015/12/09/goias-secretaria-cria-justificativas-para-aventura-privatista/
HARVEY, David. O neoliberalismo – história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008
HAYEK, Friedrich August. O caminho da servidão. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
RAVITCH, Diane. Vida e morte do grande sistema escolar americano – como testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação. Porto Alegre: Sulina, 2011.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 33ª Impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
TV-UFG. Entrevista professora Raquel Teixeira. In: http://www.tvufg.org.br/entrevista-com-raquel-teixeira/. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
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Fontes de dados e documentais:
SEGPLAN. 2015. Edital do processo seletivo simplificado número 001/2015. In:http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2015-03/edital-001-2015-educacao.pdf. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
GOIÁS. Lei número 13.666, de 27 de julho de 2000. In:http://seduc.go.gov.br/documentos/prestacaodecontas/Lei13666de27dejulhode2000.pdf. 2000.
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