Meio ambiente

Emissão de gases do efeito estufa bate recorde em 2010, afirma relatório da AIE

Plantão | Publicada em 30/05/2011 às 10h50m
O Globo
Aumento da emissão de gases do efeito estufa em 2010/ AFP
RIO - A emissão de gases do efeito estufa bateu recorde no último ano, no que foi a maior liberação de carbono na atmosfera já registrada, diminuindo as esperanças de manter o aquecimento global em níveis seguros difíceis, de acordo com um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), ao qual o "Guardian" teve acesso.

Essas informações significam que o objetivo de prevenir um aumento de temperatura de mais de dois graus Celsius - que cientistas dizem ser o limite para mudanças climáticas potencialmente perigosas - deve se tornar apenas uma "bela utopia", de acordo com Fatih Birol, economista chefe da AIE. Também mostram que a maior recessão global nos últimos 80 anos, a crise de 2008, teve apenas ume efeito mínimo nas emissões, contrariando algumas previsões.

No último ano, um recorde de 30,6 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) foram despejados na atmosfera, oriundos principalmente da queimas de combustíveis fósseis - um aumento de 1,6 Gt em relação a 2009, de acordo com estimativas da AIE.
A maior parte do aumento - cerca de três quartos - veio de países em desenvolvimento, já que as economias emergentes têm resistido mais à crise. MAIS►►
- Estou muito preocupado. Essa é a pior notícia sobre emissões - disse Birol ao Guardian. - Está se tornando extremamente desafiador permanecer abaixo de dois graus. A perspectiva está ficando mais sombria. É isso que os números dizem.

O professor Lord Stern, da London School of Economics, autor do influente relatório Stern, sobre a economia das mudanças climáticas, avisou que se o padrão se mantiver, os resultados serão terríveis.

- De acordo com as projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, esse caminho indicaria cerca de 50% de chances de aumento na temperatura média global de mais de 4 C em 2100. Essa temperatura acabaria com a vida e o sustento de centenas de milhões de pessoas em todo o planeta, levando a uma migração em massa e a conflitos. Este é um risco que qualquer pessoa em sã consciência iria procurar reduzir drasticamente- ele disse.

Birol disse ainda que desastres poderiam ser evitados, se os governos atendessem aos avisos.
- Se nós tivermos uma ação decisiva, incisiva e urgente, ainda temos uma chance de obter sucesso - ele disse.

Um alerta urgente para os governantes
A AIE calculou que, se o mundo quiser escapar dos efeitos mais danosos do aquecimento global, as emissões anuais relacionadas à geração de energia deveriam ser não maiores que 32Gt em 2020. Se as emissões deste ano aumentarem tanto quanto em 2010, esse limite será excedido nove anos antes, tornando impossível manter o aquecimento em níveis possíveis de controlar.

As emissões relacionadas à energia caíram timidamente entre 2008 e 2009, de 29,3Gt para 29Gt, devido à crise mundial. Um pequeno aumento foi previsto para 2010, conforme a recuperação das economias, mas a escala de aumento chocou a AIE.

- Eu estava esperando uma repercussão, mas não uma tão grande - disse Birol, que é considerado um dos maiores especialistas em emissão.

John Sauven, diretor-executivo do Greenpeace no Reino Unido, comentou o relatório:
- Essas notícias deveriam chocar o mundo. No entanto, mesmo agora, os políticos em cada um dos grandes poderes estão procurando formas extraordinárias e arriscadas de extrair as últimas reservas de combustíveis fósseis do mundo - mesmo sob o derretimento do gelo do Ártico. Você não precisa apagar um incêndio com gasolina. Será preciso agora que nós o impeçamos.

O representante do Greenpeace acrescentou que, enquanto os dados de emissões são muito ruins, houve outros fatores que tornam ainda mais improvável que o mundo alcance suas metas relacionadas à contenção do aquecimento global.

Cerca de 80% das centrais de energia passíveis de serem usadas em 2020 já estão construídas ou em construção, levantou a AIE. A maioria é de centrais de combustíveis fósseis que dificilmente serão inutilizadas nos próximos anos. Eles então continuarão a emitir carbono - possivelmente em meados do século. As emissões dessas centrais somam cerca de 11,2Gt, num total de 13,7Gt do setor de eletricidade. Isso significa que é preciso compensar esse quadro em outras áreas.

Outro fator que sugere que as emissões vão continuar aumentando é a crise na indústria de energia nuclear. Seguindo os efeitos da tsunami em Fukushima, Japão e Alemanha anunciaram restrições em seus programas de reatores.

- As pessoas podem não gostar da energia nuclear, mas está é uma das principais tecnologias de geração de eletricidade sem emissão de CO2 - disse Birol.
O espaço deixado pela redução das ambições nucleares no mundo todo provavelmente não será inteiramente compensado por energias renováveis, significando um aumento na exploração de combustíveis fósseis.

Somado a tudo isso, as negociações lideradas pela ONU para um novo tratado global sobre mudanças climáticas estão paralisadas.
- O significado da mudança climática nos debates internacionais está muito menos presente do que alguns anos atrás - afirmou Birol.

Ele lançou um apelo aos governantes para tomarem ações urgentes:
- Isso pode ser um alerta forte. Uma chace de ficar abaixo do aumento de 2C na temperatura do planeta seria se tivéssemos um acordo juridicamente vinculado ou movimentos importantes na direção de tecnologias de energia limpa, eficiência energética e outras tecnologias.

Próximas discussões
Governantes devem se encontrar na próxima semana em Bonn, Alemanha, para a próxima rodada de conversas da ONU, mas pouco progresso é esperado.
Uma pesquisa liderada por David King, conselheiro científico do governo britânico, deve mostrar em breve que o ocidente só conseguiu reduzir as emissões aumentando as importações de países como a China.

Outra questão que preocupa a AIE é o efeito relativamente pequeno que a recessão - a pior desde a crise de 1930 - teve sobre as emissões. Inicialmente, a agência esperava que a redução resultante da crise poderia ser mantida, ajudando a dar ao mundo um "espaço para respirar" e orientando os países num caminho de baixa emissão de carbono. As novas estimativas sugerem, no entanto, que a oportunidade pode ter sido perdida.
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