O antropólogo Donald Brown afirma que toda sociedade com suprimentos suficientes para produzir etanol potável o produziu. Apesar de a cerveja não ser a bebida alcoólica mais fácil de se produzir (essa honra vai para o vinho), tem uma história longa e é muito presente em diversas culturas.
No Brasil, comparados com os milhares de anos da cerveja, só fabricamos essa preferida nacional há 200 anos. Temos grandes marcas comerciais, mas também uma boa gama de cervejas artesanais.
A região sul é a mais rica nesse segmento. Tradicional e com muitas famílias com cultura arraigada na cerveja, é possível encontrar diversas opções excelentes. Minas Gerais é um estado que vem crescendo nesse quesito, e já conta com 12 fábricas de cervejas artesanais, além de 70 cervejeiros caseiros. A produção total por mês passa de 1 milhão de litros. Por outro lado, é a região norte que está inovando e trazendo sabores novos para nossas cervejas, maturando-as com frutas exóticas locais, que dão um toque mais do que especial à bebida.
Como nos EUA, o mercado brasileiro está cada vez mais disposto a experimentar essas cervejas novas, diferentes, especiais e de maior qualidade.
Mas quais seriam as forças motrizes por trás desse aumento da popularidade da cerveja artesanal?
Ao invés de simplesmente conjecturar, vamos explorar possíveis respostas com uma das grandes amigas da cerveja: a ciência!
O consumo é influenciado por uma variedade de fatores. O antropólogo Daniel Lende propõe os seguintes fatores como úteis para compreender o que impulsiona o consumo: sensorial, corporal, experiencial, social, significativo e decisão de engajamento. Ele afirma que “as empresas e produtos que exploram mais desses seis processos interativos irão criar mais consumo”.
Sensorial
Lende descreve este fator como algo que chama a atenção pela aparência, e provoca os nossos gostos. A cerveja artesanal sem dúvida se esforça para criar uma resposta sensorial, com muito mais ingredientes e quantidades maiores deles sendo utilizada em seu processo de fabricação do que no da cerveja comercial.
Qualquer um que conheça um cervejeiro artesanal e seus consumidores sabe que eles costumam rotular cervejas famosas dominantes do mercado como “aguadas” e “sem gosto”, insinuando que a cerveja artesanal pode provocar um maior envolvimento dos sentidos. Isso tem fundamento no fato de que cervejarias grandes tendem a usar o máximo de água e o mínimo de lúpulo e malte possível, substituindo-os por insumos mais baratos que ajudam a diminuir o preço final do produto, mas também prejudicam sua qualidade.
Corporal
O fator “corporal” gira em torno de “fornecer matérias-primas que são fáceis de manipular e consumir”. Quando comparada com cervejas mais tradicionais, a artesanal é consideravelmente mais difícil de produzir. O conhecimento necessário para transformar ingredientes diferentes em um produto refinado não é fácil de adquirir, especialmente considerando o fato de que a maioria dos cervejeiros artesanais produzem uma grande variedade de cervejas que se estendem por toda a gama de estilo.
Apesar disso, os cervejeiros artesanais geralmente não veem seus colegas de profissão como concorrentes. Em vez disso, eles consideram a cerveja artesanal uma marca em si, que está em concorrência com os “grandes” da fabricação de cerveja. Devido a essa mentalidade, cervejeiros artesanais muitas vezes colaboram uns com os outros, compartilham técnicas e práticas, equipamento de laboratório e até mesmo matérias-primas. Enquanto isso geralmente passa despercebido pelo consumidor final, uma manifestação visível são as garrafas especiais lançadas que são produzidas conjuntamente por vários fabricantes de cerveja.
Significativo
Outro fator com manifestações bastante perceptíveis é o “significativo”. Cervejeiros artesanais não apenas lhe fornecem uma experiência mais saborosa; eles transportam o consumidor para um momento ou lugar especial.
Os clientes não necessariamente escolhem esses temas por conta própria; em vez disso, precisam de orientação para fazer as conexões devidas entre o produto e a experiência que ele oferece, por exemplo, através do rótulo ou site da bebida, que às vezes dá uma explicação sobre ela para os consumidores.
As mensagens podem cobrir uma ampla gama de tópicos, desde dicas para sentir gostos distintos ao tomar a cerveja, dicas para combiná-la com certos alimentos (a experiência sensorial) até esforços para situar a cerveja dentro de uma determinada comunidade, ou contar um pouco de sua origem e de seus ingredientes.
Por exemplo, confira a descrição da “Stout Açaí”, da Amazon Beer, eleita a melhor cerveja artesanal do país no Concurso Brasileiro de Cerveja deste ano.
Ou seja, a cerveja é mais do que uma “bebida barata usada para se embriagar”. Cervejeiros artesanais buscam um diferencial para seu produto conquiste cada vez mais os consumidores.
E, se você gostaria muito de ir tomar uma cerveja artesanal agora, mas acha que elas são caras, há uma explicação. Além, é claro, de todo o trabalho envolvido na sua fabricação, impostos altos e a cara logística brasileira influenciam no valor do produto final.
No Brasil, em geral, há uma carga tributária altíssima, que chega a bater 60% do preço de tributos, tanto estaduais quanto federais. O ICMS (imposto sobre a circulação de mercadorias e prestações de serviços), por exemplo, representa 25%. Felizmente, algumas tentativas de melhorar o quadro estão acontecendo. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou esse ano um projeto de lei para dar impulso às microcervejarias que prevê a redução da alíquota de 25% para 13% para a produção de 50.000 litros de cerveja ou chope artesanal por mês. Também esse ano, o governo do Rio Grande do Sul reduziu de 25% para 12% o ICMS recolhido pelas empresas com volume de 200 mil litros de cerveja ou chope artesanal por mês. É pouco, mas já é alguma coisa. [Plos, UOl, ClubBeer, CervejariaSeasons, Globo, OGlobo, JCRS]
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