HISTÓRIA DRAMÁTICA:►Médico do SAMU

01/10/2013 
Por Roberto Corrêa Ribeiro de Oliveira, médico anestesiologista, trabalha no SAMU da cidade de Araguaina, TO

Ao atender esta semana, como médico do SAMU, dois jovens baleados em um bairro da periferia de nosso Brasil, fiquei muito triste e pensativo.
Enquanto a viatura se dirigia para a cena do crime fui tomado por um sentimento estranho que me fez repensar a nossa triste realidade brasileira, que tem como marcas principais a injustiça e o abandono social.
Uma mistura complexa de sentimentos e emoções vinham a minha cabeça à medida que adentrávamos pela periferia da cidade: a preocupação com minha segurança pessoal e a da equipe, como seríamos recepcionados pela população, qual seria a real gravidade dos feridos, eram perguntas que precisavam ser respondidas e fervilhavam em minha cabeça.
Casas humildes, cercadas por arames e outras vezes por restos de material de construção, misturadas a algumas casas relativamente bem construídas se misturavam no cenário que passava pela janela de nossa ambulância.
Após alguns minutos, chegamos a uma rua de terra muito estreita e cheia de buracos, onde havia um jovem de aproximadamente 16 anos estirado de bruços sobre o chão de terra batida, cercado por curiosos e familiares.
Seu coração já não batia.
Sua mãe sentada em uma cadeira, ao seu lado, chorava e lamentava a situação do filho que se encontrava morto frente ao seus olhos incrédulos e perguntava aos quatro ventos:
– Por quê, Senhor?
Após constatar o óbito desse adolescente, corremos para atender a outra vítima que estava em melhores condições, apesar dos tiros recebidos.
Enquanto atendíamos e imobilizávamos a vítima, não pude deixar de notar uma legião de adolescentes com o cabelo cortado estilo Neymar, alguns com correntes no pescoço à maneira de cantores de funk que rodeavam o amigo ferido, preocupados com o desfecho de uma história que poderia ter eles mesmos como atores principais.
Ao atender esse jovem baleado fiquei impressionado com sua atitude madura, respeitosa, tranquila que se assemelhava a um personagem desses filmes de guerra, em que o herói resistia bravamente aos ferimentos, ao ser atendido no campo de batalha pela equipe de socorristas.
Isso me chocou e ao mesmo tempo me entristeceu muito, ao ver um jovem cidadão brasileiro de valor, perdendo o seu futuro para o crime organizado.
Estamos perdendo nossa juventude para as drogas e para as instituições criminosas.
O roubo do sonho e da esperança de uma nação é pior que o roubo do tesouro material de um país, porque esse roubo se eterniza na miséria e na falta de expectativa de uma geração, comprometendo o futuro de nosso povo.
Imobilizamos o paciente e o colocamos na maca dentro da ambulância para ser transportados para o hospital. Neste meio tempo, chegou a polícia, repórteres sensacionalistas, outros moradores curiosos, o “rabecão do IML”.
Cena de crime, após tiroteio, na periferia de Florianópolis, como tantas semelhantes em outras cidades do país: “vergonha de ser brasileiro” (Foto: Cristiano Estrela / Agência RBS)
Ao darmos com dificuldade ré na ambulância, pude ver cartazes de eleições passadas afixados ainda em algumas residências, vi pichações com nomes de alguns candidatos de eleições anteriores em muros caindo aos pedaços.
Fiquei perplexo ao constatar, pessoalmente e naquele momento, que o problema é muito mais sério do que imaginamos.
Mais uma vez senti vergonha de ser brasileiro. Mais uma vez fiquei triste por não conseguir ignorar a dura realidade desse país. Sofreria menos.
A miséria toma conta de nossa nação. Estão roubando dos jovens brasileiros o seu sonho, a sua esperança, o seu futuro e a sua dignidade.
A falta de perspectiva e os maus exemplos dos políticos e dos criminosos impunes mandam uma mensagem clara e inequívoca aos nossos adolescentes: O CRIME COMPENSA.
Só esqueceram de dizer à eles que o CRIME DO COLARINHO BRANCO realizado por “homens poderosos” e que têm uma legião de comparsas e artifícios para protegê-los é diferente do crime do brasileiro comum, que tem todo o rigor da lei para puni-los.
E que o martelo do magistrado, que bate à favor dos corruptos e poderosos, é diferente do martelo que da a sentença ao cidadão comum brasileiro: geralmente esse tem um barulho mais alto, sai faísca e solta fogo.
Estamos perdidos. Não acredito em uma solução a curto prazo.
Quem poderia, hoje, resolver parcialmente esses problemas está preocupado em saquear o patrimônio público o mais rápido e de forma mais eficiente possível, esquecendo-se do real propósito e objetivo de sua missão:
CRIAR UM BRASIL COMPETITIVO, DIGNO E MAIS HUMANO.
Que Deus nos proteja.

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