Novo ministro da Justiça diz que a sua prioridade é apoiar a Lava Jato, que chegou ao topo da cadeia de comando, onde está a elite política do país.
'Não há necessidade de troca', diz Moraes, sobre comando da Polícia Federal (Evaristo Sá/AFP)
O novo ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, está sentado numa das cadeiras mais espinhosas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Nos últimos três meses, três pessoas comandaram a pasta.
Para ter uma vida mais longa que a de seus antecessores, Alexandre de Moraes sabe que deverá dar espaço à Operação Lava Jato.
"Vou dar total respaldo e maiores condições para combater a corrupção", diz ele.
"Todos serão investigados, independentemente de quem seja", garante, constatando que a investigação do escândalo do petrolão chegou ao topo da organização criminosa, onde está a elite política do país, incluindo alguns ministros e colegas de governo.
Favorável à delação premiada e à participação da Polícia Federal na elaboração desses acordos, Alexandre de Moraes é, por outro lado, contrário à adoção da lista tríplice de candidatos mais votados pela categoria para assumir a diretoria-geral do órgão.
"A diretoria da PF acha a lista tríplice necessária? Os superintendentes acham que ela é necessária? Não.
Na verdade, quem acha que é necessária é só a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF)", diz Moraes, que acabou comprando uma briga com os procuradores da República por dizer que o presidente não é obrigado a se submeter à lista apresentada pela categoria.
A declaração foi interpretada como uma crítica direta à tradição da PGR.
Ele alega, porém, que estava falando dentro de uma tese.
Acostumado a lidar com críticas e trabalhar sob pressão, Alexandre de Moraes foi secretário de Justiça de São Paulo em meio a revoltas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e foi secretário de Segurança do governo de Geraldo Alckmin em São Paulo durante as manifestações sociais que tomaram a Avenida Paulista.
"Ninguém me oferece uma embaixada na França, uma vaga bacana", brinca, sem desfazer a expressão séria.
Na prática, como o senhor dará respaldo à Lava Jato? Hoje a Lava Jato é o símbolo de uma operação bem-sucedida da PF com o MPF, um símbolo de combate à corrupção.
E não é só um simbolismo, mas uma efetividade.
A operação desmantelou o verdadeiro crime organizado, constituído pela alta iniciativa privada e vários agentes do poder público se imiscuindo para lesar o Erário.
Em um de seus discursos mais famosos, o senador romano Cícero dizia que o agente público corrupto deveria ser duas vezes punido: pela corrupção e pelo exemplo que dá para novas gerações.
Mas há um terceiro fator : ele está tirando o dinheiro que é para o saneamento básico, a saúde e a educação.
Ele está causando indiretamente diversas mortes.
Não tem perdão.
Por isso, se a Lava Jato precisar de mais apoio financeiro, mais recursos humanos, apoio político institucional do ministério, eu darei.
Isso é uma determinação do presidente Michel Temer.
Ele quer garantir a total independência e a autonomia dos investigadores.
Alguns ministros que integram o governo Temer foram citados por delatores e podem entrar na mira da Lava Jato.
O senhor se sentiria confortável diante de uma operação que envolvesse os seus colegas?
Eu falo com absoluta tranquilidade, porque muito tempo atrás investiguei políticos.
Quem investiga investiga fatos, e não pessoas.
A partir dos fatos que surgem numa investigação, chega-se a pessoas.
Se esses fatos levarem a provas contra pessoas, não importa se a pessoa é A, B, C ou D.
Não importa a cor, nem ideologia, nem cargo, nem idade.
Todos serão investigados, independentemente de quem seja.
Os vazamentos das operações e de informações da Lava Jato também serão investigados em sua gestão?
Uma questão é investigar o vazamento de delação, de interceptação telefônica, de laudo pericial e de questões sigilosas.
Isso é crime e tem que ser combatido.
A outra questão é você, antes de investigar, antes de saber quem foi, afastar alguém.
Quando o segredo não é de um só, o sigilo passa pela polícia, pelo cartório judicial, pelo Ministério Público, pelo cartório do Ministério Público e pelo juiz.
O processo passa por cinco lugares.
Se alguém vaza, a responsabilidade é da polícia? Não...Você tem que investigar e chegar a quem vazou.
Quem vazou vai ser responsabilizado administrativa e criminalmente. Mas tem que ficar comprovado...
O ex-senador Delcídio do Amaral acusa o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo de antecipar as operações da Lava Jato.
Isso também será investigado? Tomei conhecimento disso pela imprensa.
O doutor Rodrigo Janot pediu o inquérito e foi instaurado.
Se o titular da ação penal pediu inquérito e achou que deve ser investigado, vai ser investigado até que não paire dúvidas.
Assim como Delcídio, há diversos delatores na Lava Jato que colaboram com a operação.
O senhor é favorável a esse tipo de instrumento de investigação?
A delação, no sistema anglo-saxônico, é usada há mais de 100 anos.
É um sistema pragmático que ajuda a desmontar uma organização criminosa.
Numa investigação, importa pegar o quarto escalão, que é facilmente substituível, ou subir e atacar a cabeça da organização criminosa?
Se você ceifar o chefe da organização criminosa, aí, sim, você abate a corrupção.
A delação premiada ajuda a atacar a cabeça da organização criminosa.
O ex-presidente Lula tem sido apontado por delatores e pelos próprios investigadores da Lava Jato como o provável chefe do petrolão.
O senhor concorda com isso? Com as informações que tenho, não poderia dizer se vai chegar ou não ao ex-presidente Lula.
O procurador-geral já o incluiu na investigação.
O que é perceptível é que a Lava Jato já chegou ao escalão maior, onde há uma promiscuidade entre a elite econômica e a elite política.
Nesse sentido, o procurador-geral achou por bem investigar o ex-presidente Lula.
Só o fato de existirem nomes da elite política do país, independentemente do partido, e da elite econômica mostra a eficácia da Lava Jato.
A operação começou pelo quarto escalão, chegou ao terceiro, foi para a cúpula da Petrobras e a partir daí a ramificação para a cúpula política e econômica.
Nesse contexto, a delação ajudou a chegar ao topo da organização criminosa.
E é um instrumento que envolve os quatro atores do mundo jurídico. Atuam a Polícia, o MP, o Judiciário e os advogados.
O senhor é favorável, então, a que a Polícia Federal continue atuando nos acordos de colaboração premiada, ao contrário do que defende a Procuradoria-Geral da República?
Os quatro já atuam. A lei autoriza os quatro atores a atuar.
Quem vai homologar sempre a delação é o Poder Judiciário.
Quem vai contestar, apontar eventuais erros formais e matérias é o advogado.
Quem é o titular da ação penal e oferece a denúncia é o MP, que tem que participar da delação também. E quem faz toda a investigação é a polícia. Os quatro têm que participar.
E qual a sua opinião sobre a sugestão de se adotar uma lista tríplice de policiais federais indicados para ocupar o cargo de diretor-geral do órgão, seguindo a tradição do Ministério Público Federal?
Ah, esse negócio de lista tríplice... Eu sou favorável à autonomia de cada delegado, de cada agente para exercer a sua função.
A Polícia Federal vai ter total independência, total autonomia para exercer o seu papel.
Mas a Polícia Federal faz parte do Poder Executivo.
Não só no Brasil, mas no mundo todo.
O que nós vamos fazer é exatamente isto: garantir total independência.
A diretoria da PF acha a lista tríplice necessária? Os superintendentes acham que ela é necessária? Não.
Na verdade, quem acha que é necessária é só a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF).
Todos os que estão atuando nas grandes operações não acham que isso seja necessário. O que é necessário é garantir autonomia na investigação.
A cada mudança de ministro da Justiça se especula sobre a saída do diretor-geral da Polícia Federal. Em sua gestão, o que justificaria essa troca?
Nada justificaria.
Senão, eu já teria encaminhado pela troca.
Eu acho que não há necessidade de troca.
Tanto é que na própria sexta chamei para conversar o doutor Leandro Daiello, que é extremamente competente, afável no trato, uma pessoa agradável, que tem liderança e bom-senso.
Eu tinha uma dúvida que deveria perguntar a ele.
Eu gostaria de saber se ele estava ou não com vontade de continuar.
Você também não pode manter uma pessoa que não quer continuar.
Ele não só se mostrou motivado mas também disse que tem vontade de continuar. Disse para seguirmos em frente, e pedia a ele que marque uma reunião com a diretoria.
Não acho que tenha nada a mudar. E não mudei.
Ele está aí, com o pé no acelerador.
Se ele queria sair, disfarçou muito bem.
Nesse período tumultuado, é normal que ele se sinta numa situação incômoda.
Mas ele se mostrou extremamente motivado. Tanto é que a nossa reunião, que era para durar uma hora, demorou três horas e meia.
Eu também sou inquisidor, né? Eu estava mesmo interessado em saber tudo.
Eu sou curioso por natureza.
Foi uma reunião que não durou mais, para a sorte dele, que estava olhando para o relógio, porque eu tinha uma reunião com o presidente Temer para tratar sobre Olimpíada.
Há ameaças de ataques terroristas na Olimpíada, conforme reconheceu recentemente um diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)?
Veja só, não há nada que demonstre que vai ocorrer alguma coisa no Brasil.
Mas, obviamente, o Brasil deve tomar todos os cuidados possíveis, porque somos o país anfitrião.
O país anfitrião não pode se dar o direito de negligenciar nenhum ponto.
O presidente Temer fez questão de fazer essa reunião sobre Olimpíada para verificar todos esses pontos.
E pode ter certeza que nós não estamos negligenciando nenhum ponto.
As manifestações contra o atual governo são motivo de preocupação?
Qualquer movimento social, seja de esquerda, direita, centro, liberal, conservador, anárquico, tem constitucionalmente garantias de se manifestar.
Não precisa pedir autorização. Pode defender a ideia que quiser.
A Constituição exige muito pouco, porque vivemos numa democracia.
Ela exige prévia ciência do poder público, para que possa organizar os direitos dos demais, e que seja pacífica.
É proibido manifestação com armas.
Qualquer movimento que respeite isso está constitucionalmente autorizado a se manifestar.
Se algumas pessoas praticam crimes, quebram e queimam tudo, não é mais movimento social.
Aí, tem que responder à polícia e à Justiça.
De qualquer forma, não acho que as manifestações tendem a aumentar.
Já estão diminuindo.
O brasileiro quer trabalhar.
O brasileiro quer que o país melhore.
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