Juiz federal classificou as medidas como um retrocesso no combate à corrupção e aos crimes do colarinho branco no país
Sergio
Moro durante evento realizado pela revista "The Economist"no Hotel
Grand Hyatt em São Paulo (Vanessa
Carvalho/Folhapress)
O juiz federal Sergio Moro, que conduz os processos da Lava Jato na
primeira instância em Curitiba, criticou na noite desta quinta-feira dois
projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que impedem o fechamento
de acordos de delação premiada com alvos presos e que alteram a nova regra
jurídica para a prisão de réus condenados em segundo grau.
Moro classificou as
medidas como um retrocesso no combate à corrupção e aos crimes do colarinho
branco no país.
"Eu fico me indagando se não estamos vendo alguns sinais de uma
tentativa de retorno ao status quo da impunidade dos poderosos", afirmou
Moro, em conferência no XII Simpósio Brasileiro de Direito Constitucional,
evento da Academia Brasileira de Direito Constitucional, em Curitiba.
"Em
determinado ponto, a Mãos Limpas, operação italiana similar à Lava Jato, perdeu
o apoio da opinião pública.
E a reação do poder político foi com leis, como as
que proibiam certos tipos de prisão cautelar ou que reduziam penas".
Os alvos das críticas de Moro foram dois projetos de lei propostos neste
ano pelo deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), um dos interlocutores gravados
em conversas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março, tentando
obstruir as investigações da Lava Jato.
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Um deles é a PL 4577/2016 que altera a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) de autorizar a prisão de réus condenados após a decisão final no
segundo grau.
"Se pode comentar que essa exigência do trânsito em julgado
não tem por objetivo proteger necessariamente os acusados mais abastados, mas
todos.
Mas a grande verdade, isso é inegável, é de que a proteção aqui não é
dirigida ao João da Silva, mas sim a uma gama de pessoas poderosas que por
conta de regras dessa espécie, por muito tempo foram blindados de uma efetiva
responsabilização criminal nas nossas cortes de Justiça."
O segundo tema abordado por Moro na palestra foi a proposta de lei
4372/2016, que quer a proibição de colaboração premiada por pessoas que estejam
presas.
"Será que nós podemos de uma maneira consistente, qual o direito
da defesa na nossa Constituição, negar ao colaborador, por estar preso, o
recurso a esse mecanismo de defesa? Como é possível justificar isso?",
questionou o juiz.
"Eu fico pensando: 'Mas isso é consistente com o direito a ampla
defesa?'.
Será que a colaboração premiada não tem que ser analisada de duas
perspectivas? Na do investigador que quer colher as provas, mas também na
perspectiva do acusado e do investigado e sua defesa?"
Moro não citou o nome do deputado, autor das propostas, falou apenas em
"coincidência" que os dois projetos sejam de um mesmo autor membro do
PT.
"Quando nós escutamos essas questões nós temos que ter em mente que
não estamos discutindo conceitos jurídicos abstratos, mas realidades de vida.
Precisamos pensar o nosso direito penal e o processo penal de maneira que eles
funcionem.
Não com objetivo de alcançar condenações criminais, mas naqueles
casos em que for provado no devido processo a prática de um crime, tem que
existir consequências, e tem que ser proporcional à gravidade do crime."
O juiz ainda afirmou que, apesar de a corrupção existir em todos os
lugares do mundo, a corrupção sistêmica que se vê no Brasil "não é algo
assim tão comum".
(Com Estadão Conteúdo)
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