28/07/2013
Política & CiaDilma deixar que Lula mande em seu governo é inédito — e também humilhante e ridículo. É útil um presidente avistar-se com antecessores — mas não receber ordens de um deles
Post publicado originalmente dia 26 de julho de 2013, às 15h47
Como sabem os leitores mais assíduos, venho há algum tempo chamando Lula de ex-presidento.
Na verdade, o correto seria designá-lo pelo que, na prática, é: co-presidente.
Nunca, em quase 124 anos de República — “nuncaantezneztepaiz”, portanto, pelo menos no já longo período republicano — se viu nada igual: uma presidente, como Dilma Rousseff, que, a cada passo mais importante, a cada crise mais aguda, sai correndo se consultar com seu guru e antecessor.
Às vezes, em postura que já passa do respeito à auto-humilhação, pegando o avião presidencial em Brasília para ir ao beija-mão em Lula em São Paulo, em vez de convocá-lo para o Palácio do Planalto.
É interessante, útil e produtivo para o país que o presidente de turno se consulte com ex-presidentes, uma prática democrática raríssima em estas paragens. (FHC chamou os candidatos à sua sucessão, um por um, em 2002, para explicar em detalhes o acordo com o FMI que o governo estava prestes a assinar. É uma das poucas exceções em muitos anos.)
Em países civilizados, chefes do governo, em determinadas circunstâncias, se avistam, trocam ideias, buscam a experiência de antecessores, mesmo que, politicamente, sejam adversários ferrenhos.
Não só em ocasiões, digamos, sociais, tal como ocorreu logo após a posse de Barack Obama, em janeiro de 2011, quando todos os ex-presidentes vivos dos Estados Unidos — Jimmy Carter e Bill Clinton, democratas, e os republicanos George H. Bush e o filho, George W. Bush, antecessor de Obama — conferenciaram cordialmente com o novo presidente e posaram para fotos.
Ficou célebre a reunião do então jovem presidente John F. Kennedy, democrata, com o antecessor republicano, Dwight D. Eisenhower, em abril de 1961, quando a remessa de mísseis soviéticos para Cuba quase provoca um confronto nuclear entre as duas então superpotências.
Eisenhower não apenas era um ex-presidente, mas, como general de cinco estrelas, havia sido o comandante supremo das forças dos Aliados na II Guerra Mundial (1939-1945). Tratava-se de uma experiência imensa que não poderia ser descartada naquele momento. Depois do encontro, ambos trocaram vários e longos telefonemas.
Na França, para ficar em mais um exemplo, todos os presidentes depois do general Charles de Gaulle (1959-1969), que não consultava ninguém, mantiveram reuniões com antecessores. Eram fatos corriqueiros, com resultados positivos para os interesses gerais do país.
Jacques Chirac, conservador, que devido a peculiaridades da Constituição francesa fora primeiro-ministro sob o presidente socialista François Mitterrand (1981-1995), reuniu-se várias vezes com ele durante sua própria presidência de dois mandatos (1995-2007).
Nicolas Sarkozy (presidente de 2007 a 2012), ex-ministro do Interior de Chirac, manteve linha direta com o antecessor até romperem politicamente.
Na Espanha, chefes de governo de um lado e outro do espectro político não apenas se consultaram, mas adotaram posições conjuntas, especialmente na questão gravíssima do combate ao terrorismo da organização separatista basca ETA.
Nenhum deles, porém, ia receber ordens. No caso da presidente Dilma, a impressão que cada encontro com Lula transmite é exatamente essa, indesejável e humilhante: ela vai a Lula, escuta as opiniões de seu tutor e, sem que jamais se tenha sabido de uma única discrepância real, segue as diretrizes emitidas.
Vejam o que acaba de acontecer na Bahia, notem o título (“Dilma decide com Lula…”) da reportagem do Estadão:
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Dilma decide com Lula não mexer na gestão
Vera Rosa e Tânia Monteiro – O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – A presidente Dilma Rousseff não cortará nenhum dos 39 ministérios nem pretende mexer no primeiro escalão agora.
Em conversa de três horas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira, em Salvador, Dilma mostrou preocupação com a queda de popularidade do governo, registrada após as manifestações de rua de junho, mas disse que não vai ceder, nesse momento, a pressões por mudanças na equipe.
A portas fechadas houve muita reclamação sobre o comportamento do aliado PMDB e também do PT.
Não foi só: Dilma pediu ajuda a Lula para “enquadrar” o PT, que, no seu diagnóstico, não está colaborando como deveria para defender o governo e o plebiscito da reforma política.
Para a presidente, divisões na seara petista e o coro do “Volta Lula”prejudicam a governabilidade.
Embora os números da pesquisa CNI/Ibope só tenham sido divulgados ontem, Dilma e Lula sabiam na reunião que a rejeição aos políticos afetaria a avaliação não só da petista, mas também dos governadores.
Apreensiva, a presidente chegou a perguntar a auxiliares qual seria a repercussão na mídia da má avaliação do governo, em meio à visita do papa Francisco ao Brasil.
O levantamento do Ibope mostra que o porcentual dos que consideram o governo Dilma “ótimo” ou bom” caiu de 55% para 31% em um período de um mês, após as manifestações de rua.
Outros números indicam que a avaliação pessoal da presidente despencou de 71% para 45% e que metade dos entrevistados não confia nela.
Segundo o Estado apurou, Dilma e Lula expressaram contrariedade não só com o racha no PT, mas também com a atitude do presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), que pregou publicamente o corte de ministérios como solução para a crise política.
A avaliação reservada é a de que o PMDB quer “surfar” na onda dos protestos.
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