O caso Westendorff e a relação entre avistamentos de óvnis e cultura popular
POPULARIDADE DA SÉRIE DE TV ARQUIVO X COINCIDIU COM SURTO DE AVISTAMENTOS DE ÓVNIS (FOTO: REPRODUÇÃO)
Um
leitor perguntou, há algum tempo, o que eu acho do “caso Westendorff”: o
relato, feito em 1996, por um empresário e piloto de avião brasileiro, Haroldo
Westendorff, do avistamento de uma gigantesca pirâmide flutuante sobre a Lagoa
dos Patos, no Rio Grande do Sul.
Confesso
que não sabia nada a respeito. Mas depois, pesquisando o assunto, cheguei a uma
série de documentos sobre discos voadores liberados no Arquivo Nacional pela
Força Aérea Brasileira, além de encontrar alguns vídeos históricos no YouTube.
Em
entrevista, dada na época dos acontecimentos, à revista IstoÉ, Westendorff
disse: “O objeto tinha uma base do tamanho de um estádio de futebol (...) e de
50 a 60 metros de altura. Ele tinha a forma de um cone”. Falando em 1998 ao
apresentador de TV Carlos Roberto Massa, o “Ratinho”, Westendorff disse que podia
precisar a altura do objeto em “exatamente ” 70 metros.
Na
reportagem publicada pela IstoÉ, afirma-se que a presença do cone voador foi
confirmada visualmente por operadores do aeroporto de Pelotas. Um deles,
Gilberto Martins dos Santos, é citado pela revista dizendo que o objeto tinha
“o tamanho de uma torre de alta tensão”.
A
Ratinho, Santos disse ter visto, por binóculo, algo estranho no céu, na direção
apontada por Westendorff, mas que, por conta da grande distância, não podia
“dizer que vi a mesma coisa que o Haroldo viu”, embora confirmando “uma forma
piramidal”. “Não tínhamos definição de cor: era como se fosse uma sombra enorme
no céu”, declarou. Um dado importante, citado na IstoÉ e reproduzido em relatos
posteriores, é o de que o Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de
Tráfego Aéreo (CINDACTA) de Curitiba foi acionado no ato, mas que os radares do
centro, em perfeito estado de funcionamento, detectavam apenas o monomotor
pilotado por Westendorff, e nada mais.
O
relato do empresário prossegue com a descrição da abertura do topo do cone
gigante, de onde ele viu partirem discos voadores e raios de luz. A revista
afirmava, ainda, que o Ministério da Aeronáutica (pasta que deixou de existir
com a criação do Ministério da Defesa, em 1999) realizava investigação sigilosa
sobre o assunto.
Se
essa investigação realmente existiu, continua sigilosa: não só não parece haver
nenhum documento oficial sobre o caso Westendorff entre os papéis sobre óvnis
liberados no Arquivo Nacional – onde só aparecem vários recortes da mídia da
época, um deles sendo o da reportagem da IstoÉ – , como um relatório
estatístico do Comando da Aeronáutica sobre avistamentos de óvnis no Brasil,
cobrindo o período de 1954 a 2001, não contabiliza nenhum caso no sul do Brasil
em outubro de 1996, mês e ano dos eventos relatados pelo empresário.
O
que tirar disso tudo? A primeira conclusão – e talvez a única completamente
honesta – é de que ninguém sabe, mesmo, na lata, o que Haroldo Westendorff viu
sobre a Lagoa dos Patos naquele dia. Mas, humanos que somos, gostamos de
especular.
Então:
a descrição de Gilberto Santos, de que o objeto parecia uma sombra, e a
ausência de registro em radar sugerem algo sem muita substância. Quem sabe, uma
nuvem gigantesca de formato exótico, iluminada de modo peculiar pelo sol? Mas,
se foi isso, por que o piloto interpretaria uma nuvem como uma pirâmide
espacial?
A
estatística sobre óvnis do Comando da Aeronáutica contém dois picos
pronunciados: nos anos de 1977-78 (onde concentram-se 22,3% de todos os casos
registrados entre 1954 e 2000) e nos de 1996-97 (18,27%). Juntos, os dois
biênios somam mais de 40% do total de casos anotados em 46 anos. Curiosamente,
em 1977 estrearam nos cinemas Guerra nas
Estrelas e Contatos Imediatos de 3º Grau; já
os anos 96-97 viram explodir a popularidade da série de TV Arquivo X no Brasil,
onde vinha sendo exibida desde 1994, outro ano que concentrou uma grande
proporção de avistamentos (6,5%).
Esta
correlação entre cultura popular e avistamentos aponta para um fenômeno psicológico
chamado viés de disponibilidade: quando somos confrontados com uma ocorrência
que requer explicação, tendemos a aplicar a ela o que estiver mais disponível,
mais “à mão” em nosso repertório mental. Numa época saturada por narrativas
sobre invasores alienígenas e naves espaciais, nada mais natural que descrever
coisas estranhas, vistas no céu, como objetos vindos de outros mundos.
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