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REVISTA EPOCA:Presidente da OAB embolsou honorários irregularmente, diz CNJ
Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 2015
Presidente da OAB embolsou honorários irregularmente, diz CNJ
As merendeiras e os professores do Piauí, que recebiam menos de um salário mínimo nos anos 1990, ganharam na Justiça indenização de R$ 400 milhões do governo local.
Mas um grupo de advogados, liderado por Marcus Vinícius Coelho, que nem sequer atuou no caso, estava faturando - e antes de muitos dos trabalhadores - R$ 108 milhões desse total; a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça considerou irregulares os honorários dos advogados e mandou suspender os pagamentos
FILIPE COUTINHO
Cada vez mais candidato a ministro do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coelho, atuou para que um grupo de advogados do Piauí descolasse honorários superlativos - e, segundo a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, irregulares - num processo de R$ 400 milhões.
Os R$ 400 milhões constituem uma dívida reconhecida pelo governo do Piauí a professores e merendeiras da rede pública do ensino, como forma de compensação por algo básico que eles não tiveram durante um período da década de 1990: ganhar um salário mínimo.
São 11.401 beneficiários que, ao contrário dos advogados, não ficarão milionários com o pagamento da dívida.
A média de pagamento, para os sindicalizados, é de pouco mais de R$ 30 mil - alguns beneficiários vão levar anos até receber o dinheiro.
ÉPOCA teve acesso à decisão de um processo sigiloso do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, que considerou irregular a manobra para o pagamento dos honorários advocatícios.
Marcus Vinícius nem sequer foi advogado no processo pelo qual ele ganhou os honorários.
Foi, na verdade, advogado dos advogados.
A disputa envolve o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica Pública do Piauí e sucessivas decisões judiciais, contra e a favor dos advogados.
Tudo começou em 2006, quando os advogados Luciano Paes e Robertônio Pessoa entraram na Justiça para receber seus honorários pelo caso.
Acontece que, na hora de entrar com o pedido no Tribunal de Justiça, os advogados não advogaram em causa própria.
Preferiram contratar Marcus Vinícius Furtado Coelho. E foi assim que o atual presidente da OAB entrou no processo, mesmo sem ser advogado do sindicato.
Inconformada, uma das sindicalizadas, uma professora aposentada, recorreu ao CNJ em março de 2013. Os honorários já estavam sendo pagos.
Em parecer de novembro de 2013 apresentado à Justiça do Piauí, o Ministério Público foi contrário aos pagamentos milionários.
O MP falou em “prejuízos irreparáveis”.
“O quantum de 27% sobre o valor da condenação apresenta-se fora dos preceitos da lei e da ética, por cobrar valores abusivos e ilegais.
A cobrança de honorários advocatícios deve atender aos princípios norteadores da atividade advocatícia e ao respeito aos clientes.
A lei protege expressamente o direito do advogado, mas também protege o patrocinado”, afirmaram os promotores.
Em agosto do ano passado, o ministro Francisco Falcão, então corregedor do Conselho Nacional de Justiça, viu problemas semelhantes aos apontados pelo MP do Piauí.
E elencou quatro irregularidades nos pagamentos dos honorários dos advogados, determinando a suspensão dos repasses.
Até aquele momento, segundo Falcão, os advogados já tinham recebido R$ 6 milhões.
ÉPOCA descobriu que, entre março e julho de 2013, o governo do Piauí pagou R$ 3.698.377,98 aos advogados.
Desse montante, a conta no Banco do Brasil do escritório Furtado Coelho, pertencente a Marcus Vinícius, recebeu R$ 407.802,60.
Os advogados receberam seis parcelas dos precatórios até a decisão da corregedoria do CNJ.
No total, os valores seriam pagos em 144 meses.
Na decisão, o corregedor do CNJ afirmou que os honorários não poderiam ter sido calculados e bancados com os R$ 400 milhões.
“A cobrança de honorários contratuais, independente do percentual aplicado, afronta à própria natureza dos sindicatos”, disse Falcão.
Se o dinheiro fosse pago pelo sindicato, e não pelos sindicalizados, os honorários advocatícios sofreriam uma enorme redução. Isso porque o sindicato recebe apenas 1% do total - ou R$ 4 milhões.
Com os sindicalizados pagando, os advogados recebem 27% dos precatórios (R$ 108 milhões) ao longo dos anos.
Francisco Falcão também pôs em dúvida a legitimidade da assembleia do sindicato que decidiu sobre os honorários.
“O desconto de 27% a título de honorários foi autorizado em assembleia convocada para tratar de assuntos de forma genérica, e pouco ou quase nada representativa, do qual participaram apenas 283 sindicalizados, do total de 25 mil profissionais de educação”, disse.
No CNJ, a questão não se resume aos pagamentos. Cabe ao Conselho também apurar a conduta de magistrados.
O ministro Francisco Falcão levantou suspeitas sobre o desembargador Luiz Gonzaga Brandão, do Tribunal de Justiça do Piauí, autor das ordens de pagamento aos advogados.
Falcão determinou que uma correição fosse feita na área de precatórios do tribunal, em que a dívida de R$ 400 milhões foi tratada.
Na prática, Brandão descumpriu uma ordem anterior da Justiça, que havia determinado que, até que fosse resolvido o impasse com os honorários, os valores deveriam ser reservados numa conta judicial.
Brandão, contudo, determinou, numa decisão administrativa, que os depósitos fossem feitos nas contas dos advogados - incluindo Marcus Vinícius.
"Descumprindo ordem judicial, determinou a liberação dos honorários reservados em favor dos advogados beneficiários", escreveu o ministro na decisão.
Além dessa irregularidade, a decisão do CNJ apontou ainda que Brandão nem sequer poderia ter atuado na liberação dos precatórios.
O motivo é simples. O desembargador se declarou suspeito para julgar o processo, mas não se viu impedido de determinar administrativamente os pagamentos aos honorários.
Brandão admitiu ao CNJ ser amigo do pai de um dos advogados, embora tenha dito que isso não fez diferença na hora de determinar os pagamentos milionários.
“Afora a atuação atípica do desembargador Brandão, pesa ainda sobre o magistrado a suspeição declarada na fase judicial, afastada na fase administrativa”, disse Falcão.
Em nota, o presidente da OAB afirmou que foi contratado para defender os advogados que atuaram em nome do sindicato, mas que não haviam recebido honorários.
"O escritório Furtado Coêlho Advogados Associados foi contratado pelos advogados em 2005 para entrar com uma ação na Justiça para receber os honorários a que tinham direito. Em 2007, o Tribunal de Justiça do Piauí determinou este pagamento.
Em acordo firmado em 2010 com o sindicato, os advogados abriram mão de receber os honorários sobre os pagamentos futuros dos professores, restringindo o pagamento aos atrasados."
Perguntado sobre quanto recebeu, Furtado Coelho não falou em cifras.
"Os honorários do escritório Furtado Coêlho Advogados Associados equivalem a 2,43% do total a ser recebido pelos advogados.
É importante ressaltar que este percentual não aumentou em nada o total dos honorários pagos aos advogados”. Marcus Vinícius, portanto, ainda teria que receber cerca de R$ 2,2 milhões em honorários.
O presidente da OAB minimizou a decisão da corregedoria do CNJ. "O Conselho Nacional de Justiça não tomou nenhuma decisão sobre este caso.
O que houve foi uma determinação individual e isolada do corregedor, mas que não foi levada a plenário.
De acordo com o regimento do CNJ, artigo 99, qualquer decisão individual do relator (neste caso o corregedor), 'será submetida a referendo do Plenário na primeira sessão ordinária seguinte', o que não ocorreu”, disse em nota.
Segundo Geovane Machado, assessor jurídico do sindicato, a assembleia questionada pelo CNJ foi uma maneira de agilizar os pagamentos dos precatórios.
“Houve essa celeuma toda e na assembleia foi dado aval para o sindicato negociar o pagamento dos honorários no recebimento do precatório, em 27%”, disse. “Marcus Vinícius é advogado dos ex-advogados.
Ele teve um percentual em cima dos honorários dos advogados, é um honorário contratual entre advogados”, completou.
Geovane Machado disse ainda que os advogados atuaram em favor dos professores, para que os valores depositados fossem isentos de imposto de renda.
O desembargador Luiz Gonzaga Brandão não respondeu as perguntas enviadas à assessoria de imprensa do tribunal.
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