Reginaldo Pereira Galvão (esq), conhecido como "Taradão", foi
condenado pelo assassinato de Dorothy Stang a 30 anos de prisão, mas continua
solto após apresentar recurso e aguarda o resultado
Jacques Távora Alfonsin*
Camponesas e camponeses de Anapu, no sul do Pará, certamente vão se
reunir neste 12 de fevereiro para lembrar a morte da freira Dorothy Stang, uma
fiel e dedicada companheira delas/es, religiosa conhecida por sua coragem e
disposição, assassinada em razão de sua luta em favor do povo pobre daquela
região, da reforma agrária, e contra o desmatamento crescente que lá se
verificava, promovido por latifundiários interessados, como em outros lugares
do país, na expansão do plantio de soja, na conquista de espaço para o gado, em
mineração e em vender madeira.
A repercussão nacional e internacional desse assassinato deu a
impressão, como já ocorrera com o massacre de Eldorado do Carajás,
sintomaticamente acontecido no mesmo Estado do Pará, que a violência de crimes
praticados por motivos idênticos ao que matou Dorothy, se não fosse eliminada,
pelo menos diminuiria.
Os fatos posteriores vêm provando o contrário, chamando a atenção até de
órgãos da imprensa estrangeira como é o caso do Financial Times.
Na sua edição
de 10 de dezembro passado, abriu matéria sob a seguinte manchete: "Terras
sem lei ameaçam compromisso climático brasileiro."
É que estava em andamento naquela semana a COP 21, em Paris, encontro no
qual o Brasil se comprometeu, segundo a mesma notícia, a acabar com o
desmatamento ilegal, aqui, até 2030…
O jornal manifestava pouco acreditar nisso
(mesmo um prazo dessa extensão não ser nada pequeno, levando-se em conta a
gravidade do problema) diante de mais um assassinato ocorrido então na mesma
Anapu. Winslei Gonçalves Barbosa, de 23 anos, fora emboscado e morto:
"Uma bala está alojada em seu capacete, que rolou para o lado.
Mas
a polícia ainda não chegou e muito menos começou a buscas pelos seus
assassinos.
É mais um sinal da ausência de lei e da violência que afligem
grande parte da Amazonia brasileira – problemas que têm um peso direto nas
discussões globais que estão perto de um desfecho em Paris nesta semana."
Sobre o trabalho da Irmã Dorothy, a notícia refere: "Tomar partido
dos sem-terras foi parte do trabalho de Stang, cuja memória é homenageada em
Anapu por uma procissão anual comemorativa através da cidade empoeirada, junto
com o Fusca branco dela, muito bem cuidado.
Stang defendeu dois grandes
"projetos de desenvolvimento sustentável" em terras governamentais
que os pecuaristas ocuparam:
Esperança, onde Gonçalves Barbosa foi assassinado,
e Virola-Jatobá.
A ideia de Stang era permitir que os sem-terras fossem
assentados em troca da preservação de grande parte da floresta. Um grupo de
fazendeiros comandado por Reginaldo Pereira Galvão, conhecido como
"Taradão", encomendou seu assassinato para barrar a execução dos
projetos. Galvão foi condenado pelo crime a 30 anos de prisão, mas continua
solto após apresentar recurso e aguarda o resultado."
Uma crítica procedente de um jornal estrangeiro pode ser colocada sob
reserva, mas se ela for comparada com dados da própria CPT, recolhidos pelo
site Agência Brasil no início de janeiro passado, tem-se de reconhecer como bem
fundadas as desconfianças ali manifestadas sobre o nosso Estado de Direito:
"O número de assassinatos decorrentes de conflitos no campo em 2015
foi o maior dos últimos 12 anos no Brasil, com 49 mortes registradas, a maior
parte na Região Norte"
"A CPT ressalva, no entanto, que os dados são
ainda parciais e podem vir a aumentar à medida que sejam consolidadas as
informaçães provenientes do trabalho in loco."
"O número de mortes
decorrentes de conflitos no campo no ano passado foi o maior desde 2003, quando
foram contabilizados 73 assassinatos."
" O Norte do país é um barril
de pólvora', disse o coordenador da CPT em Pernambuco, Plácido Júnior,
responsável pela compilação dos dados nacionais:
Além do avanço do agronegócio
tradicional, acreditamos que o aumento das tensões no campo em 2015 tenha relação
com maiores disputas por recursos como madeira e água, o prosseguimento de
grandes empreendimentos de mineração e energia e a diminuição no número de
assentamentos e demarcações."
"Dados da entidade mostram que de 1.115
casos de homicídio decorrentes de conflitos no campo registrados entre 1985 e
2014, 12 foram julgados."
A convivência com uma realidade de tamanha injustiça não pode continuar
anestesiando a nação como se toda ela só dissesse respeito às vítimas dos seus
trágicos efeitos.
O passado tem-nos mostrado quantas pessoas "de
fora" vêm para cá, escandalizadas com isso e por motivos bem diferentes
das grandes empresas transnacionais.
Oferecem as suas próprias vidas em defesa
da nossa terra e da nossa gente, como fez a Irmã Dorothy e muitas/os missionárias/os.
O Frei Henri Burin des Roziers, advogado da CPT em Xinguara, também no
Pará, tem de andar acompanhado de seguranças, como outras pessoas do clero e
fora dele, ameaçado de morte como está.
Em uma entrevista concedida à uma
revista, anos passados, quando essa segurança praticamente lhe foi imposta, tão
grande era o temor de se repetir o acontecido com a Irmã Dorothy, ele disse
tudo o que precisa ser dito, a respeito da segurança e da paz a que têm direito
as/os camponesas/os brasileiras.
Por rejeitar o privilégio a ele conferido, por
ser quem é, preferiria viver sem escolta alguma, num Estado garante de
segurança para todas/os, fruto de uma convivência fraterna sobre terra, na qual
a reforma agrária tivesse alcançado reparti-la de forma justa, não usurpada por
poucos, em favor da reprodução da pobreza e em prejuízo da maioria.
*Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado do
estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos
Humanos
Reginaldo Pereira Galvão (esq), conhecido como "Taradão", foi
condenado pelo assassinato de Dorothy Stang a 30 anos de prisão, mas continua
solto após apresentar recurso e aguarda o resultado
Jacques Távora Alfonsin*
Camponesas e camponeses de Anapu, no sul do Pará, certamente vão se
reunir neste 12 de fevereiro para lembrar a morte da freira Dorothy Stang, uma
fiel e dedicada companheira delas/es, religiosa conhecida por sua coragem e
disposição, assassinada em razão de sua luta em favor do povo pobre daquela
região, da reforma agrária, e contra o desmatamento crescente que lá se
verificava, promovido por latifundiários interessados, como em outros lugares
do país, na expansão do plantio de soja, na conquista de espaço para o gado, em
mineração e em vender madeira.
A repercussão nacional e internacional desse assassinato deu a
impressão, como já ocorrera com o massacre de Eldorado do Carajás,
sintomaticamente acontecido no mesmo Estado do Pará, que a violência de crimes
praticados por motivos idênticos ao que matou Dorothy, se não fosse eliminada,
pelo menos diminuiria.
Os fatos posteriores vêm provando o contrário, chamando a atenção até de
órgãos da imprensa estrangeira como é o caso do Financial Times.
Na sua edição
de 10 de dezembro passado, abriu matéria sob a seguinte manchete: "Terras
sem lei ameaçam compromisso climático brasileiro."
É que estava em andamento naquela semana a COP 21, em Paris, encontro no
qual o Brasil se comprometeu, segundo a mesma notícia, a acabar com o
desmatamento ilegal, aqui, até 2030…
O jornal manifestava pouco acreditar nisso
(mesmo um prazo dessa extensão não ser nada pequeno, levando-se em conta a
gravidade do problema) diante de mais um assassinato ocorrido então na mesma
Anapu. Winslei Gonçalves Barbosa, de 23 anos, fora emboscado e morto:
"Uma bala está alojada em seu capacete, que rolou para o lado.
Mas
a polícia ainda não chegou e muito menos começou a buscas pelos seus
assassinos.
É mais um sinal da ausência de lei e da violência que afligem
grande parte da Amazonia brasileira – problemas que têm um peso direto nas
discussões globais que estão perto de um desfecho em Paris nesta semana."
Sobre o trabalho da Irmã Dorothy, a notícia refere: "Tomar partido
dos sem-terras foi parte do trabalho de Stang, cuja memória é homenageada em
Anapu por uma procissão anual comemorativa através da cidade empoeirada, junto
com o Fusca branco dela, muito bem cuidado.
Stang defendeu dois grandes
"projetos de desenvolvimento sustentável" em terras governamentais
que os pecuaristas ocuparam:
Esperança, onde Gonçalves Barbosa foi assassinado,
e Virola-Jatobá.
A ideia de Stang era permitir que os sem-terras fossem
assentados em troca da preservação de grande parte da floresta. Um grupo de
fazendeiros comandado por Reginaldo Pereira Galvão, conhecido como
"Taradão", encomendou seu assassinato para barrar a execução dos
projetos. Galvão foi condenado pelo crime a 30 anos de prisão, mas continua
solto após apresentar recurso e aguarda o resultado."
Uma crítica procedente de um jornal estrangeiro pode ser colocada sob
reserva, mas se ela for comparada com dados da própria CPT, recolhidos pelo
site Agência Brasil no início de janeiro passado, tem-se de reconhecer como bem
fundadas as desconfianças ali manifestadas sobre o nosso Estado de Direito:
"O número de assassinatos decorrentes de conflitos no campo em 2015
foi o maior dos últimos 12 anos no Brasil, com 49 mortes registradas, a maior
parte na Região Norte"
"A CPT ressalva, no entanto, que os dados são
ainda parciais e podem vir a aumentar à medida que sejam consolidadas as
informaçães provenientes do trabalho in loco."
"O número de mortes
decorrentes de conflitos no campo no ano passado foi o maior desde 2003, quando
foram contabilizados 73 assassinatos."
" O Norte do país é um barril
de pólvora', disse o coordenador da CPT em Pernambuco, Plácido Júnior,
responsável pela compilação dos dados nacionais:
Além do avanço do agronegócio
tradicional, acreditamos que o aumento das tensões no campo em 2015 tenha relação
com maiores disputas por recursos como madeira e água, o prosseguimento de
grandes empreendimentos de mineração e energia e a diminuição no número de
assentamentos e demarcações."
"Dados da entidade mostram que de 1.115
casos de homicídio decorrentes de conflitos no campo registrados entre 1985 e
2014, 12 foram julgados."
A convivência com uma realidade de tamanha injustiça não pode continuar
anestesiando a nação como se toda ela só dissesse respeito às vítimas dos seus
trágicos efeitos.
O passado tem-nos mostrado quantas pessoas "de
fora" vêm para cá, escandalizadas com isso e por motivos bem diferentes
das grandes empresas transnacionais.
Oferecem as suas próprias vidas em defesa
da nossa terra e da nossa gente, como fez a Irmã Dorothy e muitas/os missionárias/os.
O Frei Henri Burin des Roziers, advogado da CPT em Xinguara, também no
Pará, tem de andar acompanhado de seguranças, como outras pessoas do clero e
fora dele, ameaçado de morte como está.
Em uma entrevista concedida à uma
revista, anos passados, quando essa segurança praticamente lhe foi imposta, tão
grande era o temor de se repetir o acontecido com a Irmã Dorothy, ele disse
tudo o que precisa ser dito, a respeito da segurança e da paz a que têm direito
as/os camponesas/os brasileiras.
Por rejeitar o privilégio a ele conferido, por
ser quem é, preferiria viver sem escolta alguma, num Estado garante de
segurança para todas/os, fruto de uma convivência fraterna sobre terra, na qual
a reforma agrária tivesse alcançado reparti-la de forma justa, não usurpada por
poucos, em favor da reprodução da pobreza e em prejuízo da maioria.
*Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado do
estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos
Humanos
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